Um
dos autores mais perturbadores de nosso tempo é o sociólogo e filósofo polonês
de origem judaica chamado Zygmunt Bauman. Ele descreveu o nosso tempo a partir
de um conceito que elaborou e que o sintetiza em duas palavras: modernidade líquida. Com ele quis expressar que vivemos dias de uma crise cujas
características mais marcantes são: a instabilidade
e adaptabilidade das instituições e relações pessoais circunscritas às
situações imediatas. Depois de difundir em Babel uma tese controversa que é a necessidade de se chegar a
compromissos morais, mesmo quando não se tem um sistema ético disponível,
Bauman voltou ao assunto em 2008, quando publicou A ética é possível num mundo de consumidores? (Edição brasileira é
da Zahar, de 2011).
O
pano de fundo dessa obra é a mesma indagação de uma outra intitulada Vida em Fragmentos, sobre a ética
pós-moderna, livro de 1995, igualmente traduzido pela Zahar, em 2011. Ali o
intelectual se indaga: é possível uma ética no mundo que vivemos? O pensador
diz que vivemos num tempo onde as mudanças rápidas, intensas e profundas não
param de surpreender. Esse mundo não oferece garantias de que as coisas
terminarão à tarde como começaram o dia. E aí também temos algo já dito em
livros anteriores (BAUMAN, 2011 b, p. 8): “planejar um curso de ação e se
manter fiel ao plano, esta é uma empreitada cheia de riscos, porque a ideia de
planejamento a longo prazo parece muito perigosa.” Enfim, é preciso estar
preparado para viver em meio a grande instabilidade, inclusive nas relações
humanas.
Os
momentos de crise econômica e humana mencionados nos livro acima citados
mostraram mudanças na forma de viver da sociedade ocidental de nossos dias. O
que descreveu Bauman mostrou que as mudanças na organização da sociedade e suas
instituições mudou a forma de viver, inclusive a forma de amar. Por sua vez, o
comportamento dos indivíduos também contribuiu para dar nova configuração à
cultura. O pensador observou um vínculo entre a vida social nos tempos
líquidos, modo como descreve a sociedade contemporânea, e relações afetivas
pouco duráveis que hoje observamos. Para ele, homens e mulheres perderam a
habilidade de lidar com sentimentos, embora anseiem por um amor seguro e
companheirismo não são capazes de sustentar relações intensas e duradouras que
são aquelas capazes de oferecer permanência e amizade profunda. Ao contrário, vivem
uma espécie de solteirice que consiste em não aprofundar nada e pensar a
própria vida de forma isolada e egoísta, fazendo aquilo que lhe dá prazer sem
pensar no outro e sem se preocupar com os acordos entre eles.
Portanto,
concluiu Bauman, as pessoas de nosso tempo vivem uma contradição, elas dizem
aspirar uma relação firme, permanente e densa, mas querem uma vida leve e sem
compromissos, sem abrir mão dos próprios desejos em nome desses compromissos,
pelo menos os de longo prazo. Não parece haver uma conciliação razoável entre
essas expectativas tão opostas. Assim, diante das crescentes dificuldades de
relacionamento, as pessoas procuram especialistas em comportamento esperando
(BAUMAN, 2005, p. 9): “ouvir delas algo como a solução da quadradura do círculo:
comer o bolo e ao mesmo tempo conservá-lo, desfrutar das doces delícias de um
relacionamento, evitando simultaneamente seus momentos mais amargos e penosos.”
Como se vê trata-se de um paradoxo sem solução possível, mas algumas
alternativas de relacionamento frouxo vão ganhando forma nesses tempos
líquidos.
O
que assistimos crescer em nossos dias é o oposto do amor cristão. É o amor
cristão a referência para o diálogo com o que encontramos em nosso tempo, para
conversar com as contradições contemporâneas. Não para fazer renascer uma
moralidade machista e hipócrita que foi superada pela saída da mulher para o
mercado de trabalho e pela liberdade sexual permitida pelo controle médico da
gravidez. Portanto, não se trata de desconhecer o mundo que está aí e suas
exigências, nem transformar o cristianismo numa espécie de teoria da
prosperidade econômica, o que ele não é, mas para encontrar nos ensinamentos de
Jesus as bases de um amor que resiste ao imediatismo, inconsequência e desejo
desenfreado por prazer. Um amor que não deseja mais que fazer o bem, como
ensinou Agostinho de Hipona. E o que do Profeta de Nazaré ouvimos? A
necessidade de amar os outros como a si e a Deus. Uma forma de amor que nunca
deixou de considerar as fraquezas e limites humanos, mas sempre acreditou na
possibilidade de uma entrega e responsabilidade que viesse do melhor que o
homem pode fazer. Um amor balizado nos mandamentos de Moisés, que se concretiza
em cada ato para o outro. Um amor que se fosse vivido assim traria uma
antecipação do céu na terra e espalharia aqui o Reino que o Pai projetou para
seus filhos. Isso porque Deus é amor e todo amor no fundo significa um encontro
com Ele. E aqui ainda vive o homem no amor familiar, no amor que pensa no outro,
que se entrega ao companheiro ou companheira, que se realiza no abraço do filho,
que se alegra no sorriso dos netos e descobre na confiança e nessa entrega o
melhor da vida. O melhor de uma relação que começa no tempo, tem limites em
nossas necessidades terrenas, mas se projeta na eternidade. Sim, quem ama
cresce como pessoa, nesse mundo e depois de nossa estada aqui.