Por Selvino Antonio Malfatti
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I- A EXPERIÊNCIA GRECO-ROMANA CLÁSICA.
1. Moral e Ética
1.1. Os Sofistas
1.2. Os Estóicos
1.3. Os Epicuristas
1.4. Céticos
A - Emergência Histórica dos Direitos do Homem
I. Judaísmo
II. Paganismo
1. Os gregos
1.1 Sócrates
1.2. Platão
1.3. Aristóteles
1.4 Cícero
2. Os Romanos
III. O Cristiansimo
1. Enfoque Oficial
1.1. Santo Agostinho
1.2. Santo Tomás de Aquino
2. Os Dissidentes
2.1. Dante de Alighieri
2.2. Marcílio de Pádua
2.3. Guilherme de Ockham
IV. O Renascimento
1. Nicolau Maquiavel
2. Thomas Morus
3. Tomaso Capanella
B - Sistematização dos Direitos do Homem
1. Os Jusnaturalistas
1.1. Jean Bodin
1.2. Hugo Grócio
1.3. Thomas Hobbes
1.4. Samuel Pufendorf e Jean-Jacques Burlamaqui
1.5. João Cristinao Wolff e Emer de Vattel
1.6. John Locke
2. Os Convencionalistas
2.1. Charles Louis de Secondat Montesquieu
2.2. François Vicent Toussaint
2.3. Claude-Adrien Helvetius
2.4. François Marie Arouet ou Voltaire
2.5. Denis Diderot
2.6. Barão d’Holbach
2.7. Jean-Jacques Rousseau
INTRODUÇÃO
O propósito de nosso estudo é pesquisar a emergência de normas morais
na cultura ocidental. Estas normas surgem em sociedades concretas como
respostas a problemas de convivência entre os seres humanos. Em cada sociedade
histórica ocorreram problemas e respostas de relacionamento entre os seres
humanos. Se, por exemplo, a mentira se disseminasse a tal ponto que fosse
impossível a confiança mútua, afetando a convivência, eram estabelecidas regras
para evitá-la, isto é, a mentira era proibida.
Dentre os diversos componentes da vida em sociedade, aquele que
relaciona os indivíduos numa ordem de mando e obediência, certamente é um dos
mais preponderantes pois são necessárias regras claras delimitando a esfera de
quem e o que manda ou obedece. Por isso o espaço da política é o mais
privilegiado para normas morais e em decorrência para a ética. Por isso,
procuraremos encontrar no “modus vivendi” político aquelas normas que
paulatinamente foram incorporadas na cultura ocidental como regras gerais e
válidas para todos.
Optamos pela cultura política ocidental porque foi dela que
determinadas normas morais concretas e históricas deram origem a valores permanentes
e universais, isto é, à Ética. No entanto, podem ser encontrados vestígios destas
normas em outras culturas, como na Ásia e na América. São exemplos da primeira
o Código de Hamurabi, da Bibilônia, e o Código de Manu, da Índia. Trata-se de
um conjunto de preceitos religiosos, morais e mesmo jurídicos os quais buscam a
defesa da pessoa do homem principalmente no que diz respeito a sua pessoa, vida
e propriedade. Nessas culturas já emerge a famosa dita “regra de ouro” que
estabelece a reciprocidade de direitos: não faças ao outro o que não queres que
te façam. Esta regra pode ser encontrada em Confúcio, na China, e no poema
hindu Mahabarata. Já na América os Incas também tinham seus preceitos
religiosos-sociais ao estabelecer que não se deve roubar, a ética da propriedade,
não se deve mentir, a ética da verdade, e a proibição da preguiça, a ética do
dever de subsistência através do trabalho.
Com efeito, no decorrer da História ocidental, emergiu um conjunto de
normas relativas ao homem como ser social, que, conforme a época, recebeu as
mais diversas denominações, tais como: direitos naturais, direitos
fundamentais, direitos do homem, direitos humanos ou Declaração Universal dos
Direitos do Homem e outras. Estes “direitos” são normas máximas de convivência,
ou Ética.
A problemática das regras do
agir humano sempre esteve presente na história ocidental. Há, porém, momentos
marcantes como a meditação grega, o decálogo judaico, o pragmatismo romano, o
transcendente medieval e a culminância política dos modernos. No entanto é na
atualidade que a Ética está se impondo, pois nunca como hoje os seres humanos
necessitam de normas éticas e morais para sua, não só convivência, como
sobrevivência. Certamente isto se deve ao fato de que em nenhum tempo e com
tamanha dimensão as normas máximas da convivência do ser humano foram tão desrespeitadas
como contemporaneamente. Com efeito, o século XX passou por duas guerras
mundiais, experimentou três formas de totalitarismos, sem falarmos de centenas
de ditaduras ou governos autoritários para os quais a ética pouco ou nada
valiam. Milhões de pessoas foram torturados moral e fisicamente, mortas como
vermes, os cadáveres expostos ou enterrados em valas comuns. Outros milhões
foram privados da liberdade, jogadas em masmorras ou em campos de concentração.
A própria consciência foi invadida e aniquilada no totalitarismo russo. A
discriminação racial e de sexo, as perseguições e mesmo extermínios étnicos, os
radicalismos ideológicos ainda ocupam a maior parte de nossos noticiários. E na
atualidade os experimentos científicos envolvendo seres humanos conseguem
manipular o corpo como se fosse um objeto disponível e depois descartado.
Uma primeira hipótese sobre o surgimento de uma Ética de normas
universais seriam as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII. No entanto,
os pensadores do período fundamentavam estas normas em escritores anteriores,
fazendo referências aos clássicos gregos e romanos, como foi o caso de
Jefferson que citou Aristóteles e Cícero entre outros. Inclusive, alguns
citavam a própria Bíblia como Locke. Isto nos leva a explorar uma segunda
hipótese, qual seja, de que estas normas fazem parte do patrimônio da cultura
ocidental que incorporou os preceitos éticos e morais judaicos.
CAPÍTULO I- A EXPERIÊNCIA GRECO-ROMANA CLÁSICA.
1. Moral e Ética
1.1 Os Sofistas
As magnas questões ético-morais irromperam na Grécia antiga no século V
a. C. precisamente na transição de uma ordem política aristocrática para uma
democrática. Neste regime destacam-se os mais convincentes, aqueles que detêm a
capacidade de persuasão. Neste ambiente a retórica e a eloqüência tornaram-se a
matéria prima por excelência. E como de pouco adiantavam os conhecimentos
cosmológicos o eixo de debate deslocou-se para temas antropológicos que
abrangia questões práticas. É nesse meio que mestres, mercenários ou desprendidos,
encontram a terra fértil para praticar sua filosofia. Bifurcam-se em duas
grandes vertentes as concepções ético-jurídico-morais. De um lado há os
defensores de um relativismo moral e de outro os defensores de uma ordem permanente
e necessária. Para os primeiros as leis morais não passam de convenções e para
os segundos as leis morais são naturais, isto é, são ínsitas à natureza do ser
humano.
Os protótipos do convencionalismo relativista foram os sofistas.
Naturais da Grécia e da Grande Grécia, perambularam pelas cidades gregas
atuando como professores populares. Embora defendessem as mais diversas
doutrinas, possuíam entre si traços característicos, dentre os quais podemos
destacar a contestação da opinião dominante, o descompromisso com a coerência,
o ataque às autoridades e o solapamento da moral e da fé.A busca da verdade
ficava em segundo plano, o que importava era o interesse de seus constituintes.
Destacaram-se neste magistério popular Protágoras, Hípias, Galice,
Trasímaco, Pródigo e outros. Erigindo o “homem como medida de todas as coisas”,
Protágoras instituiu o individualismo, subjetivismo e relativismo, pois liquida
com a possibilidade de princípios gerais. Negando estes, não é possível a
ciência, e até mesmo, a possibilidade de se estabelecer parâmetros ou
princípios para a justiça. O direito não passa da lei do mais forte. Conforme
Trasímaco, a Justiça é um bem do outro.
No que tange à idéia moral, os sofistas sustentaram duas teses
fundamentais:
1º As leis morais são criações artificiais.
2º O Estado é convencional, e por isso, suas normas é o resultado do
grupo no poder.
Os sofistas identificavam: a legalidade e a justiça com a força,
conforme Trasímaco. A legalidade com a fraqueza, conforme Cálicles e lei e
tirania, conforme Hípias.[1]
Em questões morais, os sofistas eram céticos. Esta postura favorecia
seus fins lucrativos. Com isto, podiam provar tudo o que seus clientes lhes
solicitassem
Os sofistas mais negavam e destruíam do que afirmavam ou construíam.
Utilizavam-se da racionalidade para negá-la. Reduziram todas as regras a
convenções. Tudo era permitido, desde que útil. Cada um é livre para seguir os
instintos de sua natureza.[2] Acreditavam que as leis positivas seriam construções
artificiais a serviço dos interesses de quem detém o poder e servem aos
interesses das classes poderosas. As conseqüências de suas posturas foram
indiretas, pois motivaram toda uma reação contra estes iconoclastas. Despertou
o verdadeiro método crítico, procurando joeirar o bem do mal.
Contribuição política: nem todas as normas morais são gerais e
universais. Uma boa parte, e provavelmente a maioria, originam-se da
problemática local, histórica e grupal.
1.2. Os Estóicos.
O estoicismo originou-se também da Grande Grécia. O fundador, Zenão de
Citium, fundou a antiga escola aproximadamente no século IV a. C. Os mais renomados
estóicos foram Zenão, Cleante e Crisipo. Entre os romanos destacaram-se Sêneca,
Marco Aurélio, Possidônio e outros.
Conforme o estoicismo a sabedoria reside na liberdade. Para se chegar a
ela, o homem necessitava livrar-se das paixões e das influências exteriores.
Este ideal era uma exigência da reta razão. O homem é partícipe da lei natural
e da lei interior (consciência). Estas o levam para o ideal da liberdade. Por
isso, para se chegar a ele, deveria viver conforme o lema: “segue a natureza”.
Os estóicos consideravam-se cidadãos do mundo e pretendiam erigir um
Estado Universal. A sociedade, abrange todo o gênero humano. O próprio universo
mitológico é incluído nessa visão cosmopolita. Marco Aurélio dizia que todos os
homens são cidadãos da República de Zeus.[3]
Embora o universo esteja continuamente em movimento, as sociedades em
permanentes mudanças e os homens constantemente se deslocando de um lugar para outro,
sempre permanece a natureza comum dos homens. Dizia Sêneca: “Mas nos seguem em
toda parte as duas coisas mais belas: a natureza comum a todos e a virtude
individual.”[4]
É significativo, não só para a filosofia política, como para todo um
ideal grego, acalentado por Platão e Aristóteles, a concretização da idéia de
um rei-filósofo, na pessoa de Marco Aurélio.
Em seu livro “Meditações”, propõe uma filosofia político-social calcada
sobre a virtude e a filosofia estóica. No livro I, após enumerar as virtudes
que aprendeu de seus parentes mais próximos, descreve como leva sua vida de
Imperador e partidário do estoicismo. Diz ele, que vive na corte sem guarda
pessoal, dispensando roupagens aparatosas, ou ornamentação exagerada.
Praticamente levava uma vida igual aos demais. Mas nem por isso deixava de
cumprir suas obrigações de chefe de estado. A vida que levava, segundo ele, era
de conformidade com a natureza. Apesar de não possuir boa saúde física,
conseguia suportar as exigências de suas funções. Havia afastado as paixões
amorosas. O relacionamento com o pessoal da corte era correto, pois de nada
podia ter remorsos. Nunca pedia emprestado. Com sua esposa, Faustina, levava
uma vida normal, pois, conforme ele, ela lhe obedecia, era afetuosa e simples. É
grato aos deuses porque, quando conheceu a filosofia, não foi através dos
sofistas.[5]
Após enumerar as virtudes, os cuidados, a verdadeira sabedoria do
homem, aponta para a idéia de Humanidade, baseada na natureza.[6] Cada homem, e todos os seres, são efêmeros e partes
do todo.[7]
A idéia de um Império Universal, calcado na idéia de natureza comum, ia
ao encontro do “status quo” do
Império Romano; por isso, identificava sua filosofia política pessoal com a
oficial de Roma.
Conforme ele, o homem virtuoso está acima das leis. Aliás, não
encontramos preocupações maiores com elas nas Meditações. Uma das virtudes que
destaca é a tolerância. No entanto, parece que os cristãos fizeram-no perder a
paciência...
Vê-se, portanto, que a idéia de uma lei da natureza embasava a
filosofia política do estoicismo. Nele, natureza e virtude constituem o binômio
básico para se chegar à liberdade. Em que pese o fato de não se prestar muita
atenção às leis positivas, pouco se importando com as relações mútuas, natureza
e positividade, subsiste a idéia de que a lei da natureza é sobremaneira, mais
importante, inclusive, podendo-se dispensar as leis positivas, quando bem
observadas as leis da natureza. Diante disso, poderíamos alinhar o pensamento
político estóico, dentro da mesma linha de Aristóteles, qual seja, na vertente consensual,
já que a lei comum da Humanidade dá sustentação às demais leis.
Concluindo, os estóicos pregavam que a ética norteava a sabedoria. A
conduta ética, por sua vez, levava ao ideal de sábio. Este seria aquele que
carrega a felicidade consigo, que não se deixa perturbar pelo mundo externo,
não se movendo pelas paixões. Virtuosidade consistiria numa determinação
positiva de conduta que gera um acordo entre a racionalidade interna e a
natureza essencial do homem. Ou seja, natureza e razão poderiam ser consideradas
como uma só coisa. Cícero defendia que são as leis naturais deveriam nortear a
lei positiva, pois a lei positiva pode transformar em lícito comportamento
contrário à moral, mas não pode transformá-lo em naturalmente certo.
Contribuição política: Existem normas morais que extrapolam o “hic et
nunc” assumindo uma dimensão universal, perene e geral. Estas normas transpõem
o tempo e o espaço e tornam-se éticas.
1.3 Os Epicuristas.
Esta Escola surgiu no século IV a. C. Seu fundador, Epicuro, fundou sua
escola em Atenas em 306 a .
C. nos jardins de sua vila.
Conforme os epicuristas e seus as sensações são acompanhadas de prazer
e de dor. O homem busca o primeiro e evita a segunda. O objetivo é evitar a dor
do corpo e a angústia da mente, e consequentemente a busca do prazer do corpo e
a tranqüilidade da mente.[8]
A originalidade da Escola epicurista consiste em deslocar o eixo da
meditação sobre a lei natural, moral ou ética. Enquanto os demais Sócrates,
Platão, Aristóteles e estóicos - em Epicuro a virtude torna-se um meio para o
prazer ou a felicidade. Nos anteriores era a virtude um fim em si, com
epicuristas ela se torna meio para outros objetivos.
Para eles, a temperança constitui uma das virtudes cardeais para se
obter o prazer. Conforme a filosofia epicúrea, o que vale é o resultado final.
Cada um deve ser um calculista, e por isso um utilitarista. Na maioria das
vezes, é preciso abstinência para se atingir um prazer maior, quer seja de
ordem material ou espiritual. O utilitarista necessariamente é um prático. Deve
ponderar os “prós” e os “contras” de qualquer ação para tirar dela o máximo
proveito.
Devido a estas posições, o epicurismo foi mal compreendido, inclusive
acusado de devassidão. Alguns viram nele somente uma fome de prazer e
esqueciam-se da abstinência que indiretamente lhe estava afeta.
Como critério proposto por Epicuro, isto é, o utilitarismo a origem da
sociabilidade do homem, conforme ele, não é natural, conforme propunha
Aristóteles, mas, ao contrário, conflitiva. Os homens viviam em permanente
conflito, a esta luta causava sofrimento, desprazer. Querendo evitar a dor, o
homem afastou o conflito instituindo a sociedade e o Estado. Por isso, o Estado
e com ele a lei, não emergem da natureza, à qual é contra, mas do apetite
utilitarista que quer afastar o desprazer. O natural do homem seria o conflito,
o artificial, o convencional, a sociedade, o Estado e a lei. Por outro lado, se
o homem chegar à conclusão que o Estado é causador de sofrimentos, pode
aboli-lo. Por isso, para Epicuro, a vida em sociedade e a própria organização
política são oriundas de um contrato, de uma convenção, revogável sempre que o
prazer causado seja menor que o sofrimento. [9]
Sinteticamente poderíamos dizer que os epicuristas consideravam o útil
como natural no homem. O que dele fugisse, seria convencional, inclusive a
própria lei positiva. Para eles, Estado e suas leis são decorrentes de um
contrato, rompível sempre que não causar mais prazer. Não há uma vinculação
mais profunda entre natureza, sociedade e Estado. São superpostas
artificialmente. O limite da lei não está assentado na moral que deita suas
raízes na natureza humana e natural cósmico. A própria moral tem uma finalidade
utilitária, isto é, causar o bem físico e espiritual do homem. Por isso, a
virtude, não tem uma finalidade em si, como acontecia com Platão, Aristóteles e
mesmo os estóicos. A virtude não passa de um instrumento para o prazer ou
utilidade.
A sociabilidade do homem não é natural, ao contrário provém do
conflito. A luta causava sofrimento, desprazer e, portanto, o homem a evitou
instituindo a sociedade e o Estado. Por isso o Estado, e com ele a lei, provém
de um apetite natural utilitarista que quer afastar o desprazer. Por outro
lado, se o homem perceber que o Estado novamente pode lhe causar sofrimento,
opta pelo mais útil, suprimindo-o. Consequentemente a vida em sociedade,
juntamente com suas leis ou costumes, não passam de um contrato social,
revogável sempre que o prazer causado for menor que o sofrimento.[10] Uma ética consensual para toda uma sociedade, se
torna praticamente impossível, visto que, para tanto, é necessário superar os
utilitarismos individuais. A não ser que se chegue a um utilitarismo
consensual.
Contribuição política: A moralidade tem por fim a felicidade do homem.
A ética, embora supra temporal e histórica, tem sempre um fim prático: o bem de
todos.
1.4 Os Céticos.
Os Céticos, surgidos com Pirro de Elis no século IV a. C., pregavam a
indiferença e a descrença ascética como meio para a felicidade. Para eles, os
sentidos não traziam conhecimentos e sim ilusões, afirmando ser a lei natural
impossível, pois não se consegue perceber a essência ou natureza das coisas e
do homem. Carnéades, em quem o ceticismo atingiu seu ponto mais alto, dirigiu
sua atenção ao ataque à lei natural dos Estóicos, tentando sempre ridicularizar
a justiça. Com os céticos a ética assume uma postura negativa, pois é não se
fazendo que se faz o moralmente correto.
Contribuição política: crítica ao relativismo ético-moral e depuração
das pretensões de uma moral absoluta.
