A vida do homem é jornada de desafios, de escolhas e consequências, de realizações e encontros, de encantos e frustrações. Ele um dia se descobre aí no mundo em meio a relações fenomênicas, mas só vive uma vida plena quando se abre para o que está além desse fenomênico. Por isso a vida é encantadora e misteriosa. Poucas coisas, nesse sujeito complexo e contraditório, foram retratadas tantas vezes, e de modos tão distintos, como o amor. É famosa a distinção grega entre philia, o amor que contempla a afinidade entre amigos e o eros, expressão de um relacionamento que inclui o impulso sexual.
Os gregos, especialmente Platão, mencionaram uma variação da philia no amor pela sabedoria, assim faz o filósofo, pratica uma amizade, não com pessoas próximas na realização de tarefas comuns, mas com a sabedoria. Os antigos gregos também usavam a palavra ágape para representar uma forma de amor desinteressado, mais amplo que a philia e praticado pelos membros da família.
Essa última forma de amor foi revisada pela tradição cristã para representar o amor maior, capaz dos maiores sacrifícios pelos amigos, como fez Jesus de Nazaré. Esse amor pleno guarda proximidade com a morte, pois inclui o esquecer de si mesmo quando se entrega ao outro. Essa forma de amor leva a tudo arriscar pelo que se acredita e se vive. No sentido cristão, ágape é o amor perfeito, pois implica na entrega da vida pelos amigos. E não há maior amor do que esse. Uma forma de entrega que supera a angústia existencial e a preocupação com a própria vida. E essa entrega é vivida sem desespero, mesmo o sacrifício decorra da injustiça ou os amigos sejam infiéis. A palavra ágape foi ampliada, no universo cristão, para traduzir formas menores de entrega. Isto é, atos de amor ao outro mesmo quando não tão excelentes como o fez o mestre dos evangelhos. Esse amor ideal está descrito no 13 capítulo da 1ª Carta de Paulo aos Coríntios.
É difícil viver o amor em todas as suas formas, integrando-o à nossa condição singular de existente finito e singular. Porém não há como viver sem amor, mesmo praticando-o imperfeitamente, pois a vida sem ele é vazia como um sino, cujo barulho só é possível porque o badalo se move num vazio interior. Foi o que disse Paulo de Tarso na carta antes mencionada, mesmo sem acrescentar que poucos são os que viajam pelos mistérios do amor. Como a cada homem é um universo, cabe a cada qual descobrir razões próprias para viver, razões que incluem o amor e suas manifestações, mas que somente se efetivam em algum de seus modos. O amor pela sabedoria, é interessante, praticado na relação humana com o conhecimento, mas é frio e limitado nas relações com os outros homens. O eros, se vivido sem entrega e compromisso, torna-se o caminho para as relações efêmeras do histrionismo e na cultura da infidelidade tão comum em nossos dias. O resultado da efemeridade é o vazio existencial. O amor ágape, é a forma mais completa de amor, mas é, na sua forma plena, impraticável pelo homem concreto, mergulhado que vive em contradições e limites como também disse Paulo de Tarso, no versículo 18 do Cap. 7 da Carta aos Romanos: “quero o bem que está ao meu alcance, mas realizá-lo não”.
Descobrir o amor significa encontrar no mundo uma realidade fenomênica que aponta para além, pois o amor aspira ao eterno, que os filósofos chamam de ser e os religiosos de Deus. Raros são os homens que conseguirão vislumbrar o amor dessa forma. Em outras palavras o amor será vivido como for possível a cada homem. Como o será imperfeitamente, pelo menos que seja guiado pela esperança de efetivar o irrealizável no mundo, pela busca do amor do que não se limita ao imediato.