sábado, 24 de novembro de 2018

O NOVO MINISTRO DA EDUCAÇÃO: Ricardo Vélez Rodríguez e o Ensino. José Mauricio de Carvalho Prof. Titular aposentado da UFSJ e do UNIPTAN






Ricardo Rodríguez e o ensino
É natural a curiosidade dos cidadãos sobre pessoas que ocuparão postos estratégicos num futuro governo. Portanto, é natural e louvável o interesse dos brasileiros sobre os novos ministros entre os quais o Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. Dos outros ministros indicados conheço pouco, Ricardo Rodríguez conheço bem. Nascido em 15 de novembro de 1943, em Bogotá, Colômbia, ele vive no Brasil há mais de quatro décadas tendo se naturalizado brasileiro e tido dois filhos brasileiros. Dotado de inteligência rara e grande capacidade de estudo e trabalho, Ricardo Rodríguez licenciou-se em Filosofia na Universidade Javeriana, em 1963. Cursou Teologia no Seminário Conciliar ainda em Bogotá, fez mestrado em Filosofia na PUC-Rio (1974), doutorado em Filosofia na UGF (1982) e estágio de pós doutorado na França. É membro da Academia Brasileira de Filosofia e Sociedade Tocqueville (ambas no Rio de Janeiro), Instituto de Filosofia Luso-Brasileira (Lisboa), Instituto Brasileiro de Filosofia (São Paulo), The Planetary Society (Pasadena – Califórnia), Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, integra o Conselho Diretor do Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro (Salvador) e o Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio. Foi professor na Universidade Estadual do Paraná, na Universidade Gama Filho e, desde 1985, atuou como Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora, onde se aposentou como Associado. Destaco entre seus interesses intelectuais: filosofia brasileira, filosofia das ciências, história da filosofia, filosofia política, ética e história da cultura.
Vou apresentá-lo a partir do que já escrevi sobre ele em Contribuição contemporânea à História da Filosofia Brasileira (3. ed., Londrina, Eduel, 2001) e em Antologia do culturalismo brasileiro (Londrina: Eduel, 1998). Ricardo escreveu importantes livros sobre a realidade ibero-americana e brasileira entre os quais se destacam: Liberalismo y conservantismo en América Latina (Bogotá, Tercer Mundo, 1978); Castilhismo, uma filosofia da república (Est-EDUCS, 1980, reeditado em 2000 pelo Senado Federal na Coleção Brasil 500 anos); A propaganda republicana (Ed. UnB, 1982); O trabalhismo após 1930 (Ed. UGF, 1985); O Castilhismo (Ed. UGF, 1994); A ditadura republicana segundo o apostolado positivista (Ed. UGF, 1995); Tópicos especiais de filosofia moderna (Ed. da UEL e Ed. da UFJF, 1995), Oliveira Vianna e o papel modernizador do estado brasileiro (Ed. da UEL, 1997), Socialismo moral e socialismo doutrinário (Ed. UGF, 1997);  Avanços teóricos da socialdemocracia (Ed. UGF, 1997); A democracia liberal segundo Alexis de Tocqueville (Mandarim, 1998), Keynes, doutrina e crítica (Ed. Massao Ohno, 1999) e Estado, cultura y sociedad en la América Latina (Bogotá, Universidad Central, 2000). Além desses é autor de muitos capítulos em outras obras e centenas de artigos científicos.
Rodríguez conhece como poucos o positivismo e sua derivação política no Brasil, o castilhismo. Além disso, aplicou, com grande habilidade, os conceitos da sociologia weberiana no estudo da realidade ibero-americana. Dessa forma, avalia a organização político-burocrática dessas nações a partir dessa sociologia, evitando utilizar categorias marxistas, que Vélez conhece bem, mas avalia não traduzirem a realidade dessas sociedades. Com o conceito de Weber elaborou um outro para explicar o comportamento político nessa sociedade: a ética patrimonial. O que a tipifica? O fato de o homem projetar, no espaço cultural, a consciência de seus limites e desejar encontrar no útero protetor da organização política, aquilo que a vida parece negar. Essa noção de patriominialismo ajuda a entender como os assuntos do Estado são resolvidos como se fossem assuntos familiares, confundindo-se o público e o privado. Esta forma administrativa, o estado patrimonial, teria prevalecido na Rússia e nos países do Leste Europeu, na leitura de Max Weber. Rodríguez e os weberianos brasileiros a ajustaram à realidade ibero-americana. Dialogando com Wanderley Guilherme dos Santos empregou o conceito de autoritarismo instrumental, como o modelo patrimonial de modernização do qual é exemplo a própria revolução de 64 que usa o autoritarismo para promover a modernização da sociedade. Nesse sentido, o movimento revolucionário parece-lhe parte de um processo transitório, enquanto a democratização da economia não se completava.
Na interpretação da cultura ibérica, Ricardo Vélez considera que o patrimonialismo que aqui se estabeleceu é uma espécie de centripetismo privatizante, estruturado em torno da figura do monarca, e foi herança política de um meio cultural igualmente absorvente, a cultura muçulmana. Entre os árabes, que ocuparam por oitocentos anos a península ibérica, a religião universalista e o dirigente protetor eram a garantia contra uma vida insegura e instável. A novidade da leitura de Ricardo é que, para ele, a opção patrimonial não destruiu a tradição contratualista ibérica, afastando-se, assim, da clássica interpretação de Alexandre Herculano. Por isso, a ideia de patrimonialismo pareceu-lhe uma vertente destacada, em alguns períodos da história mais ativa, porém secundária em relação ao desejo da liberdade e um certo gosto pelo individualismo que entre os ibéricos se exteriorizou no direito consuetudinário visigótico, sob cujas bases desenvolveu-se, hoje em dia, a democracia ibérica. Sua interpretação do patrimonialismo modernizador revelou que o movimento podia caminhar em direção a uma sociedade aberta.  Isso porque o patrimonialismo ibérico, como dito, não destruiu o espírito de liberdade, herança do direito visigótico. É nessa tradição que ele estabelece as raízes do pensamento liberal que lhe parece pode modernizar a sociedade brasileira, ao mesmo tempo que dá, à sua interpretação, uma coloração filosófica, que não é evidente na interpretação mais sociológica que Alexandre Herculano realizou da sociedade ibérica.