5. A Democracia Grega.
No entanto, em que pese a postura dos sofistas, subjazia na cultura
helênica clássica uma concepção de moral universal, um substrato ético que
perpassava os diversos campos do saber: filosofia,Ciências, Artes e Religião.
Cada uma a seu modo contém os elementos desses dessa moral. Contudo é na
concepção política, mormente após a instituição da democracia em Atenas a
partir do século V a. C., que aflora com clarividência este ideal. Um dos mais
belos e eloqüentes testemunhos é o Discurso Fúnebre de Péricles, narrado pelo
historiador Tucídides.[11]
Conforme este autor, os atenienses costumavam celebrar, às custas do
erário público, os ritos fúnebres das primeiras vítimas da guerra. Os ossos
ficavam expostos em lugar público durante três dias e o povo trazia oferendas
para seus parentes. No último dia eram trazidos ataúdes, um para cada tribo. Os
ossos eram postos no ataúde de sua tribo. Havia,ainda, um ataúde vazio
destinado aos soldados desaparecidos. A esta cerimônia todos podiam
comparecer:cidadãos , estrangeiros e as mulheres das famílias dos defuntos. No
mausoléu do subúrbio mais belo da cidade eram enterrados os mortos da guerra.
Após o sepultamento, um cidadão, escolhido pelos seus pares, ficava encarregado
de discorrer sobre os mortos. Numa dessas celebrações falou Péricles, filho de
Xântipos.
Diz ele que o ato supremo de um cidadão consiste achar melhor
defender-se e morrer que ceder e salvar-se. Nesse instante, o cidadão joga na
ação o que ele tem de mais precioso em si que é sua vida. Em todo o discurso,
no entanto, Péricles enfatiza que a vida, por mais belo dom que seja, sem a
honra e a liberdade de nada vale. O início de seu elogio principia mostrando
que os atenienses receberam aquele império dos antepassados como homens livres
e que por isso que agora muitos estão dando sua mais preciosa dádiva, a vida.
Péricles nunca deixa de associar vida e liberdade. Além disso, esta vida livre,
organiza-se politicamente sob um regime democrático, isto é, de igualdade entre
os cidadãos Perante a lei todos são iguais e a ascensão aos postos de mando não
se dá por pertencer a esta ou àquela classe, mas pelo mérito.Por outro lado, a
pobreza não é motivo para alguém não prestar serviços a sua Cidade. Todos os
cidadãos participam do governo da cidade como homens públicos, não importando
sua condição privada. Vivemos, conforme diz Péricles aos atenienses, em
liberdade e igualdade. Além disso, os atenienses procuram melhorar as
propriedades para que elas dêem mais conforto e alegria. A riqueza não é usada
para alguns se vangloriarem, mas como oportunidade de agir e melhorar. A
pobreza não é uma desonra, mas o não tentar evitá-la.
Os grandes princípios do agir ético, aquele comum a todos,
concretizavam-se no valor da vida, igualdade, propriedade e liberdade.
Os gregos, porém, mormente os atenienses elegeram a liberdade como bem
maior. A simples distinção entre os gregos –livres- e demais povos bárbaros
–escravos- revela o senso de liberdade presente na cultura grega. Evidentemente
este valor máximo nem sempre e nem em toda parte foi unânime. No entanto, a
idéia de liberdade como bem maior foi uma conquista paulatina. Os historiadores
dão testemunho disso e obras literárias confirmam este fato, como é o caso de
Hesíodo. O momento de consciência deste valor aconteceu nas guerras pérsicas.
Nessas a idéia de liberdade moveu a Grécia em
duas frentes. Primeiramente repelir o estrangeiro e em segundo manter a
autonomia de cada cidade-estado. Nas obras antigas de História, geralmente se
encara a guerra como uma oportunidade de glória e coragem. Em Heródoto, a
guerra é vista como um luta pela sobrevivência da liberdade. Inclusive,
institui a teoria da liberdade como explicação para a vitória dos gregos sobre
os persas. O contraste entre a idéia oriental e ocidental torna-se clara no
tratamento com a autoridade máxima, o rei. Os gregos simplesmente o denominavam
“basileus”, rei enquanto os persas o chamavam de “déspota”, o senhor. O
despotismo oriental, como se pode ver, teve uma longa história. O estudioso da
Civilização grega Mário Curtis Giordani vai mais longe ao afirmar que a
extremada idéia de liberdade levou a Grécia antiga ao fracasso, pois provocou
as rivalidades entre as diversas cidades-estado, mormente Atenas e Esparta.[12]
Cada cidade tinha também sua idéia mestra sobre a liberdade. Os
espartanos, por exemplo, prezam a independência e autonomia de sua cidade. Por
isso a vida pública e a vida privada confundiam-se, de tal sorte que o limite
da liberdade individual era o interesse coletivo, que muitas vezes se confundia
com a aristocracia. Em Atenas era diferente: cada um podia fazer o que
quisesse, e o debate público era aberto a qualquer cidadão.
Como se viu, os gregos, principalmente os atenienses, orgulhavam-se de
não se submeterem a ninguém, a não ser às leis que eles próprios criaram, ou a
descobriram na natureza pela razão, ou a receberam dos deuses. As leis que
descobriram na natureza pela razão, chamavam-nas de leis naturais, porque
deveriam ser objeto de consenso. Estas normas gerais seriam o fundamento do
agir político. pois isolava uma esfera das discordâncias das facções políticas.
Instituía-se uma esfera de consenso, conscientemente aceita, pela qual, os bens
supremos da vida, liberdade, igualdade e propriedade estavam a salvo.[13]
Contribuição política: Em política existem alguns princípios éticos que
dizem à sociedade como um todo. Estes princípios é o ponto de partida e de
chegada da convivência política. Os princípios são: a vida, a liberdade,
igualdade e a propriedade.
6. Os Clássicos greco-romanos.
6.1. Sócrates.
Contemporâneo dos Sofistas, estóicos, céticos e epicuristas outro
pensamento vinga na Grécia Antiga, talvez até como uma reação ao caráter
demolidor da sofistica e investidas populistas dos democratas.
À vertente convencionalista de conceito de lei, contrapôs-se a vertente
da lei natural. Esta se opôs à pretensão de estabelecer um divisor
intransponível entre o natural, dado pela natureza, e a criação do homem. Isto
foi possível justamente porque a teoria da lei natural concebia o homem como
parte integrante da natureza e sua atividade, embora racional e superior,
estava adstrita ao seu contexto, isto é, ao natural.
Contra o pensamento dos sofistas se insurge Sócrates, (399-269 a .C.), precisamente na
questão das generalizações. Para ele os conceitos tinham valor universal e,
portanto, era possível o conhecimento, bem como, em moral, propor-se leis
gerais de conduta. Ao relativismo científico-moral, opõe-lhe a certeza. Isto
foi possível graças ao avanço introduzido na questão dos conceitos: são gerais,
abstratos e necessários, enquanto as coisas, são particulares, sensíveis e
contingentes. O homem, através de sua razão, capta o dado natural e o formula em conceitos. Há uma
correspondência adequada entre aquilo que o homem elaborou com sua capacidade
mental e aquilo que a natureza apresenta fenomenologicamente. O dado particular
e o conceito geral estão em
sintonia. Não é uma ruptura, mas uma continuidade. Esta
postura gnoseológica levada à política e às leis, implicará em respostas
diversas às dadas pelos sofistas e epicureus.
Sócrates não se referiu a uma lei natural propriamente dita ou a um
direito natural. No entanto, ao proceder a crítica aos sofistas contrapõe-lhe a
racionalidade das leis e da moral, apontando para a questão da racionalidade e
generalidade em oposição aos instintos, aos sentimentos e à relatividade. Para
ele, a virtude é inteligência, razão e ciência. Discorda, portanto, também dos
epicureus, para os quais a virtude é um meio para o prazer. Em Sócrates, virtude
é conhecimento e vício é ignorância. O fim do homem é o bem e não o útil. Ao
declarar que era preciso alçar-se aos sentidos, propunha o ordenamento da ordem
natural através da razão. Era preciso procurar os princípios na natureza e não
segui-la cegamente. Por isso era preciso buscar a universalidade.
A Justiça não consiste apenas em normas e leis, mas numa Justiça
Superior, oriunda da divindade, do daimon,
ou da racionalidade. Nesse sentido há um “cum
sensu” entre a ordem cósmica até mesmo teológica - e a atividade racional
do homem.[14] A lei positiva não é mera criação do homem, mas
descoberta daquilo que a natureza encerra em si. Por isso, até mesmo as leis positivas são
invioláveis e soberanas. Em resumo, Sócrates, apresenta uma norma, acima da lei
humana, a governar o universo e os homens. Não há oposição entre àquela Norma e
a dos homens. Seguir a Lei Superior, dispersa na natureza, e descoberta pela
razão do homem, traduzindo-a em lei positiva, seria concretizar a Justiça, ou a
bondade.
Contribuição política: o empenho em pensar que governar não seja uma
tarefa puramente técnica e mecânica, mas essencialmente humana e ética.
6.2. Platão
Platão nasceu em Atenas em 428 ou 427 a . C e morreu em 348 ou 347 a . C. Foi discípulo de
Sócrates por oito anos.
Em filosofia pretendeu solucionar a questão da universalidade dos
conceitos pela existência real, embora imaterial. Concebeu um mundo de
Essências, às quais projetavam suas sombras sobre este mundo. A razão humana,
que conhecera aquele mundo, reconhece as sombras daquelas essências, Idéias, e
por isso pode conhecer as normas morais e a essência das coisas.
Sua concepção de norma está intimamente ligada à Lei Perfeita do Mundo
das Idéias. E o tema central que anima a meditação moral é a idéia de Justiça,
transferida, por ele, para o plano do Mundo das Idéias. A Justiça do Mundo das
idéias identifica-se com o Bem Absoluto. E a Felicidade, por sua vez, se
identifica com o Bem.[15]
Na visão de Platão há uma permuta entre asa essências e as sombras.
Primeiramente, o homem deve dirigir-se ao mundo das idéias, apreender de lá o
ideal e transportá-lo para este mundo.
A respeito da origem da sociedade, Platão atribui-lhe às necessidades mútuas
dos homens.[16] Estas dão origem à divisão do trabalho, e
consequentemente, a uma divisão de classes da sociedade, presentes no Estado.
Este é constituído de uma multidão de indivíduos, grupos dessemelhantes e
desiguais, intra-classes, inter-classes e extra-classes. Até mesmo a escravidão
encontra justificativa na concepção de Platão, pois, conforme ele, trabalhos
servis são incompatíveis para homens livres.
Se nas questões morais Platão extrai das Essências seus conteúdos, a
organização sócio-política é elevada por ele ao plano “ideal”. Agora inverte a
dialética. Na moral o ideal pode se tornar natural, nas questões
sócio-políticas o natural pode tornar-se ideal. Para ele é possível
constituir-se um Estado Ideal, com três grandes classes: filósofos, guerreiros
e produtores, cada uma delas com funções específicas. Aos primeiros cabe a direção
política, aos segundos a defesa do Estado, e aos terceiros a sua manutenção.[17] Quais as leis morais que regem este Estado?
Evidentemente, agora, Platão não vai mais buscar na práxis, pois, provavelmente
a experiência narrada na Sétima Carta, não foi das mais felizes.[18] O natural, serão as leis morais do mundo perfeito das
Idéias.
Para ele, o Estado ou a Pólis, deve ser justa, isto é, deve reinar uma
ordem e harmonia entre as classes. Para tanto, conforme ele, faz-se necessário
estabelecer os limites entre o indivíduo e o social.
A justiça é uma virtude individual, mas seu parâmetro é social. O indivíduo
será tanto mais justo quanto mais for pela sociedade. Para que aflore o social,
é preciso que o indivíduo desapareça. Para tanto é necessário seguir os princípios
do bem da coletividade: vontade comum, concretização das finalidades funcionais
das classes e o Bem Supremo, isto é, Deus como “medida de todas as coisas”.
A harmonia e a ordem devem assentar-se sobre quatro virtudes cardeais:
a sabedoria, para os governantes-filósofos, norteados pela prudência; a
coragem, para os guerreiros, animados pela fortaleza; a avidez para os artesãos
e comerciantes, guiados pela a temperança. A Justiça social tem por função
estabelecer a harmonia entre as classes. Como garantia para a harmonia é vê às
classes de governantes e guerreiros possuírem propriedades privadas.
Na Pólis ideal a individualidade desaparece, a começar pelo sexo, pois
homens e mulheres não deverão ter nem educação, nem funções diferentes. Platão
justifica sua posição, sustentando que a Natureza não faz diferença entre o
homem e a mulher. Ambos possuem as mesmas aptidões físicas e domínios técnicos.
Em seguida defende a supressão da família, devendo as mulheres ser comuns para
guerreiros e guardiões. O Estado regulamentará a procriação, bem como se
encarregará da educação das crianças, as quais ignorarão seus pais.
Politicamente a Polis será governada por sábios, por reis-filósofos. Os
governantes seriam escolhidos entre as crianças que demonstrassem aptidões
naturais, independente da origem social. Deveriam ter aptidão física, gosto
pelo estudo, inteligência e memória, constância e esforço. Moralmente,
irascibilidade, sabedoria, temperança e grandeza de alma. Os que preenchessem
estes quesitos, receberiam do Estado uma Educação que duraria até os cinqüenta
anos, quando então estariam aptos para o governo da cidade, protótipo dos
Cosmos Universal.
Em que pese de que na sua última obra, “As Leis”, Platão tenha revisto
muitos dos seus pontos de vista, como a família, propriedade, educação e
igualdade dos sexos, o caráter utópico totalitário de suas propostas políticas
não desaparecerem, nem mesmo propondo o Conselho Noturno e a Assembléia do
Povo.[19]
Platão preconiza uma sociedade perfeita, regida por homens incorruptíveis
e integrada por membros naturalmente bons. E é nisso que consiste seu caráter
utópico. Há uma identificação do natural com o perfeito, ou divino. No entanto,
concretamente não se constata esta realidade, como o próprio Platão narrou na
Sétima Carta. A sociedade é minada de conflitos, os homens que governam são
corruptos, e os membros integrantes da sociedade são bons, mas também há os
maus.[20] Fechar os olhos para os conflitos, quer na sociedade,
quer já prática política, significa fazer de conta, convencionar, que eles não
existem. A partir disso, transplanta um modelo ideal, utópico para uma
sociedade real. A priori, convenciona que, desde que o governante seja bem
esclarecido, ele se pautará por leis justas, e os membros da sociedade
individualmente e em grupos, as seguirão fielmente. Ficam, por isso, patentes
as características artificiais, convencionais e utópicos das leis propostas por
Platão.
Há ainda que se destacar o caráter totalitário das propostas políticas
deste pensador. O Estado pré-estabelece todos os comportamentos lícitos da
sociedade. O princípio é de que só é permito o que a lei estabelecer. Fecha,
por isso, todos os espaços para a iniciativa individual ou grupal. O Estado sabe
o que cada um necessita para ser feliz.
Contribuição política: A preocupação moral com a justiça social. A
categoria política dos sábios, juntamente com a dos guerreiros, deveriam ser
imunizados da ganância e da apropriação indevida, através da proibição da
propriedade privada.
6.3. Aristóteles.
O maior representante da vertente da lei natural na Antigüidade é
Aristóteles, natural de Estagira, colônia grega da Trácia, em 384 a . C. Com 18 anos fixa
residência em Atenas. Lá
conhece Platão, do qual se torna discípulo. Após o período em que foi preceptor
de Alexandre o Grande, retorna à Atenas e funda o Liceu. Falece em 322 a . C. na Eufébia.
Nele, a idéia de um direito natural, isto é, uma norma moral inerente à
natureza humana e, portanto, independente e superior à lei positiva reguladora,
encontrou a mais coerente formulação. O problema levantado pelos sofistas de
que as leis não passam de convenções, e por isso são artificiais, havia
merecido de Sócrates a contra-proposta da racionalidade. No entanto, seus
argumentos assentavam sobre a autoridade da divindade. Platão, embora abandone
o argumento teológico, responde com um mundo ideal, utópico, que no fundo não
deixava de ser também divino.
A originalidade de Aristóteles é de ter respondido à questão sem fugir
para uma ordem extra-natural. Conforme ele, a realidade circundante de uma
natureza imperfeita mas perfectível, potência, expressava-se na tendência de
todo ser em busca da perfeição, ato. Aristóteles sintetizou na teoria do Ato e
Potência e da Matéria e Forma. O desenvolvimento da potência encaminhava os seres
para a sua forma e finalidade. Os seres em si continham em germe a sua própria
perfeição.
No ser humano os instintos primários é potência para algo superior,
qual seja, o homem político, o ato. O homem, por isso, ao desenvolver sua
natureza está a caminho da Polis, e na Polis, ao desenvolver sua potência está
à caminho da perfeição.[21]
Não é, porém, qualquer desenvolvimento que leva o homem a ingressar na
sociedade superior, mas o desenvolvimento moral. O impulso intrínseco da
natureza humana para a perfeição. O aprimoramento moral, que é individual, leva
o homem à convivência política. Por isso, quando as leis coincidirem com o
progresso moral, não há oposição entre a lei natural e a lei positiva. O elo de
ligação entre a lei natural, normas gerais e universais, e a lei positiva,
normas históricas e parciais, se faz pela moral. E como esta está em potência
em cada homem, seu desenvolvimento dá origem ao consenso. Quando as leis
positivas forem decorrentes do desenvolvimento consciente da moral, obtém-se uma
ordem consensual. A lei natural pode ser identificada com a ética, enquanto as
leis humanas com a moral.
Para Aristóteles, a sociedade política significa em estágio superior do
homem, justamente pelo comportamento ético. No entanto, numa sociedade política,
nem todos são cidadãos. Estes são membros plenos, enquanto os demais
hierarquizam -se em ordem decrescente até o escravo. O cidadão era aquele que
havia desenvolvido suas potencialidades naturais e chegara a ser membro do
Estado. Este não é mero fruto da necessidade, como queriam os sofistas, mas uma
união perfeita e orgânica de seus membros para a virtude e felicidade. O
Estado, por sua vez, proporciona aos seus membros todo bem-estar. Indivíduo e
Estado completam-se numa simbiose perfeita, cabendo a este regular a vida dos
cidadãos.[22]
Nem em Platão e nem em Aristóteles, encontramos uma preocupação maior
de estabelecer limites ao Estado. O pensamento destes filósofos partia do
pressuposto de que o Estado sempre faria leis moralmente justas. Consideravam-no
como uma Igreja que dá orientação moral e estímulo para seus membros. Daí se
entende os diversos tipos de leis, as quais objetivaram sempre a justiça, a
qual também se diversificaria. Haveria a distributiva, que atendia às
desigualdades individuais. Para se atingir a igualdade, era necessário levar em
conta a desigualdade, conforme Aristóteles. A justiça corretiva, que procurava
estabelecer uma relação justa entre o delito e a pena. Em Aristóteles
encontramos a noção de bilateralidade da justiça, isto é, uma proporção
inter-cidadãos e não apenas intra-cidadão como ocorria com Sócrates e Platão.
