A história do
homem registra o modo de vida das sociedades passadas. O tempo muda a paisagem
da terra, mas a história é também a transformação das crenças que povoam as
cabeças das pessoas. As gerações se separam umas das outras pelos conteúdos que
acreditam ser verdade, mais que pelas mudanças que fazem na paisagem. A
História como disciplina registra, portanto, a transformação da paisagem e das
crenças. Como disciplina a História olha fatos e crenças de projeção, isto é, aqueles
que possuem impacto universal ou quase.
Neste sentido,
há historiadores que defendem que o século XX terminou no final da década de
oitenta quando caiu o muro de Berlim e a Rússia não se moveu para conter os
movimentos de independência nos países sob o jugo da ex-União Soviética. Ali terminava, parece, um século que
construiu os mais brutais regimes políticos da História Humana e acreditava na
fragilidade dos ideais de liberdade. Estava-se no fim do século que assistiu a
derrocada dos regimes nazi-fascistas e do comunista.
O final
surpreendente deste último é que ele não veio depois de guerra brutal como a
que colocou fim ao nazi-fascismo, mas pelo fortalecimento do liberalismo como
sistema econômico e político e pela crença generalizada que os regimes fechados
eram erros históricos. Para tanto contribuiu a viagem que o Papa João Paulo II
fez a seu país de origem. Na ocasião reuniu mais de dez milhões de pessoas, um
terço da população do país, apesar das dificuldades impostas pelo governo
comunista. O Papa João Paulo II foi um inimigo declarado dos totalitarismos.
Pois bem, já
com o século XXI avançado, tenha ele se iniciado em 2001 ou, verdadeiramente um
pouco antes, a Coréia do Norte que mantém um regime fechado e ameaça de guerra
os países da região, em especial a Coréia do Sul e o Japão, para não mencionar
bases e territórios americanos na região, é um dos lugares onde o século XX
parece ainda não haver acabado. A Coréia do Norte com suas provocações mostra
que a mudança histórica das crenças não é feita de modo uniforme em todo o
planeta. Mesmo quando a mudança atinge a maioria, ainda restam minorias que
retém velhas crenças.
Para entender
o estágio atual da Coréia do Norte não é preciso recuar muito no tempo até aos
séculos VII e VIII quando a Península se tornou independente da China. No
século XIX, China e Japão disputavam o controle da região, que acabou favorável
ao Japão. Ao final da Segunda Grande Guerra os aliados ocuparam a Península da
Coréia ficando o norte sob influência soviética e chinesa e o sul sob a
proteção dos Estados Unidos. Entre 1950 e 1953, as duas Coréias, reproduzindo o
clima da Guerra Fria, protagonizaram guerra brutal. A partir dos anos 90, com o
fim da guerra fria, iniciou-se a aproximação e cooperação entre as Coréias. É este
movimento que está interrompido, ao menos momentaneamente, com as ameaças de
guerra da Coréia do Norte e o fortalecimento das antigas crenças.
Difícil
entender os interesses dos atuais dirigentes do país, mas certamente se trata
de manobra para desviar a atenção dos vinte e quatro milhões de Coreanos do
Norte da situação de pobreza em que vivem, dando-lhes um inimigo objetivo: os
americanos e seus aliados. Difícil saber até onde irão os dirigentes
norte-coreanos, uma vez que a estratégia tem sido usada em outras oportunidades
e serve para manter o controle da população e a atenção dela voltada para fora.
Esperemos que
o século XX termine também na região, com ou sem a unificação das Coréias, mas
com o estabelecimento de uma sociedade aberta, livre, governada segundo o
Estado de Direito e respeitosa dos direitos humanos e da liberdade de
expressão. Se possível que este tempo venha sem outra Guerra Brutal.