- PERGUNTOU PILATOS: O QUE É A VERDADE?
Coloquemos um objeto mental
em frente a um filósofo e a um político. Digamos uma realidade social: o
aborto. O que cada um dirá? O filósofo provavelmente dirá: “o aborto é um crime
contra a vida” e o político “o aborto depende do que cada um pretende”.
O filósofo procura o objeto
para submetê-lo ao crivo do intelecto. O que este lhe diz: a vida humana é
intocável. O político vê no objeto o que pode lucrar-lhe. Se a defesa da vida
for mais lucrativa que eliminá-la, então a “verdade” será esta. Se, invés, for
mais lucrativo atacar a vida, então esta será a verdade. Neste sentido o
filósofo concentra-se na vida humana, no seu valor intrínseco, enquanto o
político busca o valor proporcionado ao sujeito, quer destruindo a vida quer
preservando. Os políticos são incapazes de compreender a verdade e por isso
esforçam-se para escondê-la através de argumentos úteis a si mesmos. Para o
filósofo há uma preocupação na adequação da mente ao objeto. Para o político a
verdade está na adequação ao interesse político pessoal. O “intellectus et rei”
foi substituída por “rei et interesse”.
Pode-se tomar situações
concretas, digamos a guerra Rússia X Ucrânia. De parte da Rússia há uma verdade
estatal e esta é a Verdade. Para tanto quaisquer iniciativas são não só toleradas
como assumidas: inverdades grosseiras, repressão maciça daquilo que é divulgado
diferente de Moscou, reescrita da história. É a verdade estatal, a verdade do
putismo. Confrontam-se a verdade do cientista e a verdade do político. A
verdade para o político é a identidade da realidade ao discurso. Novamente ecoa
a pergunta de Pilatos: o que é a verdade? Qual que deve adequar-se ? O político
ou o filósofo, o político ou a ciência?
Estas tentativas de impor
verdades ao sabor dos interesses atingem sociedades e nações que querem se
apresentar como modelos de verdades. É o que aconteceu com a derrota de Trump. A
Comissão de Inquérito apresenta a versão de tentativa de golpe e o investigado
Trump proclama a tentativa de desviar o público da verdade, continuando
insistir na “eleição roubada”. Temos dois claros exemplos de um político querer
impor a verdade oriunda de seu interesse pessoal.
Na maioria das pesquisas de
opinião que envolve políticos reflete uma desconfiança em relação aos políticos
quanto ao conhecimento da realidade social. A conclusão a que chegam diz
respeito que os políticos estão “por fora” da realidade social e como tal são
incapazes de elaborar projetos de melhoria social. É o caso do “Barômetro da
confiança política”, que, através do Centro de Pesquisa Política da Sciences Po
(Cevipof) conclui que 75% dos entrevistados são cegos e incapazes de
buscar políticas que beneficiem qualquer pessoa além de si mesma. Em outra
pesquisa acham que 65% dos eleitos são mais corruptos do que honestos em que,
portanto, mantém uma atitude ambivalente em relação aos valores da convivência
social: “sinceridade, honestidade e verdade.” (Le Monde: Marion )
Quanto às pesquisas de opinião refletem apenas o que cada um pensa no momento, no aqui e agora. Por isso, devemos olhar com desconfiança as pesquisas de opinião. Elas se baseiam na crença não só na expressão da verdade, mas de que o que for mais rápido no raciocínio está com a verdade. Na ciência não é assim: muitas vezes, e penso que seja a maioria, o mais prudente em emitir opinião está com a verdade e não o mais rápido. É isso que acontece na promoção dos debates gigantescos.
Vamos acreditar nos prudentes, nos filósofos, ou nos políticos rápidos de respostas.