Conforme ele, não há justiça de um homem consigo mesmo. A justiça está inserida
na sociabilidade.[23]
Como vimos, a perfeição das potencialidades inerentes em cada homem se
concretiza no ato político. É o homem na sua plenitude moral. Daí que os fins e
o bem do homem não são atingidos pela retórica, econômica, ou mesmo a ética. É
necessário avançar até a Política, culminância do homem, somente atingida pelo
cidadão.[24]
Segundo o Estagirita, a virtude pode ser dividida em duas espécies: a
dianoética, que se adquire pelo conhecimento, e a ética, pelo hábito.[25] Nenhuma dessas virtudes se geram pela natureza. O
mesmo se dá com a virtude, pois o ato precede a virtude. A virtude não está em
potência no homem, ela é a perfeição do ato humano. O segredo para se atingir a
virtude é a prática de atos bons, sem excessos, observando a justa medida26. Por isso, a virtude é o hábito de atos bons. A
virtude, e somente ela, conforme Aristóteles, traz felicidade ao homem. Produz
atos que são fins em si mesmos.
A sociedade política é essencialmente moral para Aristóteles. As leis
originárias desta sociedade é o reflexo de uma comunidade de homens virtuosos
que se pautam pela racionalidade. A convivência social é o resultado da
congregação de famílias que abraçam, pela própria natureza, o homem, a mulher,
os filhos e os criados. As várias famílias congregadas dão origem a aldeia, ou
vila. E da união de vilas surge o Estado, que é a globalidade.27 E dentro do Estado, o membro superior, o “full member” como diria Locke, é o
cidadão. Este “tem uma parte legal na autoridade deliberativa e na autoridade
judiciária”.28 O bom cidadão acompanha a organização política de sua cidade e sabe
bem o que lhe compete.
Considerando o Estado a globalidade, no momento que se impuser,
desaparece a parte, ficando apenas o todo. Visto concretamente, não na
seqüência cronológica, mas como um fato político, o Estado precede o indivíduo
e a família.29
Conforme Aristóteles o Estado é soberano interna e externamente. Internamente, a quem cabe a
soberania? Na maioria constituída de pobres? Evidentemente que não, pois
estaria praticando a injustiça. Numa pessoa, geralmente um tirano? Também não,
pois nem sempre agiria conforme a justiça. A minoria, constituída de ricos?
Igualmente não, pois poderia praticar os mesmos atos da maioria. Conforme ele,
a soberania cabe à multidão, comandada por homens eminentes. A multidão faz um
homem só, com uma infinidade de pés, mãos, sentidos, costumes e inteligência.
Há uma apreciação do conjunto, e disso sai o melhor julgamento, que é do povo.30 Mas não só porque a multidão é numericamente a
maioria detém a soberania, mas também porque seria proprietária da maioria dos
bens materiais.31
Quanto à forma de governo, Aristóteles constata três formas puras, as quais,
degenerando, dão origem a três impuras. A realeza, opõe-se à tirania; a
aristocracia, opõe-se à oligarquia; e a república, à democracia. Das corruptas
a pior é a tirania, seguida pela oligarquia. A mais tolerável é a democracia.32 Mas por que ocorrem as corrupções? Conforme
Aristóteles, é porque se desobedece à lei da natureza. Esta institui na
sociedade naturalmente a diversidade. Existem funções diversificadas, classes
mais abastadas e menos abastadas, talentos maiores e menores. Sendo a sociedade
naturalmente diferenciada, a quebra dessa ordem provoca desvios, como é o caso
das formas de governo. Além disso, não basta atender tão somente a aspectos
materiais da vida em sociedade, mas também aos morais: “como se uma cidade só
existisse para a satisfação das necessidades materiais e não para um objetivo
moral - como se a virtude não lhe fosse mais necessária que sapateiros e
lavradores”.33 A ruptura da ordem natural em Aristóteles significa também uma
violação de leis morais. O homem desrespeita a natureza, afasta-se da moral e
implanta a artificialidade. Faz de conta que só existe o interesse de uma
pessoa, a conseqüência será a tirania. Se pensar que existe o interesse de uma
minoria somente, cairá na oligarquia. Se pensar que todos são iguais, produzirá
a democracia.
Aristóteles enumera cinco espécies de democracias, conforme os
critérios de organização político-social. A primeira delas é a que se
fundamenta na igualdade. Faz “ tábula rasa “ entre ricos e pobres. Como,
geralmente, os pobres são mais numerosos, esta democracia terá como opinião
predominante a dos pobres. A segunda é quando se convencionar o censo como
critério de participação política, teríamos, evidentemente, uma democracia
censitária. Uma terceira espécie institui a moralidade como critério. Estando
assentada na lei, não haveria injustiças. A quarta, estabeleceria que o simples
fato de ser cidadão poderia tomar parte nas magistraturas.34 Estas quatro espécies de democracia não dispensam a
lei, ao contrário a supõem. Há, porém, um quinto tipo de democracia: a popular,
que transfere a soberania da lei para a turba eventual. Conforme Aristóteles, a
lei perde a soberania sendo a comunidade governada por decretos. Não sendo mais
a lei a soberana – revestida de conteúdos éticos - pululam os demagogos ou
populistas. O povo se transforma num monarca, com poderes absolutos sobre tudo,
todos em qualquer momento. Guia-se ao sabor das conveniências do momento. Uma
esfera da lei, proveniente de um consenso moral, desaparece, para dar lugar ao
momento. Crê-se que tudo não passa de convenção podendo-se modificar sempre que
se achar conveniente. Os demagogos ou populistas adotam o processo de
continuamente consultar o povo. Uma vez obtido o resultado, transforma-o em
decreto que vigorará até próxima decisão popular. Seu poder não conhece
limites, pois eles mesmos já sabem diante mão o que é mais agradável à turba.
Se alguém se atravessar a lhes fazer oposição, não hesitam em consultar a multidão
e jogar no ridículo qualquer autoridade.35
Por isso, conforme Aristóteles, o abandono da lei natural, isto é,
despojando a lei de seu caráter moral, intimamente ligado à própria natureza do
homem, põe por terra todo o respeito à lei, condição,“sine qua non”, de uma ordem político-social. As conseqüências desta
conduta, levam a toda sorte de degenerações políticas, dentre as quais se podem
apontar o democratismo. Aristóteles conseguiu captar os princípios e métodos
dos governos populistas que podem ser denominado de democratismo.
Contribuição ético-política: a constatação de uma esfera de normas
válidas para todos, a Ética e uma esfera dependente do tempo e espaço, moral. A
lei, sem o conteúdo ético-moral, não passa de um decreto originário da vontade
de um tirano.
6.4. Cícero.
Se os gregos se caracterizam pela discussão filosófica da política, os
romanos têm a peculiaridade de pô-la em prática. Experimentaram
todas as formas de governo: realeza, império, república e aristocracia; puseram
em prática os mais diversos regimes \zdesde os ditatoriais até os populistas
mais extremados; governaram-se desde o mais puro estado de direito até os mais
violentos regimes de arbítrio. No turbilhão destas experiências políticas nasce
o direito, exatamente da meditação moral, isto é, da necessidade de responder
aos problemas de sociedades inseridas no espaço e tempo.
Dentre os vários teorizadores do direito romano, destaca-se Marco Tulio
Cícero, nascido em Roma (106-43
a .C). Não se poderia enquadrar rigidamente Cícero numa
escola exclusiva. Foi platônico, aristotélico, estóico. De uma coisa, porém, é
certo, tinha aversão aos sofistas.
Cícero viveu a confluência da passagem da República para o Império. Na
República havia um conjunto de instituições que de certo modo salvaguardavam
alguns princípios éticos, extensivos a todos os cidadãos, mormente entre a
aristocracia e o povo. O equilíbrio estava sendo atingido paulatinamente. Havia
instituições que defendiam o povo e havia as aristocráticas. Os tribunos do
povo era uma fortaleza contra as pretensões da aristocracia. Com isso,
procurava-se possibilitar uma margem de liberdade, a qual poderia garantir os
demais direitos, tais como a vida, propriedade e igualdade. Cícero se destaca na
defesa da lei natural, universal, pela qual o mundo era governado por Deus, e
através da natureza racional, o homem se torna um parente da divindade.[26] Através deste princípio advogava a igualdade
universal dos homens. Desde o momento que os homens seriam iguais, todos os
demais direitos adviriam por acréscimo. Com isso procurava isolar uma esfera de
consenso pela qual se garantiria um respeito aos direitos fundamentais.
Para ele, o homem é um ser capaz de prever, e deduzir. O homem é
complexo, dotado de intuição, inteligência, memória e razão. E originário da
divindade. O fato de o homem ser racional, o eleva não somente acima dos seres
deste mundo, como iguala-se aos deuses. O homem e a divindade têm em comum a
razão, por isso há entre eles uma associação, uma comum participação. Não só,
porém, a razão é comum, como também a reta razão. E como esta é a Lei, podemos
inferir, conforme Cícero, que homens e deuses constituem uma comunidade
assentada na Lei. Evidentemente que esta não seria uma lei humana, senão os
homens estariam submetendo os deuses e válida somente para os homens. Seria uma
Lei superior, provinda da inteligência humano-divina, isto é, um conjunto de
princípios ético-morais universais. E como aqueles que possuem uma Lei comum,
também terão direito comum. Ora, o direito em comum dá origem à Cidade ou
Estado. Por isso, o conjunto do mundo todo é uma Grande Cidade, comum aos deuses
e homens. E, por sua vez, o que há nas cidades senão relações de parentesco que
diferenciam as famílias? Logo, homens e deuses, tendo em comum a mesma Lei,
formam uma Cidade, unidos por laços de família e de raça.
O homem e a divindade estão ligados entre si é através da alma. Embora
possa haver povos que não conheçam a Deus, nem por isso deixam de ter
parentesco com a divindade. O conhecê-lo significa um acordar ou se dar conta
de sua origem. Finalmente, entre o homem e a divindade há em comum a virtude,
que nada mais é que a natureza perfeita, levada a sua perfeição.
Diante disso, o homem, co-partícipe da divindade, recebeu da natureza
todas as prodigalidades, desde os frutos da terra até os meios para chegar ao
conhecimento, como é o caso dos sentidos.
Cícero pensa que todas as demais criaturas têm como fim o homem. E
este, lançando mão dos recursos naturais, avança para o progresso, sempre tendo
por faculdade a razão.
Após esta demonstração da comunidade da Lei, direito e cidadania, entre
homens e deuses, Cícero passa a mostrar que existe uma comunidade universal
entre os homens. Conforme ele, os homens nasceram para a justiça e o direito se
funda na natureza, na moral, e não na opinião, conforme pensavam os sofistas.
Nada há de mais semelhante e igual, do que a semelhança e igualdade de
nós mesmos. Partindo-se do princípio de o homem o é pela razão, as
dessemelhanças não passam de manifestações secundárias. Podem, por exemplo, as
palavras ser diferentes, o sentido, porém, é o mesmo. Uma segunda prova da
identidade da raça humana são as reações psicológicas, e as fraquezas como a
vergonha, alegria, dor, polidez, brutalidades e outras. Se todos tivessem uma
reta razão, todos poderiam partilhar do mesmo direito, pois ele é decorrente da
mesma Lei. O problema, conforme ele, foi quando os homens separaram o interesse
e o dinheiro, isto é, foi sobreposto o que é particular ao geral, ou a
separação entre natureza, lei e direito.
A terceira categoria de semelhança entre os homens é a moral. Afora
casos patológicos, há uma moral universal, conforme Cícero. A idéia de bem,
justo está presente na consciência de cada homem, que é, precisamente a justa
razão, cuja origem está na natureza.[27] Esta moral da justa razão, universal, acima das
sociedades concretas, raças e reações psicológicas é a esfera da Ética.
Erigindo a natureza como fundamento último de toda expressão do
direito, Cícero atribui à lei um caráter universal, isto é, ela não é
arbitrária, mas manifestação do próprio universo do qual o homem faz parte e
nele está inserido. Sendo a natureza igual a todos, ela dá origem a leis de consenso
entre os homens. Se elas se modificam conforme as circunstâncias, dão origem à
sua concretização no “hic et nunc”, isto é, na moral. Pelo direito natural não
deveria haver escravidão, mas em determinados momentos históricos, e em
circunstâncias especiais - como a guerra - os homens a instituíram.
Em “A República” e “De Officis”, Cícero estuda as magnas questões das
relações do poder público com o privado, bem como as competências do individual
e do social. A lei da natureza tem conseqüências práticas nessas relações.
Enquanto na convivência social prevalece a solidariedade racional, na esfera
individual predominam os apetites individuais, com vistas a vantagens pessoais.
Por isso o poder público, o Estado, deve envidar esforços na defesa da
propriedade e não interferir nela. Conforme ele, foi na esperança de proteção
às propriedades que os homens se reuniram em sociedade e instituíram o poder
político, o Estado.[28]
Conforme ele, a “nação é o patrimônio comum de um povo”. Enquanto os
gregos não chegaram a uma distinção clara de propriedade pública e privada,
Cícero separa-as claramente. Queria que as duas esferas, “res pública” e a “res
privada” tivessem titulares diversos, bem como tratamento diferenciado. Na
gerência da “res publica”, afasta o igualitarismo democrático, pelo qual todo
povo participaria diretamente na gestão pública, como legislador e executor.[29]
Inclina-se em favor de uma aristocracia, pois, conforme ele, a própria
natureza teria dotado alguns de mais dotes que outros. Se concretamente optava
pela aristocracia, como ideal, desejava uma forma mista, isto é, preconizava
uma classe média majoritária e esclarecida.
Contribuição política: em Cícero encontramos uma lei natural – cósmica
– e uma humana, das quais as instituições emanam pela atividade da reta razão
humana. Na convivência política, há as esferas do público e do privado que não
podem se imiscuir. A lei, não é uma criação a bel prazer do homem, mas está
inclusa no complexo universal do qual o homem é agente passivo e ativo.
II- O
CRISTIANISMO MEDIEVAL.
Um estudioso do pensamento cristão medieval, O professor Urbano Zilles,
caracteriza o cristianismo como um aperfeiçoamento do Judaísmo , devido à
doutrina contida nos Evangelhos. Os filósofos cristãos, por sua vez, consideram
a cultura helênica como a suprema expressão do Paganismo. Daí que, os
pensadores cristãos recorrem ao Evangelho em questões de fé, e à cultura grega
quando se trata de questões relativas à razão. E é por isto que encontramos na
Idade Média, ainda conforme Zilles, as mais diversas vertentes do pensamento
grego, tais como o pitagorismo, platonismo, aristotelismo e estoicismo. Nos
primeiros séculos predomina o platonismo. Já no século XIII, é o aristotelismo
que assume a hegemonia. Mas as outras correntes também tinham seguidores,
principalmente o estoicismo, devido à semelhança moral com o cristianismo. Na alta
Escolástica, os pensadores cristãos esforçam-se para harmonizar os ensinamentos
da Bíblia com o legado cultural grego.[30]
Entretanto, nenhuma outra cultura influenciou mais que o judaísmo na
concepção ético-moral do cristianismo. Isso porque o cristianismo foi uma
continuidade do judaísmo, em que pese sua a ruptura. Poder-se-ia dizer que as
grandes questões morais do cristianismo já estão implícita ou explicitamente
contidas no judaísmo. Por isso, faz-se necessária uma retomada desta cultura
para se contextualizar o cristianismo.
O Legado Judaico.
Antes da Criação do Estado de Israel em 1948, a História política
de Israel teria iniciado aproximadamente em 1800 a .C., com Abraão, e
findado no século II d.C. com a Diáspora. A maior parte dela desenvolveu-se na
Palestina.
Na doutrina judaica, ao contrário dos pagãos, o homem se relaciona com
Alguém transcendente. Entre os gregos e romanos a referência do homem era com a
cidade, com seus semelhantes. No judaísmo o homem se relaciona com um Ser que
conhece indiretamente e por meio da informação. O ponto de partida e de chegada
é sempre aquele Ser invisível mas existente e presente. Este é Deus, Javé ao
qual o homem obedece sem vê-lo, sem senti-lo ou ouvi-lo.
Este Deus ensina que o homem é um composto. O corpo, iguala-se aos
demais seres vivos do universo. Tem aparência terrestre, corruptibilidade, é
sede de tentações e de pecado. Este corpo material recebeu, por intervenção
pessoal de Deus, uma outra parte, a alma. Da fusão dos dois, corpo e alma, fez
nascer uma outra realidade, diversa de todos os demais seres: o ser humano. Por
outro lado, a alma, que em outros seres é princípio vital, no homem é vital e
espiritual.Resumidamente poderíamos dizer que a doutrina judaica concebe a vida
do homem como um ser criado por Deus.Tem vida semelhante a outros seres,
próxima aos animais, mas diferencia-se deles pela “anima “’, de ordem
espiritual. Esta é a imagem do seu Criador. Por esta alma espiritual o homem
consegue alçar-se à natureza material e dirigir-se a seu Criador.
Pode-se afirmar que na narrativa da Criação do Homem, no Gênesis, estão
contidos os valores fundamentais do judaísmo. Nela há três aspectos que se
sedimentaram na cultura ocidental. 1º A existência de um ser Superior do qual
originou-se toda a existência, inclusive a vida. 2º Os seres criados não se
identificam com a divindade. 3º O apogeu da Criação é o homem, constituído de
homem e mulher, iguais em dignidade perante o Criador.
O primeiro grande valor legado pelo judaísmo ao cristianismo é a vida. O
pensamento judaico busca a justificação do valor ético da vida numa autoridade
fora deste mundo, na Transcendência. Os pensadores cristãos acrescentaram que a
vida é um valor natural, isto é, inerente à natureza do homem. Através desta
concepção o valor vida pôde ser assimilado como um valor ético consciente e de
consenso no convívio social. Já não era mais necessário referir-se à
transcendência, mas ao natural. No entanto, a vida do homem, continua uma
dádiva divina. Por isso ninguém, nem ele próprio, têm o direito de tirá-la. Desse
modo a vida humana é um dom concedido ao homem inerente ao seu ser. E mais, o
Criador, através da lei natural, gravou indelevelmente na consciência do homem
o sumo e primeiro valor do homem, a vida.[31]
A dádiva da vida, porém, para o homem, conforme a Bíblia, extrapola o
restante da Criação. Enquanto os demais seres estão submetidos às leis do
instinto natural, o homem foi dotado de outra faculdade, natural também, a da
razão e por ela escolher opções. O homem recebeu em sua natureza a liberdade.
