sexta-feira, 24 de junho de 2016

AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS AMERICANAS VISTAS POR TOCQUEVILLE. Selvino Antonio Malfatti.


NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA o governo está alicerçado sobre a maioria, e esta é a democracia. É a democracia de um governo senão de todos, ao menos da maioria. Se essa maioria não se consegue diretamente, ao menos seus representantes serão a expressão da maioria. As minorias devem se submeter.  Sua engenharia política é denominada de sistema representativo.
ESTE SISTEMA é invenção anglo-saxônica. Nasceu ao longo da história inglesa e se disseminou pelo mundo. Aliás, uma das características dos anglo-saxões é de  ”construírem sua própria cidade”, como disse um historiador da antiguidade.  Construíram seu sistema de medidas como Mil, Polegadas, Pés, Jarda, Rod, Milha, Légua etc. que, embora outros países tenham outras, eles continuam com a sua. Um exemplo atual é a moeda. Praticamente quase toda Europa adota o Euro, a Inglaterra permanece com a Libra. E a partir de agora, abandona também a Comunidade Europeia.
O SISTEMA REPRESENTATIVO inglês tem como suporte último a soberania do povo. É um sistema hierárquico de elos interligados desde o mais alto até o ínfimo. Em última instância está o povo.

            TOCQUEVILLE CONSTATOU que isso acontecia na América. A começar pelo legislativo, eleito diretamente e por curto espaço de tempo. As duas casas, dos deputados e senadores, são eleitas pelo mesmo eleitorado e seus movimentos são simétricos. Analisam as mesmas matérias, procedem da mesma forma e, algumas vezes, agem juntas. Acresce-se a isso, o costume de os eleitores traçarem um plano de conduta para o deputado. É praticamente a fórmula da democracia direta.
            O PODER JUDICIÁRIO, ao menos nas instâncias inferiores e em quase todos os estados, é eleito diretamente e pela maioria. Seus salários dependiam da maioria do legislativo.
            CONTUDO, a mais significativa das instituições norte-americana era o sistema eleitoral, o distrital. Primeiramente, produziu duas grandes correntes de pensamento, expressas em partidos: o republicano e o democrata. Estes dois partidos se alternam no poder, ora um, ora outro, contabilizando uma média de 94% dos votos. Há outros, mas estes dois constituem as maiorias que dão estabilidade ao governo.  Este sistema, ao mesmo tempo que tornava o país governável, pelas maiorias que produzia, poderia ser uma ameaça às minorias nos seus direitos individuais. Tocqueville encontra uma explicação sociológica para o fato de esta maioria não se tornar tirana. É a igualdade natural dos povoadores da América e a ausência de divergência de interesses. Em outras palavras, a sociedade era compactamente homogênea quanto à ideologia, isto é, liberal. Isso significa que, por ser homogeneamente liberal, poderia incorporar e praticar os princípios democráticos.  No entanto, Tocqueville antecipa e alerta para o perigo de que pode se revestir um princípio absoluto da maioria, quando foge ao âmbito da política. Ele mesmo cita o exemplo do sistema carcerário. Os detentos atuais vivem uma situação deprimente. Alguém levanta a bandeira dos direitos humanos e a maioria acata. Passa-se então a construir prisões mais humanas, sempre com o apoio da maioria. No entanto, os miseráveis das prisões antigas são esquecidos e não há mais ninguém que zele por eles. Isso tudo com o apoio da maioria. Outra questão cruciante apontada por Tocqueville, no ange os direitos individuais, foi a escravidão. Sobre isso havia algo que se impunha inexoravelmente: sua extinção. No entanto, os Estados Unidos ficariam entre duas alternativas que o levariam a um beco sem saída: se fosse concedida a liberdade aos negros, eles cometeriam abusos; se não fosse concedida, eles a tomariam à força. Quanto à primeira, houve abusos, mas superados, embora alguns com violência. Quanto à segunda alternativa, com certeza nem Tocqueville imaginaria: um negro eleito presidente: Barack Hussein Obama Segundo, do Partido Democrata, elege-se presidente, enfrentando seu adversário do Partido Republicano, John Mccain, nas eleições presidenciais de novembro de 2008, nos Estados Unidos da América.
CENTO E CINQÜENTA anos depois, Tocqueville, através de Paul Gray, “revisita” os Estados Unidos para fazer um balanço sobre suas previsões, mormente no que concerne a questão das minorias. O problema levantado por ele no século XIX, da fraqueza e indefesas minorias, agora elas se constituem na sua força. Primeiramente, as minorias se tornaram tantas que há uma maioria de minorias. Em segundo, quando uma minoria pretende reivindicar algum direito é exatamente o método da fraqueza que é invocado. Além disso, as minorias, além de sua proliferação ruidosa, lançam mão do argumento da fraqueza e, com isso, conseguem acesso a poderosos meios de influência da opinião pública, a mídia, e através dela, defendem, de forma barulhenta, seus direitos.   
                        TOCQUEVILLE FAZ uma reflexão sobre a questão da maioria e coloca que, acima dela, deve estar a justiça. Essa é a maioria do gênero humano e não apenas de uma determinada comunidade. Era necessário um legislativo que representasse a maioria, mas sem ser escravo de suas paixões. Um executivo com força própria e um judiciário independente dos outros dois poderes. Tocqueville queria aproximar os princípios liberais e democráticos. Entendia que todos são chamados a participar do governo, no entanto, através de um processo racional e justo, com uma representação detentora real de poder e o controle através de sua divisão.
                        DESSA FORMA, percebe-se que os norte-americanos conseguiram aproveitar o que havia de bom nas instituições políticas inglesas e afastar o que elas tinham de nocivo. Afastaram, por exemplo, a aristocracia, a desigualdade estruturada, a discriminação racial, a intolerância religiosa e outras. Aproveitaram-se do sistema de vigilância dos poderes - pesos e contrapesos - a eletividade dos cargos públicos, a preocupação com os direitos individuais e, acima de tudo, do processo eleitoral distrital que propicia o afunilamento de interesses.



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