Para Ricardo Vélez, a superação do patrimonialismo é fundamental, pois ele está associado ao atraso econômico, social e político da sociedade brasileira, completando a influência negativa deixada pela moral contra-reformista, que teve forte impacto entre nós durante mais de três séculos e que popularizou o ódio ao lucro, o desinteresse pelas coisas deste mundo e a avaliação negativa do trabalho entendido como castigo. Parece que, inicialmente, Rodríguez entendeu o movimento que afastou Collor de Melo era uma recuperação dessa raiz visigótica em direção a um liberalismo maduro, mas depois se convenceu que não foi o que ocorreu. Recentemente enxergou nos governos petistas um recrudescimento do patrimonialismo, onde a mistura se deu não entre as coisas da vida privada do governante e do Estado, mas na confusão entre os interesses do Partido e do Estado, o que levou a corrupção generalizada entre os altos dirigentes.
No livro Tópicos especiais da filosofia contemporânea (2001), Ricardo Vélez reconheceu sua filiação à escola culturalista e fez uma análise da tradição pedagógica ibérica, vendo-a marcada pela falta de interdisciplinaridade. Parece-lhe que o motivo foi o papel da teologia no ensino escolástico, substituída, no século XVIII, pela aritmética política pombalina, que não modificou seu caráter. Para superar essa limitação, parece-lhe que a pesquisa continuada e a formação humanística do universitário constituem os caminhos mais seguros para garantir a interdisciplinaridade. Quanto à importância desse humanismo no ensino básico, Ricardo o faz integrar a formação para a cidadania necessária na formação inicial do cidadão.
Isso permite esperar tanto a revalorização das humanidades na formação universitária, às quais Ricardo Vélez sempre deu atenção destacada e é tão necessária quanto a competência técnica e profissional na formação do estudante, quanto a educação interdisciplinar orientada para a formação da cidadania, na escola fundamental, que seria entregue aos municípios, na melhor tradição visigótica.
O aprofundamento das chamadas humanidades representa uma orientação que intelectuais como Ortega y Gasset e boa parte dos fenomenólogos fizeram desde o século passado. Eles pretendiam assim enfrentar a superficialidade e outros males advindos da falta de reflexão presente nas sociedades de massas. Esse estudo consiste no entendimento e aprofundamento do legado que veio desde os tempos clássicos, antiga Grécia e Roma, e foi revisitado no final da Idade Média e Renascença. Nosso sistema educacional não tem cuidado do entendimento e análise dessa tradição, praticando-se uma leitura comentada de raras obras apenas nos seminários de pós-graduação. A disponibilidade de textos na rede mundial de computadores não garante uma leitura proveitosa deles e é importante que a escola possa, do ensino fundamental até a universidade, organizar um programa de estudo desses conteúdos essencial para a formação para a cidadania.
Ricardo Vélez e outros culturalistas (Leonardo Prota e Antônio Paim) elaboraram um programa de estudos das humanidades tendo como referência as escolhas feitas no St. John´s College ou da coleção Great Books da Enciclopédia Britânica, havendo preparado um curso de humanidades sistematizando e comentando algumas obras ali referenciadas. Esse estudo abrangia assuntos e livros da antiguidade clássica, Israel e helenismo, bem como textos da Renascença e do pensamento moderno e contemporâneo.
A finalidade do estudo das humanidades, no âmbito do programa feito Ricardo, Paim e Prota, tem em vista o enfrentamento de dificuldades da sociedade atual. Parece-nos que o desafio a ser vencido é o que resumimos no livro O homem e a filosofia, pequenas meditações sobre a existência e a cultura. 3. ed., Porto Alegre: MKS, 2018, como se segue (p. 62):
É a tradição judaico-cristã e histórico-filosófico-jurídica, sistematizada pelos culturalistas do século XX como raiz axiológica e cognitiva do ocidente, que coloca como desafio de hoje: aproximar a vida singular do espaço cultural. Essa é a forma mais adequada para tratar a vida do homem, inseri-la na cultura. Cultura é, pelo que se disse, tudo o que o homem objetiva como valor, tudo o que referencia na relação com seu entorno. Na ordem das ideias, a distinção entre sujeito e objeto é lógica, na cultura tem caráter existencial. Queremos dizer que a vida tanto é objeto de investigação quanto é experiência singular. Tomando o viver como objeto de investigação, constatam-se os limites do conhecimento e criam-se teorias para explicar o mundo, assumindo a vida como exercício de escolhas experimenta-se existência singular. Por esse motivo, uma meditação sobre o homem precisa considerar que ele cria e absorve cultura, mas o faz segundo exigências existenciais próprias de sua singularidade.




sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Valores cristãos e o nome de Deus pronunciado em vão. José Mauricio de Carvalho Academia são-joanense de Letras





O último processo eleitoral colocou em evidência os valores cristãos. Pelo menos nunca se falou tanto de valores cristãos, embora quase sempre usados como justificativa de pensamentos e ações nada cristãos. Embora o Estado Nacional seja uma instituição laica, seria de fato interessante que houvesse no país real preocupação com os valores cristãos, à parte de qualquer religião, pois os valores cristãos constituem a coluna vertebral da sociedade ocidental construída sobre a liberdade pessoal e de organização, responsabilidade, estado laico e de direito e a democracia política.
Até onde entendo o conceito valores cristãos refere-se àqueles que foram defendidos e ensinados pelo mestre de Nazaré, o filho de um carpinteiro e de uma moça pobre. Por conta de sua mensagem radical na defesa do Reino de Deus ele foi torturado e morto numa cruz. Morto pelo fanatismo religioso de sacerdotes que não viram nele o enviado de Deus e pela omissão da autoridade romana que preferiu cometer uma injustiça flagrante a desagradar esses líderes religiosos judeus. É esse homem de paz, simples e de coração desarmado cuja mensagem de não violência e fraternidade foi aceita pelas multidões. Ele foi reconhecido depois de sua morte e ressureição como enviado especial de Deus e seu legítimo porta voz. A fé cristã nele enxerga pessoa divina a quem Deus mesmo honrou: o filho do Deus criador e partícipe de sua divindade.
Valores cristãos são, portanto, aqueles ensinados por Jesus e registrados nos ensinamentos que ele deixou em textos que a comunidade cristã reconheceu como referências para a construção do Reino de Deus anunciado por Jesus. Ele retomou os valores que vinham do judaísmo, atualizando-os para seus dias. Vamos lá: Amará seu Deus de todo coração e entendimento e não tomará seu nome em vão (de modo nenhum para justificar propósitos nada santos); Honrará o teu pai e tua mãe (cuidando deles e os amparando quando necessário); Não matarás (não apenas isso, mas não prejudicarás, não maltratarás de nenhum modo seu próximo, não o discriminarás, não recusará amparo ao estrangeiro, ao órfão e a viúva), não cometerás adultério (não trairás o amor), não furtarás (respeita as coisas do outro como extensão da pessoa dele que é como tu), não darás testemunho de nada falso (não estarás ao lado da mentira, especialmente quando essa te favorecer. Não espalharás notícias falsas e cuidará para reparar a mentira dita). Jesus disse com todas as letras quem era o pai da mentira, da enganação e da mistificação. A esses valores Jesus ajuntou mais alguns que estão em (Mt. 5, 3-10). Bem aventurados os que têm o coração de pobre (que não se preocupam em ajuntar bens que não usem para fazer o bem), os que sofrem (ou são vítimas de injustiça), os mansos (porque não proclamam a violência, não a praticam, não defendem a tortura ou qualquer forma de perseguição contra o outro), bem aventurados os puros (que buscam com firme propósito o Reino de Deus, que não se afastam dos seus ensinamentos), os pacíficos (porque não estimulam a violência, a atrocidade, a barbárie) e os misericordiosos (porque perdoam os limites dos outros homens que são como ele próprio imperfeitos). Em resumo, avaliou a Igreja, viver na fé em Deus, na esperança de sua promessa de salvação e na pratica da misericórdia ou amor ao próximo.
Com esse conjunto de valores cristãos, Jesus não queria falar de diferentes tipos de pessoa, mas propor atitudes para orientar o homem que espera e confia em Deus. E sabedor de que não consegue viver tudo isso viver na santidade requerida é também humilde e reconhece sua insuficiência diante de Deus. Esses valores foram agregados à ideia de pessoa humana para qualificar o ser que é singular, capaz de escolher livremente e se responsabiliza pelo que faz. Pessoa humana que se tornou o valor mais importante do ocidente e foi trazido para o ordenamento jurídico das principais nações do ocidente. Esses são os valores cristãos.


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