Este é o segundo maior valor individual do homem. Com esta faculdade ele
diferencia-se de todos os demais seres. O judaísmo entendia três tipos de
liberdade: a sócio-política, a moral e a religiosa. A primeira, a liberdade
sócio-política, opunha-se à escravidão.[32] Em Israel havia dois tipos de escravidão:os israelitas
natos e os estrangeiros. Os primeiros gozavam de alguns direitos, como
proibição de mutilação, roubo ou rapto, se circunciso podia participar das
festas religiosas, e outros. O estrangeiro, porém, estava condenado à
escravidão por toda a vida.
A liberdade moral é a mais importante do ponto de vista das
conseqüências culturais para o ocidente e atualmente disseminado por todo mundo
civilizado. Conforme ela, o homem pode agir com independência de acordo com sua
própria decisão.[33] Este conceito ficou conhecido como a doutrina do
livre arbítrio que em todos os grandes momentos da História teve representantes,
tais como Aristóteles e Cícero na Antigüidade, Santa Agostinho e Santo Tomás na
Idade Média, Leibniz na Moderna e Kant na Contemporânea.
A Teologia cristã, porém, desenvolveu outra noção de liberdade, qual
seja, de que o homem somente é livre para fazer o bem e quando o fizer. E, além
disso, a Divindade libertará o homem, o qual, pelo pecado de Adão e Eva, perdeu
a liberdade e tornou-se escravo do mal. Nesse sentido, quanto mais o homem se
submeter a Deus, mais livre será. Seria o paradoxo da suprema liberdade através
da “escravidão voluntária”, como um “servo de Deus”, “preso por laços
sagrados”, “escravo de todos”.[34]
O terceiro valor ético-moral, já presente no meio cultural hebreu,é a
igualdade. No Livro Sagrado a conceituação da igualdade restringe-se na relação
do homem com Deus. Os homens são iguais perante o seu Criador. Deus proclama
que nada pode igualá-lo, mas Ele não faz distinção de homens. Por isso na
relação hierárquica vertical de Deus-Homem, Deus é inigualável, mas na relação
horizontal homem-homem e Deus os homens são iguais. E por que são iguais
conforme a argumentação bíblica? Por que Deus os criou a todos, por que os fez
todos do mesmo sangue, por que Deus quer a salvação de todos, por que todos são
chamados à Vida Eterna.[35]
Quanto às desigualdades sociais, econômicas e políticas acha que são
decorrências da presença do pecado. Isto sugere que, se eliminado o pecado,
instalar-se-ia a igualdade sobre a terra.A Teologia não registra muito esforço
no sentido de buscar a igualdade econômico-social. Concentra-se, isto sim, na
disseminação da caridade, isto é, no amor entre os homens.
Entre os israelitas a propriedade privada era considerada um direito
dado por Deus ao homem, isto é, à natureza humana. Dependendo da situação
histórica a forma de propriedade variava. Como nômade, propriedade eram o gado
e as moradias, as tendas, já como agricultor eram as terras, as quais passavam
para os herdeiros. A justificativa para a conquista de Canaã pelos israelitas, vencendo
os povos que lá estavam estabelecidos, teria sido a promessa de Javé aos
patriarcas e a seus descendentes de Ele lhes daria uma terra: a Terra
Prometida. Disso decorreu na crença de que a terra pertence ao Deus de Israel.
Com isso, legitimavam-se diversas práticas referentes á propriedade da terra
tais como resgate, jubileu e ano sabático. E mais, o próprio povo de Israel
acreditava-se propriedade de Javé.[36]
Contribuição ético política: o judaísmo possuía em seu bojo alguns
valores fundamentais religiosos que os modernos pensadores os redefiniram como
naturais: vida, liberdade, igualdade e propriedade.
O Cristianismo
O cristianismo no período medieval (395-1453 d.C) incorporou os valores
judaicos e os reinterpretou conforme a influência filosófica do momento. Não
foi de forma alguma monolítica. Com certeza quase em sua totalidade era cristã,
no entanto, nem sempre as posições assumidas pela Igreja eram aceitas por
todos, mormente em questões políticas. A Igreja adota a idéia da supremacia do
poder espiritual sobre o temporal. Esta idéia não é unânime entre os
cristãos.Disso resultou a bifurcação de duas linhas: a oficial, que admitia a
supremacia do espiritual, e a dissidente, que postulava a precedência do Estado
ou poder temporal, ou, no mínimo a igualdade dos dois poderes.
A Oficial, inaugurada com Constantino, atribui à Igreja não só a
autoridade suprema sobre questões de fé, como também é grupo hegemônico em política. Neste
sentido o Papa é considerado super autoridade, árbitro internacional e
parâmetro da legitimidade dos governantes. A Igreja detém as diretrizes
políticas e arvora-se o direito de desobrigar súditos de obediência a qualquer
príncipe que não seguir suas orientações.
A segunda linha de atuação, a dissidente, insurge-se exatamente contra
esta situação, defendendo posições contrárias. Pretende não questionar, por
parte dos governantes, a legitimidade da autoridade do papado em matéria de fé,
mas não aceita suas incursões no domínio do temporal. Preconiza, por isso, um
divisor, uma esfera de Cezar e outra de Deus. Além disso, propõe uma maior
liberdade, inclusive em alguns casos, em matéria de fé, e propugna pelo fim do
patrulhamento religioso-político. Neste aspecto, torna-se precursores do
protestantismo.
Destacam-se como pensadores da linha oficial, principalmente Santo
Agostinho (na Patrística), e Santo Tomás (na Escolástica), além dos Santos
Padres e outros seguidores desses grandes filósofos.
Entre os dissidentes, podem ser citados João Salisburgo (1118-1180),
Dante Alighieri (1285-1321), Marcílio de Padua (1728-1342) e Guilherme de
Ockham (1300-1349).
Duns Scotus (1270-1308), tanto pode ser considerado da linha oficial,
como da dissidente, isto porque não critica a Igreja, mas apresenta propostas
diversas.
Enfoque oficial.
2.1.1. Santo Agostinho
O Cristianismo realizou a grandiosa síntese entre o Judaísmo e o
Paganismo. Do Judaísmo herdou o Depósito da Fé atribuindo-se a concretização
das promessas divinas ao povo de Israel. No paganismo buscou a fundamentação
filosófica para apologia de seus dogmas e de sua doutrina de uma maneira geral.
Não há, por isso, uma ruptura radical entre o que pregava o Judaísmo em questão
de fé, nem o que alcançaram os gregos e romanos em questões culturais. A fé
judaica e a cultura greco-romana se fundiram no Cristianismo. Por isso, as questões
ético-morais não somente não sofrerão quebra de continuidade, como receberão novo
alento e maior aprofundamento.
Santo Agostinho (354-430), um dos maiores expoentes da cultura cristã,
em relação á ética apresentou uma visão radical, pois opunha inconciliavelmente
o bem e o mal, a Cidade de Deus e a Cidade Mundana. Ele que passou pela
experiência do paganismo e depois da fé, ao abraçar o Cristianismo faz a
síntese entre ambos. Evidentemente a seu modo, isto é, submetendo os valores
éticos pagãos ao cristianismo. O que não servia ao cristianismo, exclui. Para
ele, o único valor que conferia ao homem a dignidade de ser humano era ser
cristão. Os que estivessem foram dessa redoma, estariam em situação de pecado.
Nem mesmo os reis escapavam de sua classificação dicotômica: bons ou maus. Daí
que vida, liberdade (livre arbítrio), igualdade perante Deus, e bens terrenos
tinham uma interpretação, “sui generis”, limitada. Estes valores somente faziam
sentido na fé cristã. Sua elaboração das diversas categorias de leis, irá
inspirar os filósofos e teólogos durante toda a Idade Média. Inclusive o
próprio Santo Tomás de Aquino irá se inspirar nele mil anos após.
Para Santo Agostinho as normas morais são criações extra-mundanas. Elas
fazem parte do divino e exigem do homem obediência, através da obrigação moral.
Seu pensamento político e social, encontra-se principalmente na “De
Civitate Dei”, que é uma interpretação cristã da História. O viés do divino
perpassa toda sua concepção. A Queda de Roma em poder dos bárbaros não
significava nada. O que se devia salvar é a Nova Jerusalém, a Igreja e a Fé.
Para ele, todos os homens são iguais por natureza, possuindo poder para
dominar os animais, mas não se dominarem mutuamente. A natureza ainda faz com
que os homens se congreguem para, vivendo em paz, atinjam a felicidade e se
defendam contra os inimigos. Para ele, a sociedade nasceu da concórdia, da
caridade, e do amor mútuo.
Concebe a Humanidade dividida em duas categorias: a terrena e a
celeste. Até mesmo na organização político-social, Agostinho vê a dicotomia
entre o bem e o mal. Os membros da cidade terrena amam-se a si mesmos e
desprezam a Deus. Os membros da cidade celeste desprezam-se a si mesmos e amam
a Deus.[37] Consideram-se em exílio aqui na terra, vivendo
imiscuídos com os da cidade terrestre. Sendo o objetivo do amor o parâmetro
para se diferenciar os terrenos e os celestes, os primeiros amam os bens
terrenos e os segundos, apenas os celestiais. Estes últimos constituem a grei
da Igreja.
Toda sociedade alicerça-se sobre a autoridade. Esta provém da natureza,
pois ela exige que sempre alguém dirija, e consequentemente, outros que
obedeçam, obtendo-se assim, a unidade do corpo social. A autoridade é um
produto da natureza a qual origina, dentro do social, alguém melhor. Nesse
aspecto segue o ensinamento do pagão Cícero.[38]
Esta porém, foi apenas a origem fenomenológica da autoridade. A moral
mesmo é divina, conforme diz São Paulo: “Omnis potestas a Deo”. Deus dispõe o
curso da História de modo que seus escolhidos, para participarem da sua
autoridade, naturalmente coincidam. Para tanto, Deus se vale dos próprios
acontecimentos, eleições, instituições, costumes e outros fatos. A Providência
deixa os homens agiram livremente, mas seus desígnios sempre se cumprem.
A autoridade possui o poder moral e físico de decretar leis. A
legitimidade, poder moral, pode ser medida pelo grau de justiça.[39] Às leis justas se deve obediência como a Deus, e às
leis injustas se deve resistir passivamente. Para que o poder moral possa ser
eficaz, deve estar acompanhado pelo poder coercitivo, físico, o qual obriga o
cumprimento da lei.
Nas relações entre Igreja e Estado, Agostinho entende que ambas são
sociedades perfeitas e soberanas, cabendo à Igreja o espiritual e ao Estado o
temporal. O Estado, porém, está subordinado à Igreja, porque a vida terrena é
um meio para se atingir o verdadeiro fim, que é a salvação. O Estado e seus
membros, devem ser subordinados à Igreja.
Com Agostinho, estava firmada a doutrina da supremacia do espiritual
sobre o temporal, cujo debate ocupará a intelectualidade durante toda a Idade
Média e até mesmo no século XIX encontrará defensores, principalmente no
Sillabus do Papa Pio IX. Esta doutrina da Supremacia do poder espiritual sobre
o temporal é essencialmente moral, no entanto provocará as mais sangrentas
guerras de Papas contra príncipes e de príncipes entre si.
Quanto à concepção de norma ou Lei, Agostinho segue a linha pagã de
Platão e Cícero, pois, busca a fundamentação na divindade. Para ele,
primeiramente há a norma eterna, invariável e universal, com a qual a
Providência dirige o Mundo e a História dos Homens. Estes têm uma obrigação
moral em obedecê-la, e nisto estaria a liberdade do Homem. Os seres possuem um
fim, um destino a cumprir, imposto pela Providência através da Lei Eterna.
Todos os seres tendem para um fim, e este movimento é precisamente a lei
natural. Os irracionais seguem-na cegamente, mas os seres livres obedecem-na
como uma necessidade de obrigação moral. Cada homem a traz gravada em sua
consciência. Como, porém, o pecado a embotou, Deus quis relembrá-la e o fez
através da Revelação. E esta Revolução constitui a Lei Divina. Os deveres mais
gerais e universais da vida humana, pública e privada, bem como as relações
internacionais, estão expressos na Lei Divina. Quando, porém, se tratar de
particularidades da vida em sociedade, incluindo a convivência política, surge
a Lei Humana.
Vê-se, portanto, que Agostinho introduz mais duas categorias de Leis: a
Eterna e a Divina. Inclusive, a lei natural, indiretamente é a lei divina. A
lei humana, ou as leis positivas, deverão estar em conformidade com as outras
leis, não podendo contradizê-las.
Em Agostinho, as leis não são criações arbitrárias dos governantes, mas
obedecem a todo um universo teológico. Não são também, meras convenções, pois
estão dentro de um plano, o da Providência, por isso são morais. Agostinho,
portanto, dá continuidade à linha platônica, formulando sobre princípios
perfeitos numa sociedade perfeita.
Contribuição ético-moral: a Lei Eterna e a Divina são emanadas
diretamente de Deus, a lei natural origina-se indiretamente de Deus e a lei
humana emana dos homens. Por isso, conforme Santo Agostinho, as normas eterna e
divina são obedecidas em todo cosmos, a lei natural deve ser obedecida por
todos os homens em todos os tempos e lugares, são normas éticas e as leis
humanas são produtos de cada sociedade, e por isso são normas morais.
2.l.2. Santo Tomás de Aquino
Quase mil anos após Santo Agostinho, quase no final da Idade Média,
surge o ímpar pensador Santo Tomás de Aquino (1225-1274). Em todo aquele
período, pontificou o pensamento de Santo Agostinho, que havia tomado
emprestado do pagão Platão para defender o Cristianismo. Santo Tomás se valerá
de outro grego pagão, Aristóteles para doutrinar em favor do Cristianismo.
Quanto à doutrina da concepção de lei, praticamente nada mudará. Santo
Tomás distingue três espécies de leis:
1º Uma lei divina universal, que se estende a todos os seres:
inanimados, animados e racionais. É proveniente da divina sabedoria, somente
conhecida plenamente pelo próprio Deus e parcialmente por alguns a quem Deus
revelar.[40]
2º Uma lei natural , a qual, o homem pode conhecê-la diretamente
através da razão, pois, por ela, o homem participa da lei eterna, com a
capacidade de criatura humana.[41]
3º Uma lei humana, as leis positivas, elaboradas pelo homem. Não são,
porém, arbitrárias, mas calcadas nos princípios da lei natural, para casos
particulares.[42]
Em Santo Tomás fica mais clara a concepção hierárquica das normas. Há
as divinas, obrigatórias para todos os seres, as naturais, obrigatórias para
todos os homens e por isso são éticas e há as humanas, morais, obrigatórias
para sociedades particularizadas.
Santo Tomás, supera, pelo menos, duas grandes questões ético-morais deixadas
por Santo Agostinho. Para este, tudo o que dissesse respeito à matéria - e por
extensão, corpo, bens materiais, alimentação, bebidas, diversões, cultura
laica, poder político, leigo – era considerado um valor inferior ao seu oposto:
alma, bens espirituais, oração, cultura religiosa, poder eclesiástico e outros.
Santo Tomás, invocando Aristóteles, o qual sempre se pautou pelo meio-termo,
resgata os valores materiais. Desde que não se façam excessos, nada é um mal em
si.
Outra questão era o Estado. Agostinho o via numa etapa inferior. Santo
Tomás, o considera decorrente da natureza do homem, de conformidade com
Aristóteles. Sua finalidade é promover o bem comum e propiciar a segurança dos
cidadãos. No que diz respeito, às relações entre o poder temporal e espiritual,
porém, este hierarquicamente lhe é superior.
Em relação à justiça, também segue Aristóteles. Este havia distinguido
a justiça comutativa, a das trocas iguais, e a justiça distributiva, a dos
desiguais. Tomas de Aquino acrescenta mais uma: a justiça legal. Ela significa
a relação do todo com as partes. É o outro lado da justiça distributiva. O que
os indivíduos farão para o todo, sociedade e Estado? E aqui existem obrigações
desiguais. Se o Estado trata diversamente o bom cidadão do mau, em compensação
espera deles, retribuições também diferentes. É isto que o Santo entende por justiça
legal, a qual, nós a chamaríamos atualmente de justiça social.
Embora se possa individualmente ser comedido, corajoso, não se pode ser
justo apenas consigo mesmo. Há sempre um “alter”. Por isso, a justiça como
virtude é objetiva, em oposição a outras virtudes, que são subjetivas, pois não
necessariamente envolvem outras pessoas. A justiça, por isso, tem um caráter
bilateral.[43]
Os valores fundamentais do homem em Santo Tomás , estão
inseridos dentro do contexto de sua doutrina. A visão cosmológica do Universo
do Aquinate engloba a totalidade dos seres, incluindo Deus, Anjos, homens,
animais, seres vivos e inanimados. Estes seres estão hierarquizados a partir de
Deus até o mais ínfimo dos seres. À natureza do homem Santo Tomás reserva uma
posição privilegiada. O homem não somente um ser corporal, mas racional e
espiritual. E todos os homens são seres humanos, sem distinção de raça, cor,
sexo. Essa igualdade reclamada para todos é devido ao fato de todos os homens
provirem do mesmo casal criado por Deus. O homem recebeu como uma graça a vida
de Deus, o qual lhe deu a razão e a alma. Por este último elemento aparenta-se
com Deus. Pela razão e espiritualidade todos os homens recebem em si a lei
natural, pela qual o homem pode escolher entre o bem e o mal. Se o homem peca,
não pode invocar ignorância, pois a lei natural lhe diz o certo e o errado. Mas
para que o homem tenha mérito ao escolher o bem, ele é dotado de livre
arbítrio, isto é, o homem é um ser livre.
A propriedade é defendida por Tomás de Aquino como uma conseqüência da
dignidade do trabalho humano. Através do trabalho o homem imita a Deus no seu
ato criador. Como resultado de seu trabalho, o homem tem bens particulares,
individuais ou privados, os quais ele os deve utilizar para seu próprio aperfeiçoamento
e de sua comunidade. A propriedade, porém,não é ilimitada em Santo Tomás. Deve
obedecer aos princípios comutativos e distributivos. O primeiro procura atingir
a justiça através da igualdade de vantagens e desvantagens nas relações de
troca e o no segundo a justiça se obtém ao distribuí-la na medida da
colaboração de cada um. Santo Tomás procura ,através da propriedade, livrar o
indivíduo da dependência total do Estado. Na propriedade o indivíduo estaria
numa esfera autônoma, podendo assim exercitar sua liberdade. Por outro lado, o
próprio poder de acesso à propriedade iguala os indivíduos na liberdade de
possuir. A questão das diferenças sócio-econômicas, pensa que elas derivam da
Providência e do trabalho pessoal. Quanto à primeira, é a ordem estamental
desejada e aprovada por Deus, e quanto à Segunda depende do esforço pessoal,
sua capacidade, e a sua própria disponibilidade de querer mais bens ou menos
bens, ou mesmo não querê-los como acontece com àqueles que seguem a vida
religiosa.
