A habitação é onde moramos, pode ser uma casa, uma
cidade, um espaço ou mesmo nossas memórias. Uma cidade como Guarani, com seu
vale onde corre o Rio Pomba e suas montanhas cobertas de verde, uma região como
a da mata nas Minas Gerais, os costumes que nossos avós plantaram em nossos
corações e formam nossa segunda pele. Habitamos tudo isso.
Pensadores contemporâneos identificaram dificuldades
nesse nosso habitar o mundo. Edmund Husserl, criador da fenomenologia, entendeu
que boa parte de nossas dificuldades atuais têm raízes na forma de pensar da
ciência moderna que, por sua relevância cultural, alimentou uma visão
materialista de natureza e favoreceu um critério naturalista de verdade. Isso
devido ao impacto trazido pela noção de verdade das ciências da natureza e ao
sucesso que elas têm no controle e manuseio do mundo. Por isso, Husserl
concluiu que muitas de nossas dificuldades tiveram origem na matematização das
mentalidades, ocorrida em meio a tentativa do homem moderno de descrever a
natureza e a verdade matematizando a realidade.
A ciência moderna não é ruim e nem causa crises, ela é
nossa força e a melhor arma na construção de nossa habitação. Porém, a
dificuldade identificada por Husserl está nos comportamentos à volta dela como:
a generalização do critério de verdade quantificável e a sensação de que
podemos fazer tudo aquilo que a técnica permite. Essas atitudes são guias
morais e foram desenvolvidas a partir de uma metafísica positivista. Essas
atitudes sim, criaram dificuldades.
Todo esse imbróglio está em reconhecer o valor e a
importância da preservação ambiental que o nosso jus filósofo Miguel Reale
denominou invariante axiológica. O embaraço não é pequeno porque sabemos que a
vida e as atividades humanas demandam o uso dos bens naturais.
O homem só cria cultura quando altera e se aproveita da
Natureza. Estamos descobrindo, em meio a dificuldades, que as alterações no
mundo natural não podem destruir o equilíbrio natural, isto é, têm limites
nele. Temos que nos distanciar da visão positivista que via a natureza como um
animal a ser submetido e explorado ao limite.
Precisamos deixar para trás a visão romântica da
Natureza, imaginando que ela funciona para ser boa. A natureza não atende a
requisitos morais, nem favorece deliberadamente os projetos humanos. No
entanto, certas condições naturais ajudam a manter a vida no planeta e é esse
equilíbrio o valor a ser cuidado, modificá-lo dificulta e depois inviabiliza a
vida.
Até algumas décadas essa não era uma questão relevante,
nesses últimos tempos tornou-se. Para que rios como o Pomba continuem correndo,
para que matas cresçam verdes, para que a chuva alimente a terra e faça brotar
a semente em nossas fazendas, não podemos continuar indefinidamente ampliando
fronteiras agrícolas, derrubando florestas, destruindo ecossistemas e matando
animais. Se a ciência ampliou o espaço de atuação do homem e a técnica aumentou
nossa capacidade de mudar e aproveitar o mundo, ela agora mostra os limites de
nossa habitação. Não se pode ir passar a boiada por cima de tudo simplesmente,
por que a desregulamentação e a destruição ambiental nos levarão rapidamente a
uma situação insustentável. Os resultados da ação desmedida do homem já
aparecem nos eventos climáticos extremos, o preço que pagaremos, muito
rapidamente, depende de nosso juízo para lidar com esses assuntos.