sexta-feira, 12 de abril de 2013

Onde o século XX não terminou. José Maurício de Carvalho.






A história do homem registra o modo de vida das sociedades passadas. O tempo muda a paisagem da terra, mas a história é também a transformação das crenças que povoam as cabeças das pessoas. As gerações se separam umas das outras pelos conteúdos que acreditam ser verdade, mais que pelas mudanças que fazem na paisagem. A História como disciplina registra, portanto, a transformação da paisagem e das crenças. Como disciplina a História olha fatos e crenças de projeção, isto é, aqueles que possuem impacto universal ou quase.
Neste sentido, há historiadores que defendem que o século XX terminou no final da década de oitenta quando caiu o muro de Berlim e a Rússia não se moveu para conter os movimentos de independência nos países sob o jugo da ex-União Soviética.  Ali terminava, parece, um século que construiu os mais brutais regimes políticos da História Humana e acreditava na fragilidade dos ideais de liberdade. Estava-se no fim do século que assistiu a derrocada dos regimes nazi-fascistas e do comunista.
O final surpreendente deste último é que ele não veio depois de guerra brutal como a que colocou fim ao nazi-fascismo, mas pelo fortalecimento do liberalismo como sistema econômico e político e pela crença generalizada que os regimes fechados eram erros históricos. Para tanto contribuiu a viagem que o Papa João Paulo II fez a seu país de origem. Na ocasião reuniu mais de dez milhões de pessoas, um terço da população do país, apesar das dificuldades impostas pelo governo comunista. O Papa João Paulo II foi um inimigo declarado dos totalitarismos.
Pois bem, já com o século XXI avançado, tenha ele se iniciado em 2001 ou, verdadeiramente um pouco antes, a Coréia do Norte que mantém um regime fechado e ameaça de guerra os países da região, em especial a Coréia do Sul e o Japão, para não mencionar bases e territórios americanos na região, é um dos lugares onde o século XX parece ainda não haver acabado. A Coréia do Norte com suas provocações mostra que a mudança histórica das crenças não é feita de modo uniforme em todo o planeta. Mesmo quando a mudança atinge a maioria, ainda restam minorias que retém velhas crenças.
Para entender o estágio atual da Coréia do Norte não é preciso recuar muito no tempo até aos séculos VII e VIII quando a Península se tornou independente da China. No século XIX, China e Japão disputavam o controle da região, que acabou favorável ao Japão. Ao final da Segunda Grande Guerra os aliados ocuparam a Península da Coréia ficando o norte sob influência soviética e chinesa e o sul sob a proteção dos Estados Unidos. Entre 1950 e 1953, as duas Coréias, reproduzindo o clima da Guerra Fria, protagonizaram guerra brutal. A partir dos anos 90, com o fim da guerra fria, iniciou-se a aproximação e cooperação entre as Coréias. É este movimento que está interrompido, ao menos momentaneamente, com as ameaças de guerra da Coréia do Norte e o fortalecimento das antigas crenças.
Difícil entender os interesses dos atuais dirigentes do país, mas certamente se trata de manobra para desviar a atenção dos vinte e quatro milhões de Coreanos do Norte da situação de pobreza em que vivem, dando-lhes um inimigo objetivo: os americanos e seus aliados. Difícil saber até onde irão os dirigentes norte-coreanos, uma vez que a estratégia tem sido usada em outras oportunidades e serve para manter o controle da população e a atenção dela voltada para fora.
Esperemos que o século XX termine também na região, com ou sem a unificação das Coréias, mas com o estabelecimento de uma sociedade aberta, livre, governada segundo o Estado de Direito e respeitosa dos direitos humanos e da liberdade de expressão. Se possível que este tempo venha sem outra Guerra Brutal.

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