2.2.OS DISSIDENTES
A ala que não seguia literalmente a orientação da Igreja, os dissidentes,
teve como preocupação maior subtrair o poder civil da submissão da Igreja.
Embora tenham contribuído sobremaneira para um posterior governo calcado na
moral, na questão dos valores éticos a preocupação foi mínima. Nesse sentido, o
cuidado em reservar ao indivíduo uma esfera imune à ação avassaladora do Estado
ou mesmo de maiorias, ou minorias, não mereceu a devida atenção dos
dissidentes. Frisamos, contribuíram na renovação do pensamento político em
outros ramos desse saber, mas descuraram na questão dos direitos fundamentais.
As correntes dissidentes apareceram no fim do século XIII e início do
XIV, quando o Papa já não possuía mais uma incontestável autoridade sobre os
príncipes. Nas várias lutas em que tomou parte, acabou corroendo-lhe o
prestígio, principalmente o moral.
Um dos exemplos de tentativas de submissão do poder temporal ao
espiritual ocorreu com o Papa Bonifácio VIII, que se opôs às pretensões de
Felipe, o Bello, e seu ministro Nogaret, que queriam tributar os bens
eclesiásticos. O Papa emite três bulas, reafirmando que “omnem creturam humanam
subesse romano Pontifici”.
2.2.1. - Dante de Alighieri
Um dos mais destacados representantes da doutrina que discordava da
submissão do Estado à Igreja, foi Dante Alighieri (1285-1321 d. C.).
A obra maior de repercussão, na época, que procurava combater a
doutrina oficial da Igreja, foi a “De Monarchia” de Alighieri. Defende o
governo romano, de um só homem, sobre todo o mundo. Isto porque, tal soberano,
traria paz à humanidade e com ela adviria o desenvolvimento intelectual. Refuta
a idéia, então em voga, de que o Papa é o Sol, e o Imperador, a Lua.
Se nas relações, entre Igreja e Estado, Alighieri se alinha na corrente
dissidente, quanto à concepção da norma, permanece com a vertente naturalista.
Pensa que haveria uma hierarquia de normas para se obter a harmonia dos cosmos.
Primeiramente viria uma ordem natural. Nesta ordem natural, no pensamento de
Alighieri, há uma disposição que deve ser mantida, tanto por si mesma como pelo
homem. A ordem natural deve ser seguida, e não modificada. É universal e
necessária. Seriam as normas éticas válidas para todos. O direito, a ordem
humana, e por isso moral, deve esforçar-se para não quebrar a ordem dada pela
natureza. Por isso, o ponto de partida, e o termo final, será sempre a ordem
natural. Legislar significa respeitar a própria natureza, e nisso reside a
legitimidade do direito.[44] E, conforme ele, o Império Romano é obra da própria
natureza. Quando os romanos submeteram os povos, estavam agindo de acordo com a
natureza, que tinha destinado um povo para governar o universo.
No Livro III, Dante tenta provar que o poder do monarca romano proveio
diretamente de Deus, e não através de “algum vigário ou ministro de Deus”.
Havendo uma continuidade entre natureza e Deus, o Império Romano é fruto da lei
natural, e a Igreja, da lei Divina. Conforme ele, não consta na lei divina que
os sacerdotes tivessem recebido poderes para instituir ou destituir soberanos.[45]
Contribuição ético-política: O fato de Dante ter deslocado o eixo da
legitimidade do poder, a ser buscado na natureza, e não na Religião - como se
fazia na Idade Média - possibilitou uma abertura para o avanço do pensamento
político, que, de teocrático, evoluiria para antropológico. Quanto ás normas
buscou fundamenta-las no lei natural.
2.2.2 - Marsilio de Pádua
Provavelmente, o maior crítico da subordinação do poder temporal ao
religioso, na Idade Média, tenha sido Marsilio de Pádua (1275-1343 d. C.). A
principal obra deste pensador, é a “Defensor Pacis”.[46]
Na questão ético-moral, embora Marsílio cite Aristóteles, a
interpretação que lhe dá é bem diversa da dada por Aristóteles, e outros
intérpretes da Idade Média. A questão do “natural”, por exemplo, é típica. Em
Aristóteles, o natural, e com ele a lei, englobando aspectos materiais,
culturais e morais. Em Marsílio, somente os aspectos materiais são levados em conta. Assim , o
fundamento da sociabilidade do homem, para ele, está nas necessidades materiais
- físicas e biológicas - desprezando o componente espiritual, como a linguagem
e a comunicação, citados por Aristóteles. O aperfeiçoamento, a virtude, não
consta em Marsílio, enquanto em Aristóteles são essenciais. A idéia de lei como
parte de um contexto natural, desaparece, para dar lugar tão somente a
convenções cuja finalidade é o bem estar material da sociedade. Em Aristóteles,
o natural não é apenas o originário, mas também o teleológico, o “para o qual”
dos seres. Marsílio considera o “natural”, apenas o primitivo, no caso do homem
somente seus atributos físicos e biológicos. São apenas predicados nativos,
esquecendo-se os adquiridos.
E como, os atributos físico-biológicos são comuns a todos os homens, a
conclusão de Marsílio é pela igualdade. E, se os homens são iguais, o poder
Supremo não pode estar com um ou alguns, mas com a totalidade deles, ou o
conjunto dos cidadãos, ou uma parte preponderante, eleita pela totalidade.
O respeito do conceito de Lei é decorrente, em Marsílio, da lei natural
num sentido “equívoco”, isto é, a lei natural não fundamenta o direito positivo
no sentido diverso de Aristóteles e Cícero.[47] Aborda-o em si e justificando-o por si. Para
Marsílio, a lei deve obrigar, nisso residindo sua essência. Enquanto na linha
Aristotélica a grande preocupação era a justiça, em Marsílio, era a vontade do
legislador. Conforme ele, haveria duas espécies de leis: a divina e a humana,
ambas porém, escritas, isto é, positivas. Na primeira, estaria expressa a
vontade de Deus, na segunda, a “valentior pars” ou “universitas civium”. E,
como o povo transfere a soberania para o governante, a vontade do governante,
expressa na lei, deveria obrigar todos os cidadãos.
No que tange à política não só defende a separação do poder temporal e
espiritual, como a subordinação deste àquele. Diz ele que a Igreja é formada
por todos os cristãos que têm por objetivo a felicidade eterna. Todos os cargos
eclesiásticos são iguais, e não deve haver limites territoriais para o
exercício das funções religiosas. Para ele, São Pedro era igual aos demais, não
tendo primado algum sobre os outros, inclusive, é duvidoso que tenha estado em Roma. O poder do Papa foi
usurpado dos Bispos e fiéis, com condescendência dos imperadores. O poder
supremo da Igreja não está no Papa, mas no Concílio Ecumênico, cujos
representantes seriam eleitos pelos fiéis. Quem deve convocá-lo é o executivo
do povo romano, isto é, o imperador. O poder dos papas não pode ir além do
conferido pelo povo cristão através de seus representantes e o imperador.
Igualmente, caberia ao povo aos fiéis, elegerem e depor o Papa, com a sanção do
Imperador. O mesmo se daria com os Bispos e presbíteros. A Igreja não tem poder
coativo sobre os fiéis, cabendo este poder ao civil. Para haver paz e
tranqüilidade, pensa Marsílio, a Igreja deveria estar subordinada ao Estado.
Três conceitos fundamentais compõem o pensamento político de Marsílio:
o povo, a cidadania e a parte preponderante (valentior pars). Para ele, povo
abrange a totalidade da sociedade, aproximando-se de Cícero, com o significado
do termo populus, mas afastando-se de Aristóteles que abrangia uma parte da
sociedade. Para Marsílio, povo abrange agricultores, operários, nobres e clero.
No que concerne o conceito de cidadania, Marsílio segue Aristóteles, para quem
os cidadãos eram os que tinham parte ativa na comunidade civil, quer nas
funções deliberativas, quer judiciárias, excluindo-se as crianças, os servos e
mulheres. Quanto à representação, Marsílio antecipa-se a Rousseau. Embora as
leis possam ser elaboradas por um grupo restrito, elas somente terão validade
se tiverem a sanção popular:[48]
A “valentior pars” entende uma significativa participação numérica e ao
mesmo tempo o destaque na sociedade, em outras palavras, implica na quantidade
e na qualidade. Dela fazem parte todos os que potencialmente podem exercer
alguma função na vida pública. Por isso, povo e “valentior pars” praticamente
se identificam. O povo deve participar diretamente na elaboração das leis.
Contribuição ético-política: a proposta de Marsílio inclui uma
subordinação da Igreja ao Estado. Em relação à ética isto institui a possibilidade
de uma autonomia em relação ao poder religioso e como tal uma moral ou ética
consensual. Uma ética decorrente de uma religião só unanimemente ou autoritariamente
pode ser estendida a toda uma sociedade.
2.2.3 - Guilherme de Ockham
Diferentemente de Marsílio, Guilherme de Ockham (1270-1347 d. C.), em
vez de propor a submissão do poder espiritual ao temporal, distingue os
diversos poderes e atribuições, através de categorias de leis. No “Diálogos”,
procura delimitar a esfera de ação de Igreja e Estado. A estratégia,
evidentemente, seria a oposição às pretensões papais, ou o domínio do
espiritual sobre o temporal.
Para justificar seu pensamento, Ockham apela para a origem diversa de
direitos. Há, conforme ele, normas que provieram de Deus, da natureza e do
homem. As primeiras seriam divinas e como váludas para todos seriam éticas,
enquanto as segundas seriam criadas pelo homem e por isso morais. Não caberia
ao Papa suprimi-las, perturbá-las ou violá-las. Se às normas divinas se deve
obediência as humanas surgidas por desígnio de Deus ou da natureza, teve uma
evolução laica, dever-se-ia respeitá-las.
Quanto à fundamentação da ética, Okham se faz seguinte pergunta: o que
é mais útil para a Igreja e Estado? À Sociedade e ao Indivíduo? A resposta
lógica, encontrada por Ockham é a Liberdade de cada um na sua esfera. O que
acarreta prejuízos: União de Igreja e Estado, a intromissão mútua, desrespeito
às crenças pessoais, ataque à liberdade. Por isso, deve ser isto afastado.
Logo, o utilitarismo deveria ser o fundamento da ética e da moral.
No que se refere ao político, para ele, o Papa teria recebido de Cristo
um poder restrito, tanto temporal como espiritual. Este poder governaria a
comunidade de fiéis, mas despojado da possibilidade de converter-se em poder
tirano. O poder papal teria como limite o direito natural, o direito das gentes
e a leis civis. Vê-se, por isso, que a lei natural é distinta das demais leis,
e se apresenta como instância da natureza humana. Das sociedades entre si,
valeria a lei das gentes, dos membros de uma determinada sociedade entre si,
valeria a lei civil daquela sociedade, e da humanidade valeria o direito
natural.
A autoridade papal não vai além das questões que têm fundamento no
Evangelho, como sacramento, ordenação, formação do clero. Além da lei do
Evangelho, não pode exigir obediência de ninguém, embora pudesse aconselhar.[49]
Contribuição ético-política: por caminhos diferentes dos de Marsílio
propõe também uma ética consensual e em vez da subordinação do poder espiritual
ao temporal, a separação.
III- A EXPERIÊNCIA ÉTICO-MORAL DA IDADE MODERNA.
1. O RENASCIMENTO
O fenômeno mais marcante, constituindo-se num divisor entre a Idade
Média e a Idade Moderna, foi o Renascimento que se estende do século XV ao XVII
d.C. A Idade Média está impregnada pela idéia de autoridade, presente em todos
os campos do saber e da convivência política. A autoridade religiosa (o Papa),
a autoridade política (Imperador), a autoridade filosófica (Aristóteles e Santo
Tomás), a autoridade científica (a Bíblia), enfim, a autoridade fonte de
conhecimento e comportamento.
Alguns acontecimentos ocasionaram a mudança do autoritarismo, baseado em
fundamentos externos ao homem, para um autocratismo, sustentado no julgamento
pessoal e no convencimento. Por ocasião da Queda de Constantinopla (1453), os maiores
intelectuais gregos tiveram que se refugiar na Europa, mormente Itália,
injetando nela uma genuína cultura grega ainda não atingida pela "cristianização".
Desse fenômeno surge um novo humanismo, diferente do medieval, este impregnado
de ascetismo. Evidentemente o intercâmbio entre Oriente e Ocidente começara bem
antes, mormente com as cruzadas. No entanto, a vitória do Islamismo sobre o
cristianismo em Constantinopla precipitou uma fuga em massa dos intelectuais
para o Ocidente, onde o Cristianismo era ainda a religião oficial da Europa.
Outro fenômeno relevante foi a invenção da imprensa, que permitiu
difundir, no meio laico, a cultura, até então quase exclusivamente reservada
aos que se dedicassem à vida religiosa.
Uma terceira causa, foi o alargamento do conhecimento da terra bem como
as mudanças na concepção de universo. Nesta última, ressalta-se o abandono do
sistema ptolomáico, pelo copernicano.
O fenômeno da cisão da cristandade ocidental constituiu-se no fato da
maior importância, pois os princípios advindos da reforma protestante
influenciaram sobremaneira a religião, economia e política, sem falar na moral,
que terá repercussões sobre as três anteriores.
Na política, o advento de novas doutrinas, que, embora antevistas na
Antigüidade e Idade Média, não lograram uma sistematização, de modo que
pudessem ser propostas visíveis ou ao menos tentadas na sua operacionalização.
As grandes questões que surgem são a discussão do poder em si, seu fundamento,
origem e finalidade. As relações entre indivíduo e sociedade, governantes e
governados, as relações entre indivíduo, sociedade e Estado, e vice-versa, são
alguns dos temas centrais do novo debate político. A grosso modo, duas grandes
vertentes surgem nessa época: o poder absoluto do Estado, dispensando-se a participação
popular e a liberal, exigindo a participação da comunidade na política. A prática
consagra primeiramente a liberal e, posteriormente, através de um movimento
"a se", de dentro do próprio liberalismo, chegar à democracia. A
proposta "democrática", pela tergiversação em torno da representação,
tem como conseqüência o democratismo, apresentando-se com versões autocráticas
ou mesmo totalitárias.
Na Renascença tem lugar um movimento intelectual denominado de Humanismo.
Ele significa a valorização do homem, elevado quase à categoria divina, senhor
de si e do universo. É, na verdade, o retorno às fontes primeiras na concepção
de homem. No entanto, este conceito nunca mais poderia ser da mesma natureza
que a concepção pagã. Quinze séculos de cristianismo não poderia, de uma hora
para outra, serem sepultados. O Cristianismo já havia assimilado tanto o
paganismo como o judaísmo e fundidos numa só cultura, embora as duas vertentes
anteriores continuassem. Significa que nem judaísmo, e em maior escala o
paganismo, haviam sido eliminados. De modo que, os Renascentistas ao se
proporem a volta às fontes pagãs não pretendiam sepultar os mil e quinhentos
anos de cristianismo. O Cristianismo era uma realidade que havia impregnado
toda cultura européia.
Como a Renascença a ética e a moral foram predominantemente
neo-platônicas. A preocupação com um conjunto de valores consensuais em torno
do homem ficou prejudicada pois a maior parte das grandes propostas
renascentistas foram coletivistas, como, por exemplo, Tomás Morus. No
contraponto, Nicolau Maquiavel, com autocratismo político e liberalismo
econômico. Apresentaremos estes dois pensadores como protótipos da ética
renascentista.
1.1. Thomas Morus.
Thomas Morus (1478-1535 d.C.), pode ser considerado um modelo de
coletivismo ético emerso na Renascença. Era um alto membro da hierarquia
eclesiástica na Inglaterra, bispo, e canonizado como santo pela Igreja católica,
por Pio XII. Viveu sob o governo de Henrique XVIII, num ambiente de tensão religiosa,
causado pelos atritos entre a as pretensões de Henrique XVIII e a Igreja, disputas
políticas, devido ao avanço das pretensões absolutistas da coroa em detrimento do
Parlamento e desafios morais, pela determinação do rei de anular seu primeiro
casamento e casar-se com Ana Bolena. Tomás Morus, tinha que conciliar a amizade
do rei e a fidelidade a Roma. Não demorou em que teve que optar: ou rei ou o
Papa. Optou pelo Papa, e pagou com a vida.
Morus não podia falar abertamente e nem diretamente, por isso, no seu
livro Utopia utilizou um artifício, isto é, um discurso indireto e jocoso.
Um estranho, Hythloday, de Antuérpia, Holanda, conversa com Morus e
descreve a vida de uma comunidade numa ilha chamada Amaurote. Nesta vivia a
comunidade de Utopia. Os termos designativos de lugares, instuições ou mesmo
modus vivendi foram buscados no grego, usados de tal forma que sempre se negam,
como Utopia significa “lugar sem lugar”, o rio Anidra que quer dizer água sem
água, ou a instituição política do Insenato Mentirano, querendo dizer um Senado
de mentira e assim por diante.
Saltam à vista dois aspectos fundamentais da obra de Morus: um é o
político e outro é o social. Quanto ao primeiro,o político, Thomas propõe nada
mais e nada menos que a eleição dos governantes máximos. Descreve a Utopia,
apresentando uma intrincada organização política, mas que, no final, quer sob
formas diretas, ou indiretas, os governantes emergiam de eleições. As cidades
de Utopia eram organizadas em comunidades de trinta famílias que elegiam seus
líderes, os sifrogantes. Estes elegiam uma espécie de Conselho e este elegia o
Rei. O rei provinha de eleição e não por hereditariedade, como acontecia, e sua
legitimidade dependia da aprovação popular e não por “direito divino”.
Em questões éticas com exceção da igualdade,os demais valores são tidos
como inferiores. Ninguém possuía uma liberdade pessoal, muito menos
propriedade, considerada coletiva. A vida era totalmente tutelada pelo poder
público.[50]
Contribuição ético-política: a participação da comunidade na
constituição e exercício do poder.
1.2. Nicolau Maquiavel
Nicolau Maquiavel (1469-1527 d. C.) apontado como o pensador político que
por primeiro tratou a questão política como tema autônomo, tanto da religião,
como da moral religiosa. Por isso, sua grande contribuição ter estudado o fato
político em si e dele se extraindo conseqüências úteis para o conhecimento e a
prática política. Com ele surgia um ética e uma moral desprendida da religião.
Um dos grandes objetivos desse pensador será estudar a causa da
decadência dos Estados, e os meios de que os governantes dispõem para torná-los
permanentes. A preocupação será manter-se no poder e garantir a soberania do
Estado, tanto interna, como externamente, através do governante inatacável. Mas
onde deve se apoiar o governante, para ser forte o suficiente para que ninguém lhe
faça oposição? Paradoxalmente, Maquiavel defende um governo autocrático, com
apoio popular. Inúmeras são as passagens em que aflora essa idéia, tanto no
Príncipe, como nos Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio. Insinua um
pacto direto com o povo, em detrimento dos poderosos, quer dos nobres ou dos
burgueses. Para tanto, o Príncipe deve tornar-se protetor dos mais fracos, o
verdugo dos mais fortes e couraça contra os estrangeiros.[51]
O poder, para Maquiavel, deve ser exercido em plenitude pelo seu
detentor. Para atingir tal objetivo pode lançar mão dos meios lícitos e
ilícitos, mas sempre contar com o apoio popular, porque sem este, conforme
Maquiavel, ninguém poderá manter-se muito tempo no governo. Para tanto, deve
ser mau, quando for necessário, ou bom sempre, ao menos que o povo creia nisso.
Por isso, o governante dever ter a prudência necessária para parecer: ora ladrão,
ora pródigo; ora cruel, ora piedoso; perjuro ou leal; pusilânime ou truculento;
humanitário ou soberbo; lascivo ou casto; estúpido ou astuto; grave ou leviano;
religioso ou ateu. De conformidade com a conveniência das circunstâncias, para
manter o apoio popular, ter a firmeza necessária perante os poderosos pode
escolher a "virtude" mais apropriada.[52]
Em Maquiavel, encontramos três princípios ético-morais fundamentais que
regem as relações políticas:
1º) Indiferença moral. O governo e o governante devem estar acima do
povo, e das questões morais. O fim sempre é o bem do Estado. E neste caso, os fins
justificam os meios. Não há um limite, ou uma esfera intocável, ou até mesmo um
conjunto de valores éticos consensuais. O governante, através do Estado, está
autorizado a fazer tudo o que achar que for necessário para defender o Estado.
2º) A natureza humana é essencialmente egoísta. Os indivíduos somente
são bons por conveniência. O natural é a agressão mútua. Por isso, há
necessidade de um governante que os defenda. Todos sempre querem mais. Ninguém
se contenta com o que tem. O bom governante não deve reprimir este desejo
inato, mas promovê-lo. É nisso que está o sucesso de seu governo. Se todos
progredirem, ou quantos mais houver quem progrida, mais aceito é o governante. Além
disso, em decorrência do desejo de querer sempre mais, todos querem viver e ter
propriedades. O governante deverá promover este desejo, e nunca se apropriar de
propriedades dos súditos. É preferível que o governante mate, mas não roube. Neste
aspecto a ética de Maquiavel afasta-se totalmente do protecionismo econômico e
antecipa-se aos princípios éticos do liberalismo.
3º) Legislador onipotente. O governante é o legislador, função esta que
deve ser exercida por uma única pessoa, que, de preferência, faça de imediato
todas as leis, e boas, para não haver necessidade de futuras reformas. Uma vez
feitas as leis, estas devem ser obedecidas. Através das leis, o legislador ou governante,
fará a sociedade. Esta é a imagem de seu governante. Para tanto, deve manter
uma força militar para ter poder efetivo e manter o povo submisso.
Conforme Maquiavel, as leis são meras criações da vontade de alguém.
Não há, conforme ele, nenhuma relação com a ordem universal, vontade divina ou
expressão da natureza. Na Introdução dos “Comentários”, diz as leis não passam
de sentenças dos jurisconsultos. Para ele, portanto, as leis são de origem
moral, isto é, dos costumes de uma sociedade localizada. São por isso meras
convenções ou instrumentos de que os governantes podem lançar mão para poderem
se manter no poder. As leis são feitas pelo governante para que o povo obedeça
e com isso, conforme ele, seja feliz e livre.
Maquiavel insiste em diversas passagens, da necessidade de o povo
participar. Esta participação se daria, conforme ele, na possibilidade de o
povo poder de denunciar os assessores do governante. O chefe supremo deveria
estar imune às críticas, mas seus coadjuvantes poderiam ser criticados. Maquiavel coloca esta questão no problema
de equilíbrio de poder. A quem se deveria confiar o fiel da balança: ao Senado,
ou ao povo? O primeiro possui os privilégios, não os quer perder, ao contrário,
quer aumentá-los. O segundo, não possui nada, quer agora um pouco, e mais tarde
tudo. Inevitavelmente as inimizades entre ambos, nobreza e povo subsistiriam. Pensa
ele, no entanto, que caberia ao povo, ou a seus representantes, o poder de
denunciar publicamente os escândalos dos colaboradores do governante. Isto por
duas razões capitais: a primeira, porque serviria de dissuasão para todos os
que pretendessem atentar contra o Estado. Caso se concretizasse, os que se
atrevessem seriam, de imediato, castigados. A segunda, porque seria uma válvula
de escape às paixões latentes de uns cidadãos contra os outros. Quando não
encontram meios previstos em lei, assumem proporções ilegais, desestabilizando
o Estado. Uma punição legal uma vez ou outra impõe a ordem pública e ela sempre
é melhor que exercida por particulares.[53]
Vê-se, portanto, que Maquiavel politicamente alinha-se numa vertente
populista. Há, sempre, nesta linha de pensamento, uma associação entre o
absolutismo e o apelo popular. Não se considera a norma como resultado de um amplo
contexto, o consensual ou mesmo natural mas meras criações voluntaristas dos
legisladores. O governante, desde que consiga o respaldo popular, pode
dispensar grupos intermediários e governar discricionariamente.
Contribuição ético-política: Maquiavel inaugurou uma ética e uma moral
laica. Com isso abriu caminho para uma ética consensual, a qual, num ambiente
de predomínio religioso, era muito difícil senão impossível.
2. O Iluminismo.
Durante a Idade Moderna, no século XVII, tornou-se hegemônica uma
idéia-eixo que imantou em torno de si pensadores políticos de diversas
tendências ideológicas. Trata-se do contratualismo que, politicamente,
propugnava para a queda do Absolutismo, divisão e limitação do poder e
instituição de um governo de origem popular. O contratualismo, porém, não só
dizia respeito a questões de governo- relações entre governantes e governados-
mas também na convivência dos cidadãos, na participação dos bens, na submissão
às mesmas leis, e principalmente no esforço de salvaguardar o indivíduo perante
o poder. E nisso desenvolveu eminentemente um pensamento ético.
Precisamente na concepção de lei que se estabelecerá o divisor
ideológico dos contratualistas. Neste particular a divisão que se estabeleceu
foi entre os partidários do jusnaturalismo e os partidários do
convencionalismo. Entre os primeiros podem ser citados Jean Bodin, Hugo Grócio,
Thomas Hobbes, Samuel Pufendorf, com John Locke, culminando com Emanuel Kant.
Entre os segundos poderiam ser enumerados François-Vicent Toussaint, Claude-
Adrien Helvetius, François-Marie Arouet, Denis Diderot, Paul Henri Dietrich e Jean-Jacques
Rousseau.
Os jusnaturalistas defendem uma moral natural (evidentemente além de um
direito positivo), e lhe atribuem procedência e supremacia em relação aos
demais direitos e leis. Pela moral natural ou pela lei da natureza o homem se
torna partícipe da natureza, do cosmos e mesmo da divindade. A moral natural dá
origem a um conjunto de direitos naturais que não podem ser objeto de
questionamento por parte do poder político, pela maioria, pela minoria ou por
quem quer que seja. Eles, a priori, devem ser reconhecidos. As leis naturais,
contextualizadas no direito natural, devem ser acatadas de imediato, como
normas gerais a nortear as leis positivas. Neste sentido, a natureza seria um
modelo e uma fonte inesgotável de pesquisa por parte do homem. Não, porém,
qualquer natureza, mas a humana. Por isso a lei natural é a lei presente no
homem, que chega mesmo a ser atribuída à divindade por alguns autores. Mesmo em
pensadores autoritários como Hobbes, a transferência de todas as prerrogativas
ao Leviathan, faz-se para garantir os direitos primeiros e a lei natural.
Os convencionalistas, por sua vez, são contra a existência de uma moral
natural e dão uma interpretação diferente à lei natural. Ela não pode ser
buscada na experiência, na História ou em qualquer que seja a sociedade
constituída. Nesses casos concretos ela já está deturpada. Eliminada a
experiência, e afastada a hipótese de uma dádiva divina, resta a razão.
Seguindo os passos da razão o homem pode chegar ao verdadeiro ser humano, individual,
puro, dotado do sentimento geral de “humanidade, sem ciência ou arte,”. Este
homem, concretamente não existe mais, pois foi corrompido pela ciência e
técnica. Por isso, é necessário encontrá-lo em seu estado natural na razão. A
razão elaborará as leis, aquelas que a razão dos homens convencionarem que
sejam as melhores. Por isso as leis não têm outro fundamento senão a razão.
2.1. Os jusnaturalistas.
2.1.1. Jean Bodin
A questão fundamental e política, trazida para o debate por Jean Bodin
(153O-1596 d.C.), foi a soberania e dela decorre a ética. Nos períodos
anteriores, o tema foi quase sempre tergiversado. Bodin o encarou de frente e
se não conseguiu dar uma resposta satisfatória, à altura dos conhecimentos em ciência política da época, cabe-lhe
o mérito de ter procurado a solução. Não se pode dizer que tenha conseguido uma
distinção clara entre governo e soberania, distinção esta conseguida com
Rousseau. Conforme ele, há três formas de soberania: monarquia, aristocracia e
democracia. Outros pensadores haviam proposto, mas como forma de governo,
inclusive, Aristóteles. Esses aceitavam formas mistas. Bodin rechaça-as,
qualificando-as de "corruptiones rerumpublicarum". E sua preferência
será pela monarquia, pois, conforme ele, a mais eficaz, pois na pessoa do rei
concentram-se a força, o poder e a unidade do Estado. Os caracteres essenciais da
soberania são poder absoluto, ou indivisibilidade e a unidade, bem como a
perpetuidade, que estão então afetos à soberania do poder de fazer leis.
No pensamento de Bodin, quem faz alguma coisa é superior à sua criação.
Logo, quem faz as leis é superior a elas. Só não superior àquilo que foi feito
por outros, tais como as normas divinas e as leis naturais. Internamente, o
legislador não tem limites. Só presta contas a Deus e à Natureza. Os cidadãos
sequer têm o direito de rebelião contra a tirania. Além dessas funções
legislativas, a soberania ainda exercia funções executivas e judiciárias, tais
como: castigar os delitos, perdoar os condenados, declarar a guerra e fazer a
paz.
O sujeito da soberania é o corpo político, o conjunto dos cidadãos, ou
as famílias, pois estas se constituem na primeira comunidade natural, o grupo
social criado pelo próprio Deus. No corpo social está depositada a soberania e
nele se perpetua. Como, porém, o povo, na prática, não pode exercer a soberania,
ela é delegada a um ou vários representantes. E sendo a monarquia a melhor
forma de governo, conforme Bodin, ela representa, na prática, o corpo social.
Quem recebe a delegação da soberania, recebe também seus caracteres, qual seja,
a unidade, a indivisibilidade, o absolutismo e a perpetuidade. O monarca,
detentor da soberania, pode ditar leis sem consultar seus súditos, pode
intervir em todas as atividades da sociedade, públicas ou privadas, escolher a religião.
Não pode ser julgado, nem deposto. Somente perante Deus responsável. Em Bodin,
encontramos a idéia de soberania depositada e exercida pelo monarca. Em decorrência,
o regime proposto é o absolutismo, cuja legitimidade teria por pilastra a delegação
do corpo prático. Nem por isso, no entanto, o monarca tem o direito de governar
com tirania. Neste aspecto, contraria Maquiavel, pois Bodin entende que o
governo do monarca deve se pautar pela moralidade e levar em conta o direito
natural. Opondo-se ao tirano, o rei, conforme Bodin, deve realizar a piedade, a
justiça e a fé[54].
Apesar destas ressalvas individualmente, ninguém tem garantia nenhuma.
Tudo depende da boa vontade do monarca, que presta contas natureza, a Deus, mas
não ao indivíduo ou à sociedade. Os indivíduos ficam dependentes da moralidade
do monarca. Se a nação tiver a ventura de ser governada por um monarca que respeito
as leis morais, então os valores morais serão respeitados. Caso contrário,
imperará a tirania.
1.2 - Hugo Grócio
Tomando como tema de fundo os problemas internacionais, pois no período
nem Papa, nem Imperador podiam exercer efetivamente uma hegemonia nessas
questões, Hugo Grócio (1583-1645 d. C.) enfrenta os problemas morais e éticos ma obra:
"De Iure Belli ac Pacis".[55]
Para ele, o direito natural tem sua razão de ser na própria natureza humana.
Como o homem é um ser criado por Deus, por extensão, o direito natural deriva do
próprio Deus, como ensinaram Santo Agostinho e Santo Tomás. O homem,
considerado puramente natural, conforme Grócio, não teria direito nenhum. Seus
direitos emergem de sua natural sociabilidade, que lhe é intrínseca, e não
decorrente apenas da necessidade, interesses ou conveniências. Embora não
tivesse necessidade ou interesses, assim mesmo o homem procuraria seus
semelhantes para constituir uma sociedade pacífica e racional. Diz ele:
"Nam naturalis iuris mater est ipsa humana natura, quae nos, etiamsi re
nulla indigeremus, ad societatem mutuam appetendam ferret."
Grócio vincula o direito natural, não propriamente ao homem em si, ou a
sua natureza, mas a sua sociabilidade. Consequentemente, só enquanto o homem
for um ser social, e não individual, ele será sujeito direitos naturais.
Inexistindo sociedade, desaparece o direito natural. Esta idéia será retomada
por Rousseau, concluindo que todos os direitos decorrem da sociabilidade,
inclusive os naturais.
Para ele não há uma ética extensiva a todos os homens. Apenas aspectos
morais que se manifestam em sociedades concretas ou históricas. Embora diga que
o direito natural, ditado pela reta razão, indica a bondade ou maldade da ação,
sua conveniência ou inconveniência com a natureza racional, não lhe opõe limite
à esfera do social. Disso decorre que a moral é fruto do grupo hegemônico do
momento. Consequentemente, na prática, será absoluto e exclusivista.
O direito, por sua vez, é conseqüência de convenções, ou apenas
sociais. Não há direitos individuais, apenas sociais. Não sendo os direitos
decorrentes da natureza humana ou inatos, mas conseqüências do princípio da
sociabilidade, eles são tão somente corolários do social. E se a sociedade os
dá, ela também pode tirá-los.
Em que pese o fato de separar a moral da teologia, significativo
avanço, no sentido de evitar o exclusivismo confessional, não isola alguns
princípios básicos referentes à natureza humana, sem os quais o homem, ou
ficará mutilado em sua dignidade, ou deixará de ser homem.
Grócio distingue contrato social e pacto social. Pelo primeiro se
constitui a sociedade e pelo segundo o governo. A sociedade nasce do
"appetitus societas". Para Grócio, diferentemente de Locke, a
passagem do "estado de natureza" para o convívio social, deu-se, de
fato, historicamente. Desde o momento em que o homem se congrega com os
semelhantes, aflora a sociedade e, a partir de então, começa a ser elaborado o
direito civil positivo. No entanto, não foi um ato racional, premeditado na sua
concretização, mas circunstâncias, fortuitas, oportunistas, ou até mesmo opiniões,
que levaram o homem ao contrato. Foi, portanto, um ato externo.[56]
Ocorrido o contrato, de imediato nasce o pacto, isto é, um governo, uma
autoridade, uma "praesuntio iuris e de iure". Feito o pacto, a
comunidade passa a ter uma obrigação de obedecer para sempre ao soberano.
Supõe-se que doravante a obra dos governantes esteja de acordo com a comunidade.
O aceno de Grócio , portanto, aponta também para o absolutismo. De origem
popular, pelo pacto, torna-se definitivo para as gerações vindouras. Por esta
doutrina instala-se o relativismo moral em relação ao respeito à vida e à
propriedade, bem como o exercício de liberdade em condições de igualdade.[57]
1.3 - Thomas Hobbes
Embora seguisse uma linha de pensamento coletivista, como o fizeram
Maquiavel e Grócio, Thomas Hobbes (1588-1679), foi um dos maiores jusnaturalistas
da época Moderna. Com ele a questão dos direitos do homem começou a ser tratada
sistematicamente, isto é, discute-se em si a vida, a liberdade, igualdade e
propriedade. Nos pensadores anteriores os direitos do homem eram abordados no
contexto e como conseqüência, como por exemplo, a questão do depositário da
soberania. Se toda soberania é entregue a um determinado indivíduo, como um
rei, qual a margem de liberdade que sobraria para os indivíduos? Com Hobbes,os
direitos do homem começam a ser debatidos diretamente. Como podem e qual a
melhor maneira de os indivíduos sobreviverem? Como é possível os homens
conviverem e ao mesmo tempo serem livres. Podem os homens serem iguais e ao
mesmo tempo livres? Iguais em tudo ou em quê?Aquilo que o homem consegue com
seu esforço, trabalho, capacidade e dons naturais, pode reservar para si, ou
terá que colocar à disposição dos demais? Todas estas questões, a partir de
Hobbes são colocadas para discussão, sobre o grande princípio do direito de
natureza.
O princípio supremo da natureza o poder de usar a liberdade e, por
isso, lançar mão de todos os meios, para que cada um defenda sua própria vida.
Consequentemente, o bem maior, o bem-tronco do qual outros adviriam, seria
apenas a vida. Diferencia-se, portanto, Hobbes, da vertente de Santo Tomás,
Aristóteles, Cícero e Santo Agostinho, para os quais, além da vida, há outros
valores igualmente válidos que engrandecem o homem, tais como: a liberdade, a
propriedade, o aprimoramento moral e outros.
Conforme ele, em estado de natureza, cada homem pode dispor totalmente de
sua liberdade. Ora, se todos assim o fizerem, maxime na defesa de suas vidas,
ocorrer uma guerra de todos contra todos. Daí surge a primeira lei da natureza:
1ª) Procurar a paz e segui-la.
Ora, para conseguir isso, o homem não pode poupar esforços. Deve tirar
proveito de todas as circunstâncias para manter a paz. Disso decorre a segunda
lei:
2ª) Defendermo-nos por todos os meios possíveis.
Ora, se assim todos o fizessem, teríamos o caos da guerra generalizada,
logo, será necessário encontrar uma fórmula, que também seja um meio, para se
assegurar a paz. Esta fórmula consiste em que cada um aceite transferir seus
direitos, sem restrições. É o contrato. A partir deste ato, contrato, não há
mais retorno, isto é, a terceira lei:
3ª) Cumprimento dos pactos.
Nisso consiste a justiça, no cumprimento dos contratos, porque conforme
Hobbes, no período anterior, estado de natureza, nada seria injusto, pois todos
teriam direito a tudo.
Há dois tipos de transferência: o do contrato e o da graça. O primeiro transfere
direitos mútuos, mas o segundo uma doação, ou graça. Este também pode perturbar
a paz, pois o doador, não vendo cumprida sua expectativa, pode revogar seu ato,
e, consequentemente, voltaria ao estado de guerra, ou de natureza. Por isso, a quarta
lei:
4ª) O benefício por uma graça, satisfaça a expectativa do doador.
A vida em sociedade exige certas renúncias, sem as quais seria
intolerável. De certo modo, cada um deve renunciar a certas comodidades para o
bem de todos. Disso decorre, a quinta lei:
5ª) Esforçar-se para ser sociável.
Outra exigência é pôr uma pedra em cima do passado, e fazer “tabula rasa"
do período anterior. É preciso começar tudo com uma forte inspiração moral, de
bondade e de boa vontade de uns para com os outros. Disso resulta a próxima
lei:
6ª) Perdoar as ofensas passadas e arrepender-se delas.
Como conseqüência, provém a sétima e oitava leis da natureza:
7ª) Banir a vingança.
8ª) Ninguém deverá devotar, nem demonstrar, por qualquer sinal,
desprezo pelo outro ou declarar ódio a seu semelhante.
Conforme Hobbes, foram as leis civis que determinaram a desigualdade dos
homens. Em estado de natureza, todos são iguais. Expressamente, contradiz
Aristóteles, na Política, que fundamenta a desigualdade na natureza. Pensa que
todos são iguais por ela. Daí a nona lei:
9ª) Que cada um reconheça o outro, igual, por natureza.
E dessa lei decorre outra, isto , que, ao se abandonar o estado de guerra,
ninguém queira adiantar-se aos demais:
10ª) Começar em igualdade de condições.
Em relação à divisão dos bens, Hobbes pretende que se busque justiça,
por isso, a lei.
11ª) As coisas indivisíveis, sejam comuns, as divisíveis sorteadas.
No caso de alguém bem que não possa ser dividido, nem gozado por todos,
Hobbes apela para a experiência grega, utilizando-se do critério do sorteio, que
pode funcionar de duas maneiras: arbitramento, chamado de arbítrio, e o
natural, que dado por sorteio, chamado
pelos gregos de cleronomia [58]
Ponderável, como se percebe, a influência moral que Hobbes atribui ao
estado de natureza. Há um "ethos" subjacente transformação pretendida,
isto é, passagem da situação "bellum" para a "pax". E, no
fundo, há, também uma fortíssima dose de romantismo, pois tudo depende de uma
decisão voluntária e coletiva, como se, de um momento para outro, todos se tornassem
bons, só porque passaram da individualidade coletividade.
A vida em sociedade, e com ela a instituição de uma autoridade, distingue
os homens dos animais. Estes instituem naturalmente a sociedade e seu governo.
O homem deve fazê-lo artificialmente, ou através de um pacto. Diz Hobbes:
"Por último, o acordo vigente entre essas criaturas natural, ao passo que o dos homens surge através
de um pacto, isto é, artificialmente." [59]
Por que, deve haver um acordo artificial, convencional, um pacto entre
os homens para surgir a sociedade e a autoridade? Porque, conforme Hobbes, os
homens estão sempre envolvidos numa competição pela honra e dignidade. Disso
decorre a inveja e o ódio, e destes a guerra; entre os irracionais não há
distinção entre o bem comum e o individual. O homem, ao contrário, só sente satisfação
quando se compara com os demais, e percebe que os superou. Entre os brutos, por
lhes faltar a razão, ninguém se julga melhor que o outro, enquanto que no homem
há um desejo inato de uns se julgarem mais sábios que os outros, uns mais
capacitados que os outros. Cada um, portanto, quer exercer o mando político. Os
animais expressam pelos sinais o que de fato vai pelo seu interior. O homem, nem
sempre manifesta a realidade, muitas vezes dissimulando as verdadeiras
intenções. Nas criaturas irracionais basta a satisfação para que não se
ofendam. O homem, ao invés, quanto mais satisfeito estiver, maior será sua
ganância, e mais disposto estará para injuriar ou danificar os demais. Sendo
assim, a instituição da sociedade e governo, entre os homens deve dar-se através
da delegação de toda a força e poder a um só homem, ou a uma assembléia de homens,
e que reduza as diversas vontades a uma só vontade. Todas as vontades devem ser
submetidas à vontade de uma pessoa, ou assembélia, reconhecendo-se cada um naquela vontade. A partir
de então, a sociedade se chamará Estado, ou Civita, conforme os romanos, e
Polis, conforme os gregos. Assim nasce o Leviatã, ou Deus Mortal, apenas abaixo
do Deus Imortal. O titular dessa pessoa, ou entidade, se chama soberano,
possuindo um poder soberano. Os demais, são súditos, cabendo-lhes total e
irrestrita obediência.
O Estado, portanto, para Hobbes artificial e convencional. É uma
máquina onipotente que anula todas as demais vontades reduzindo-as, como diria
mais tarde Rousseau, vontade geral.
Há, como se percebe, uma aproximação das doutrinas jusnaturalistas dos
mais ou menos contemporâneos: Bodin, Maquiavel, Hobbes e Grócio. Todos defendem
um absolutismo de origem popular. Assentam-se sobre a lei natural, mas no
momento em que ela não se apresentar como limite de poder, descambará no
absolutismo.
A proposta de Hobbes,que alguns seguidores da atual social-democracia o
tem como fonte de inspiração, no afã de querer garantir tudo ao homem, mormente
os direitos individuais, postulam a defesa da liberdade real, em oposição à
formal do liberalismo. Para tanto, não bastaria que o Estado garantisse a
liberdade para que os indivíduos pudessem agir, pensar e sentir mas que fizesse
por eles. O Estado não somente seria o guardião dos indivíduos, mas seus
procuradores.
1.4 - Samuel Pufendorf e Jean-Jaques Burlamaqui
Os pensadores a seguir, Samuel Pufendorf, Jean Jacques Burlamaqui, João
Cristiano Wolf e Emer de Vatel, depositam a soberania em parte no monarca e em
parte no povo. Não são, por isso, radicalmente absolutistas e com isso deixam
aberto um espaço para os direitos do homem. O homem tem uma esfera que o poder
político deve conter-se.
Para Samuel Pufendorf (1632-1694), as leis são revestidas de um caráter
moral. A moral é responsável pela autoridade, propriedade e obrigações. Confere
legitimidade às autoridades, dá garantias de posse de coisas ou crédito de
bens, além de obrigar a fazer, receber ou sofrer algo. Antes de existir
sociedade, o homem recebe do próprio Deus uma lei, a lei natural. Esta lei natural
contém em si, em germe, o direito positivo. A lei natural, que essencialmente moral, nas relações sociais,
produzirá o conjunto de normas que regularão a vida em sociedade. As leis
divinas emanam da teologia e as leis humanas decorrem da lei natural "ex lumine
rationis". As leis humanas atingem somente externamente o homem, e não vão
além desta vida. Os deveres naturais do homem, os morais, que em última
instância foram dados pela divindade, podem ser assim resumidos:
1. Conhecer, amar e cultuar a Deus.
2. Conhecer-se a si mesmo, submetendo-se a Deus e respeitando o próximo.
3. Buscar a estima e a honra.
4. Trabalhar com moderação para enriquecer.
5. Submeter as paixões à razão.
6. Defender-se.
Pufendorf entende que os homens criam seres morais (entia moralia),
acrescentando qualidades às coisas para ordenar, valorizar o embelezar a vida
humana.[60] Estes seres morais regulam as ações humanas e
distinguem os brutos dos racionais.
Embora a natureza do homem seja boa, é também corrompida. Por isso o homem
deve valer-se da moral para limitar a liberdade no âmbito do bem. Através dos
"entia moralia", o homem se distingue dos animais, vivendo
racionalmente, cultivando seus talentos e tendo uma conduta correta.
Conforme Pufendorf, há dois estados: o de natureza e o civil. O
primeiro decorrente de sua própria natureza, da "humanitas". Está
regido por normas morais, direitos e deveres, originários da vontade divina.
Para ele a lei natural estendia-se a todos os setores da vida em sociedade,
inclusive a própria economia. Com isso introduzia um método original, a
observação da natureza para descobrir-lhe as leis, cujos seguidores se
estenderão pelos séculos posteriores.
O amor próprio do homem e a indigência do estado de natureza, fazem
nascer a sociedade. Nela procura estabelecer relações com seus semelhantes para
que se ajudem mutuamente. Em estado de natureza o homem vivia pacificamante, não
fazendo o mal, respeitando a propriedade e cumprindo as promessas.
Como se percebe, partindo de uma inspiração moral, Pufendorf procura proteger
a dignidade do homem em sua individualidade. Não dilui no social, embora não
prescinda dele. Embora em sociedade, cada homem, através dos "entia
moralia", desenvolve suas potencialidades em si mesmo e nas relações com
seus semelhantes. A forte influência cristã, permite-lhe descobrir a transferência
da pessoa humana, que não apenas um apêndice da vida social, mas inerente pessoa.
Na organização da sociedade política, pensava que se devia fazer leis fundamentais,
para delimitar o âmbito do exercício da soberania, isto , para que o rei governasse
dentro de certas regras, tais como a da convocação da Assembléia. Esta limitação,
evidentemente, excluía o absolutismo. No entanto, estas regras, Leis
Fundamentais, não anulavam a soberania real. O rei era o soberano, e não o
povo, embora se pautasse por normas préestabelecidas.
Há, na verdade, um compromisso moral entre o rei e o povo. O poder, por
isso, é limitado moralmente. Disso resulta que a soberania moral do povo é um
valor que será respeitado pelo rei.
Seu discípulo e seguidor, J. J. Burlamaqui, no século XVII, vai mais longe
quando advoga para a sociedade não só um compromisso moral do rei, mas reais
possibilidades de controle da soberania. Sempre que houvesse desrespeito às
leis fundamentais, obrigatoriamente era necessária a consulta ao povo. As leis
fundamentais não eram apenas garantias, mas expressão da liberdade da nação.
Burlamaqui não pretende atribuir a soberania ao povo, mas garantir sua
liberdade.[61]
1.5 - João Cristiano Wolff e Emer de Vattel
Seguindo a mesma linha da moralidade, João Cristiano Wolff (1679-1754)
quer buscar bases políticas estáveis. Busca sua inspiração no tomismo, mas com
marcantes influências de Leibniz e do estoicismo. Conforme Wolff, todas as
coisas tendem para a perfeição, e todo ser natural possui em si a sua razão suficiente.[62] Identifica a perfeição com a conformidade do ser com
sua natureza. Esta harmonia criada por Deus, quando alcançada, estar também de conformidade com o seu Criador:
Dos princípios morais, o maior diz respeito ao aperfeiçoamento pessoal:
"perfice te ipsum". Wolff aproxima-se do imperativo categórico de
Kant ao propor leis morais universais, tais como: faça aquilo que proporcione
sua perfeição e a do próximo.
Wolff procura princípios morais independentes da teologia, como o fez
Grócio. A perfeição se consegue na busca do bem e não do útil, e o bem
significa a perfeição da natureza própria de cada um. A idéia de lei natural
está inserida neste mesmo contexto. A lei natural não externa, pois não é dada
por nenhuma autoridade, mas uma lei "a se" e não "ab alio".
As leis naturais juntam-se as leis positivas, mas estas não anulam aquelas.
Conforme ele, há direitos e obrigações morais naturais (connatae), que deitam
suas raízes na natureza do homem, e direitos e obrigações adquiridos que se
assentam sobre a ação humana, e portanto são hipotéticos.
A sociedade nasce no momento em que os indivíduos se comprometem com o
bem comum. Deste momento em diante, a regra de conduta generaliza-se, passando
a enunciar-se: faça tudo o que possa contribuir para o bem estar geral e para a
manutenção da ordem e da propriedade comum. E a partir de então, inclusive as
autoridades, e mesmo o monarca, deverão se submeter às leis.
O jusnaturalismo de Wolff está inserido, também, num contexto de
proteção da dignidade do homem. As leis não são meras convenções, mas têm um suporte
moral, proveniente da lei natural. As leis positivas, oriundas das leis
naturais, não são criações arbitrárias do homem, mas têm um fundamento no
próprio contexto da natureza.
Quanto às relações da sociedade com o rei, atribui a soberania à
comunidade. Ela livre e independente, tendo em si mesma, a soberania. Quer
governe absolutamente, quer limitadamente, o poder do rei proveio do povo. As restrições
impostas a ele, as chamou também de Leis Fundamentais. Para Wolff, as Leis
Fundamentais não são um ato bilateral entre a nação e o rei, mas condições impostas
pela primeira, ao segundo. O Príncipe ficava na obrigação de respeitá-las, não
podendo modificá-las.
Apontava para o controle permanente dos atos do príncipe, evitando, assim,
possíveis opressões por parte do governante.
Por sua vez, Emer de Vattel, no mesmo período, identifica as Leis Fundamentais
com a constituição do Estado.[64] A tarefa de
elaborar a Constituição caberia a cada Nação, e devia fazê-lo atendendo às suas
circunstâncias peculiares. A Constituição, ou a soberania da nação, seria o
estabelecimento da ordem na qual trabalham em comum para obter as vantagens a que
se propôe. À constituição tudo estaria submetido: governo, legislativo e cada
indivíduo particular. Nesta linha de pensamento, Vattel comet um poder
representativo ao monarca, submetendo-o às regras constitucionais.
1.6- John Locke
O mais acabado jusnaturalista da Idade Moderna, da vertente liberal foi
John Locke (1632-1704)[65]. Este pensador inglês conseguiu reunir os diversos
fragmentos da doutrina liberal, esparsa nas tradições e leis do Reino Britânico.
Deu-lhe coerência e sistematização, buscou fundamentos filosóficos, e justificou
sua prática. Insere-se dentro da grande tradição da "Lei natural", que
vinha de Sócrates, Aristóteles e Cícero, bem como da doutrina estóica, no período
da Antigüidade. Na Idade Média, a vertente retomada, principalmente com Santo Tomás. E na
Idade Moderna, sintetiza as diversas manifestações liberais surgidas na Europa.
Ninguém, como Locke, procura salvaguardar o indivíduo de possíveis ataques da
maioria, do Estado e minorias. O homem, para ele, é um valor em si, que não
necessita de referências para mostrar sua dignidade.
Este pensador tem por preocupação primordial estabelecer uma redoma
intransponível, pelo poder público, em torno do indivíduo. Para tanto, procura,
primeiramente, derivar a sociedade e sua organização política do "estado
de natureza". Pensa que, através da natureza, o Criador colocou no homem
necessidades tais como: sexo, procriação, sustento e educação da prole, as
quais levaram o homem a optar pela sociedade, mas, concomitantemente, cada um continua
livre, isto é, goza dos mesmos benefícios que possuía em "estado da
natureza"
Em Locke a doutrina da lei natural e os direitos do homem atingem o
apogeu. Nele, lei natural, a do estado de natureza,e os direitos do homem
fundem-se harmoniosamente. A primeira pergunta que Locke se faz ao estudar o
poder político,é como eram os homens naturalmente, e para ele, era um estado de
perfeita liberdade para ordenar as próprias ações, para dispor sobre suas
pessoas e possessões, como achasse mais proveitoso para si mesmos, dentro dos
limites da lei natural, sem necessitar de pedir autorização a quem quer que
seja, ou depender de alguma vontade alheia. Neste estado, todos eram iguais,
porqueo poder era igual para todos, e ninguém possuía nada mais que outro.
Pensa Locke que isto é evidente por si, pois criaturas da mesma espécie,
gozando todas das vantagens da natureza, todas usando as mesmas faculdades, no
estado de nenhuma soberania a mais numa pessoa que na outra. Isto, porém, que é
o estado de liberdade e igualdade pela lei natural, não é absolutamente um
estado de licenciosidade. O estado de natureza, possui uma lei natural, a qual
todos estão submetidos, e cuja transgressão acarreta a reação de todos os
demais sobre ele. Aliás, os próprios transgressores reconhecem que merecem
reparar os danos causados a outrem na mesma proporção de sua ofensa. Locke cita
a passagem bíblica na qual Caim reconhecia que qualquer um podia matá-lo, pois
ele havia matado seu irmão. Isto para ele seria o racional. A lei natural
guiava os homens em estado de natureza.
Em decorrência do princípio de liberdade e de igualdade, Locke institui
o princípio da vida. Este é o único direito natural que o homem é limitado para
si mesmo, e não pode dispô-la como os demais direitos. Em estado de liberdade,
e observada a lei natural, o homem pode fazer o que bem entender. Da mesma
forma, não precisa se submeter a nenhuma vontade. Mas, no que diz respeito à
vida, o homem tem um limite: não pode tirar-se a própria vida, porque esta não
foi dada ao homem, apenas emprestada. O verdadeiro proprietário dela é Deus,
isto é, o seu autor. O direito à vida, também é o único que Locke lança mão de
argumento externo à razão.
O quarto direito do homem, o de propriedade, Locke o justifica dizendo
que o mundo e a natureza foram dados por Deus aos homens em comum. Deus , com forme
ele, não é por isso o autor da propriedade e não é por esta razão que ela se
justifica. A terra com tudo o que ela produz, pertence ao gênero humano em
comum naquilo que ela naturalmente gera de seu seio. Se a terra , juntamente
com aquilo que produz, foi dado em comum ao homem, donde deriva a propriedade?
Locke responde que vem do trabalho, e com isto, amplia o sentido de
propriedade, isto é, vai além da exclusivamente fundiária. Embora a terra e os
animais inferiores pertençam a todos em comum, cada homem possui em sua pessoa
uma propriedade. Esta não é comum, mas privada, individual, indivisível e
intransferível. Ninguém possui qualquer direito sobre ela. Esta propriedade, a
própria pessoa, ao entrar em ação produz algo. A ação humana chama-se trabalho
e o resultado disto é um bem, o qual, com justiça deve pertencer para quem o
produziu. Em outras palavras, o direito de propriedade nasce do trabalho do
homem, quer seja manual, quer seja intelectual. Dessa maneira cada homem pode
transformar algo que em princípio é de todas em propriedade sua pelo trabalho.
Mas, somente aquilo que ainda não pertence a alguém individualmente, e nesse
caso deve ter o seu consentimento para poder ser proprietário,ou que ainda não
seja comum de todos, e nesse caso já uma propriedade pública.
O homem que nasceu livre e igual, por natureza não somente deve
defender sua vida, sua liberdade e propriedade, mas encontrar meios eficazes
para prevenir-se de quem quer que seja que possa prejudicá-lo nos seus
direitos. E como de todos os bens, maior e primeiro é sua própria pessoa, isto
é, sua propriedade matricial os homens instituem a sociedade civil para
preservar seus direitos.[66] O objetivo que levou os homens a abandonarem o "estado
de natureza" em troca de uma sociedade civil é a defesa da propriedade.
Com efeito, é nesta que o homem põe a salvo sua individualidade e sua liberdade.
Para tanto, faz-se necessário que o poder político seja controlado pelos proprietários,
considerados responsáveis diante dos próprios interesses. Desse modo, Locke
transfere para os proprietários a incumbência de representar toda a sociedade.
A eles, como "full members", cabe dirigir o poder político, para que
avance até o limite da propriedade, o que constitui o patamar do "estado
de natureza".
Elegendo os proprietários para exercerem a representação, Locke
inaugura o "liberalismo possessivo", como foi bem interpretado por C.
B. Macpherson.[67]
Fazendo repousar a representação sobre a propriedade, Locke
imprime-lhe, também, um caráter pragmático, isto , o móvel do poder político o
interesse.
A sociedade, por sua vez, vista por ele como um conglomerado de interesses
conflitantes. A fórmula, para fazê-los coexistirem pacificamente, está na
representação. Os representantes, uma vez reunidos, estabelecem o estado de
direito - o legislativo -, o qual, obtendo o consentimento tácito ou expresso
dos membros da sociedade, passa a gozar da liberdade do "estado de
natureza" numa comunidade organizada politicamente.
Percebe-se, portanto, o núcleo moral de que está revestido o poder, no
pensamento de Locke. Primeiramente, o poder é limitado, isto é, se nem os
indivíduos em "estado de natureza" possuem sobre si poderes
absolutos, logicamente, ao delegar o poder, não poderão criar um poder
absoluto. A segunda característica do poder é sua racionalidade. O poder não uma
imposição, mas uma delegabo de homens livres que, conscientemente, criaram o
poder, e mantém sobre ele o controle, através de representantes, e, excepcionalmente,
a comunidade poder lançar mão de seu
poder natural. Em terceiro lugar, o poder representativo. Não é a comunidade toda que o
exerce, mas representantes, no caso de Locke, os proprietários. O quarto lugar
está associado idéia de interesses diversificados, os quais, na lei,
encontrarão seu denominador comum. Em quinto, o poder não pode ser exercido
arbitrariamente, mas pautar-se pela legalidade e legitimidade. O estado de direito,
respaldado pelo consentimento, proporciona uma perfeita fusão da legalidade e
legitimidade.
Para que isto se realize, torna-se necessária uma divisão funcional do poder.
O primeiro poder a se constituir, quando uma comunidade sai do "estado de
natureza", o poder legislativo. Uma vez constituído, ele passa a ser a voz
da comunidade e as leis promulgadas por ele estendem-se aos membros da
sociedade, indistintamente, inclusive para os próprios legistas. Instalado o
estado de direito, réplica do "estado de natureza", os legisladores
dissolvem-se, deixando o encargo do cumprimento da lei a uma outra
representação: o executivo. Este permanente e estável. Por sua vez, a
interpretação da lei não pode ser exercida por aquele que a aplica, mas "por
intermédio de juízes íntegros e imparciais, que resolvam as querelas, de
conformidade com a lei". O executivo detém ainda mais um poder: o
federativo, pelo qual mantém a segurana interna e externa da comunidade.
Há ainda funções extras, as que dizem respeito salvação da comunidade como um todo: a prerrogativa.
Caracteriza-se pela flexibilidade, na aplicação da lei, ou até mesmo supera-a, quando
invocar a máxima: “salus populi maxima lex est”.
2.Os convencionalistas
2.1 - Charles-Louis de Secondat Montesquieu
Montesquieu (1689-1755)[68] é conhecido pela famosa divisão dos poderes. No
entanto, sua influência fez-se sentir principalmente em outra questão, qual
seja, a dependência das instituições de seu meio-ambiente. Ao desenvolver a
tese de que as condições geográficas possibilitavam a emergência destas ou
daquelas instituições, levou outros, como Helvetius, a imaginar não só
ambientes físicos, como culturais. Conforme Montesquieu, cada país tem suas
próprias instituições. Esta afirmativa, que a princípio poderia ser
conservadora, como no caso de Burke, na França da primeira metade do século XVIII,
foi revolucionária. Pois, foi a partir desta questão que a elite pensante francesa
se perguntou pela validade, legitimidade, enfim, pela racionalidade de suas
próprias instituições políticas. Montesquieu não poderia jamais ser enquadrado entre
revolucionários, ao contrário, era monarquista, aristocrata e parlamentar. Mas,
aí, o feitiço volta-se contra o feiticeiro. As condições culturais-ambientais
francesas o adotaram como revolucionário. Isto porque sua tese, em França, assimilada peculiarmente, pelo menos em três
aspectos:
1º) Ele chama a atenção do político e do social. Despertou, na elite, e indiretamente no público, a questão
ambiental. Com ele efetuou-se uma auto-reflexão, avaliação e crítica. As
discussões acadêmicas, que até então se travavam, interessavam a uma diminuta
elite de escol sobre questões que somente os preparados estavam em condições de
absorver, como a razão eterna e a natureza comum. Montesquieu inverte. Traz ao debate
a razão "hic et nunc" e a
natureza própria de cada sociedade. Isto provocou uma auto-avaliação das instituições
sócio-políticas.
2º) O academicismo de seus predecessores foi substituído por problemas vivenciados, existenciais. À
essência, Montesquieu contrapôs a existência.
Nesse sentido, supera ou avança, ao cartesianismo,
propondo uma lógica do existencial, independente de premissas pré-estabelecidas como na
matemática e geometria. Enfim, chama a atenção
do experimental, do empírico, do concreto,
do fato a cuja teoria até pode contradizer.
3º) E, finalmente, a relatividade das leis. Mostra como as leis são amorais, isto , são boas enquanto produzem o
bem. As leis não possuem parâmetro de
aferição a não ser seu desempenho. As leis
nada têm a ver com a idéia de justiça ou moral. Não são boas ou más em si, mas por aquilo que
produzem.
Embora Montesquieu fale em “leis da natureza”, certamente não é no
mesmo sentido dos jusnaturalistas. Sua preocupação é encontrar o “espírito”das
leis, sua alma, mas, pelas conclusões, não foi na lei natural que ele pôde
encontrar. Pela ênfase que confere a outros fatores, como clima, técnica
constitucional,não parece muito preocupado com questões filosóficas ou
culturais. Aliás, a lei da divisão dos poderes ele a deduziu de uma situação
geográfica, a da Inglaterra.
Daí que, pelo fato de chamar atenção para o clima e a terra, fez com que
se vissem os costumes e tradições, não como algo sagrado, proveniente de algo
superior, como a lei eterna ou lei natural, mas simplesmente um dado que, se
modificadas as condições, faria tudo diferente. A idéia de uma monarquia absoluta,
ligada a uma vontade divina, e o rei, um delegado desta, foi posta em cheque. E o debate
envereda para outras questões, existenciais também, e dentre as quais a mais
importante: as leis francesas dão felicidade aos franceses?[69]
2.2- François Vicent Toussaint
Geralmente, este pensador esquecido é como um dos ideólogos do ideário revolucionário
francês. Mas se verificarmos a simples quantidade das sucessivas edições dos
Moeurs[70], catorze, poderemos constatar sua procura. Por outro
lado, suas teses são largamente consagrados na Enciclopédia. Toussaint, iluminista
francês, com efeito, trouxe terra a questão da felicidade sustentada por uma
moral laica e humanitária. Até então, havia fortes indícios dessa tese. No
entanto, a ele coube formulá-la, numa forma cartesiana, com idéias claras e
coerentes. Abandonou os postulados religiosos para basear a moral, deduzindo-a
de postulados racionais. Ao perguntar-se o que
virtude, responde: "É a fidelidade constante no cumprimento das obrigações
que a razão nos dita". E o que ela nos diz? A felicidade está precisamente
na saturação das paixões. Com isto ele recupera um aspecto do homem, isto é,
sua animalidade, negada e condenada pela moral religiosa. Faz desaparecer a
dicotomia irreconciliável entre o bem e o mal. Aproxima ambos, de tal forma,
que o divisor tão imperceptível que praticamente a diferença está nas condições
momentâneas. Na Enciclopédia, ao se tratar da questão da liberdade moral, esta
idéia está consagrada. A moral uma questão
de escolha pessoal sujeita às circunstâncias e aos motivos. As paixões não são más
em si, mas boas, úteis e necessárias. Se os devotos acharem que a virtude é o
desprezo de si mesmo, estes são motivos de devotos. Todos querem ser felizes, mas
cada um a sua maneira. E apelando para a mesma razão, constata que a felicidade
somente possível com moderação,
temperança e humanidade. Amar os homens porque são homens, e não por mandamento
divino. Eis a verdadeira humanidade, conclui Toussaint.
2.3- Claude-Adrien Helvetius
Um dos pensadores que mais irá influenciar no espírito da Encicopléia Helvetius (1715-1771)[71] isto porque, por trás há uma aparente filosofia
tradicional, essencialmente espiritualista, seus fundamentos são materialistas.
Na definição que se dá de homem, por exemplo, como um ser composto de duas
substâncias, matéria e alma, a implicação posterior nega completamente, tanto a
idéia de substância, como a de alma. Ao fazer derivar pensamentos, moral,
direito, integralmente, das sensações materiais e imprimindo-lhes um caráter
relativista, nada sobra de substância e alma. Tudo não passa de matéria. nesse
sentido que Helvetius ter influência. Sua obra de 1758 teve uma ressonância
ímpar na intelectualidade. Materialista, demolidor da religião e da moral, traz
ao debate a influência do meio ambiente, tal como Montesquieu, relativizando a
cultura e, através dela, todas as demais realidades. Não será difícil, posteriormente,
retomar estas questões e considerá -las puramente supraestruturas. Será a tarefa
de Karl Marx.
Para Helvetius, o homem, ao nascer, é uma tabula rasa, e com isto, todos
são iguais, justamente porque nada têm. A diferença começar e se impor a partir
da educação do meio ambiente, que pode ser direta, a formal, e indireta,
através dos costumes. Daí que, é possível ter-se uma sociedade desejada,
bastando direcionar, via de ação política, a educação. Conforme ele, se poderia
obter o domínio das mentes pedagogicamente influindo sobre a sociedade.
Evidentemente, Helvetius não discutiu e nem levou às últimas conseqüências a possibilidade
da teoria ser implantada. No fundo mesmo, nega a própria liberdade e avança na crença
de um totalitarismo, como, no século XX, Orwell, em "1984", irá
patentear.
A implicação dada ao processo de conhecimento irá ser consagrada integralmente
na Enciclopédie e quase repetida por D'Alembert no Dicours Préliminaire. No homem,
somente há um princípio: o da matéria sensível. As impressões dela recebidas, as
sensações, dão origem às aparências que nós denominamos pensamentos, alma, bem
e mal, Deus e outros. Nada disso tem existência real, pois são apenas
extrapolações do homem pela sua capacidade de criar seres semelhantes a si, dotá-los
de virtudes ou defeitos, inventar qualidades morais. Com a matéria, desaparecem,
também, estas aparências, pois elas não têm subsistência por si, mas tão somente
enquanto as impressões do homem lhe dão vida.
Sendo a matéria do homem a mesma em todos os homens, de onde provêm as
diferenças? através da diferença da educação, recebida desigualmente. A Enciclopédie
irá mais longe. Dirá que, as diferenças provêm da diferente constituição física
de cada um, que recebe de formas diversas as sensações. No raciocínio de Helvetius,
para que se possa ter sucesso na educação, necessário levar em conta que o
homem somente se move pelo prazer e dor, pois a matéria somente a eles sensível.
Não parece que o autor de L'Esprit esteja preocupado com as
conseqüências de seus princípios. O empenho tem outro objetivo, qual seja, a felicidade
dos homens, aliás, questão esta, comum a praticamente todos os pensadores
enciclopedistas. Se para fazer o homem feliz for necessário o materialismo,
ninguém titubearia em
adotá-lo. Se o hedonismo faria a felicidade, ele seria
escolhido. E se necessário fosse controlar e direcionar ideologicamente a
educação, sem pestanejar e sem remorsos, se faria. A meta é a felicidade, os
meios não importam, desde que racionais.
2.4 - François Marie Arouet ou
Voltaire
A produção intelectual deste pensador assaz é fecunda. Sua preocupação maior é
escancarar os abusos da sociedade, governo, religião e costumes franceses. No
mesmo sentido que Burke tentava descobrir sentido na História e nas tradições,
Voltaire (1694-1778),[72] numa trajetória inversa, quer patentear suas
incoerências, incongruências e irracionalidade. Em cada livro, alêm da abordagem
específica, insiste no seu "Deleuda".
No seu livro "Siècle de Louis XIV", pretende demonstrar que a
História não é de uma dinastia, nem de um punhado de homens de escol, mas da
nação. É ela, como um todo, fanática e supersticiosa, que faz guerra, política
e cultura. A idéia de nação se desdobrará posteriormente, já na Revolução Francesa,
em nacionalismo, componente básico do ideário revolucionário. Esta mesma idéia é retomada no "Essai sur les
Moeurs".[73] A nação algo
distinto da dinastia, dos feitos dos reis e suas falhas. Ao debater esta idéia,
Voltaire pretende mostrar como os reis nada têm a ver com a nação. A idéia
corrente, então, era de uma identificação do rei e nação. Os "gesta
regum" eram "nationis". Voltaire estabelece uma separação. E,
por isso, ao separar o rei da nação, quem levará a pior será o rei, pois será
visto como um apêndice dispensável, mostrando como a nação pode subsistir sem o
rei e algumas vezes até mais vantajosamente. A monarquia, portanto, não está inserida
na ordem natural, e analisando-a racionalmente, um absurdo. Mas, sutilmente, Voltaire
vai mais longe. Ele aproxima a Religião da Monarquia. Mostra como todos os males
da História são devidos ao fanatismo religioso, causando toda sorte de
desgraças para a nação. Este mesmo fanatismo foi o móvel que promoveu
movimentos como dos iconoclastas, dos savonarolas, dos albigenses, da
Inquisição, da conquista da América, provocando matanças racionalmente
inconcebíveis. E, atrás de todo este fanatismo, estava um rei. Ele, "le roi
chrètien", responsável por todas estas hecatombes bestiais. Por isso um
rei tal e uma tal religião devem ser banidos. O altar e o trono são os inimigos
da felicidade. Mas quem, em seu lugar? Primeiramente, a religião. Voltaire aponta
para a religião natural, apresentando, amiúde, como protótipos, as orientais. O
cristianismo, para ele, alicerçado na Bíblia, contraditório, antinatural,
desumano. Todo o mal que se abateu sobre a França e outros países cristãos é
devido à sua religião. O cristianismo não passa de um instrumento de sujeição
dos povos nas mãos dos reis. E na religião natural, aponta para o deísmo. Este crê
num ser supremo - Deus criador, mas nega a existência da providência, como
demonstrou Voltaire em "Le desastre de Lisbonne". O mundo criado por
Deus uma máquina, entregue às suas próprias leis, sem necessidade de
intervenção da divindade. Disso decorre que, além da negação da providência,
são dispensadas também revelações e graça. A grande característica da religião
natural seria a tolerância. E quanto proposta política? Não há em Voltaire
clareza neste aspecto. O "État Police", não acena para uma democracia
direta, como se pode ver nos Essai. Está longe de ser democrática. O povo,
conforme Voltaire, precisa ser bem conduzido, tal como uma tropa, ora furiosa,
ora tímida. Há algo de místico nas suas propostas políticas. Crê num governante
bom, sábio, generoso que paternalmente conduz seu povo. Aliás, esta mesma idéia
aparecerá na Enciclopédie. Para ele, a República fica afastada, pois só
conviria a pequenos países como a Suíça. Não acredita também na representação ou
em cargos intermediários. O bom soberano, munido de leis justas, apascentaria o
povo e o conduziria felicidade.
Voltaire não foi propriamente um pensador original. Mas os pensamentos dos
outros, ditos ou publicados por ele, tinham outro sabor. Era um exímio
escritor, que dominava as formas de expressão. Mas de todas, a mais terrível,
era a ironia, aliás, técnica esta, empregada também na Enciclopédie.
2.5 - Denis Diderot
Ele foi o líder, mentor, diretor, enfim, a alma dos enciclopedistas. Nele
se pode encontrar a síntese dos diversos aspectos abordados pelos demais. O materialismo,
utilitarismo, deísmo, religião natural, sociedade concebida a partir de um
ideário romântico, são algumas facetas deste pensador. O pressuposto
gnoseológico de Diderot (1713-1784)[74] que todos os fenômenos devem ter uma explicação
sensível, material. Deus, alma, justiça, nada têm a ver com o sobrenatural. São
criações da razão humana sobre dados sensíveis, como explica no "Discours
Preliminaire", D' Alembert.
Deísta e materialista, simultaneamente, Diderot tenta descobrir a identidade
entre os fenômenos físicos, químicos, biológicos e espirituais. Para ele, todos
aqueles fenômenos são o resultado da mesma matéria, diferenciado apenas em
graus. Este pressuposto o levou a intuir a doutrina evolucionista e até lhe deu
a forma precisa. Toda forma de vida e de pensamento está associada matéria. Esta
a idéia fundamental expressa em "Penses sur l'Interpretation da la Nature ". Combate a
superstição e o fanatismo, e acredita que a verdade pode ser encontrada
unicamente pela razão. Daí, que condena, na teologia, o argumento da autoridade,
e principalmente o cristianismo.
Defensor eloqüente de uma moral laica e humanitária, tendo como ponto
de partida os instintos, não se apercebe das contradições. Se tudo não passa de
matéria, a começar pelos instintos, não deveria haver lugar para a liberdade e
para a virtude. No entanto, em "Pére de Famile", "Fils
Naturel", a virtude e a liberdade encontram o mais alto moralismo lírico.
Tal como Rousseau, desponta nele a crença na bondade natural do homem, sua
inclinação para a virtude, bem, justiça e liberdade. Rousseau atribui a corrupção sociedade, Diderot ao fanatismo, vale dizer,
ao cristianismo. Ambos crêem na bondade dos instintos, pois, seguidos como a
natureza no-los deu, nos levam felicidade. Para ele, a natureza boa e não
corrompida, ou atingida pelo pecado original. Somente seguindo seu amor
próprio, os instintos, e a bondade do egoísmo, o homem pode chegar felicidade.
Os egoísmos individuais levam os homens a despertarem em si os instintos de
afeição, generosidade, bondade, dando origem a outro tipo de sociedade: a
humanitária e benfeitora. Disso nasceria a religião natural, isto , a religião
da virtude.
2.6. - Barão d`Holbach (Paul - Henri Dritrich)
Nos aspectos científicos, gnoseológicos e morais, Holbach (1723-1789)[75] identifica-se com os demais enciclopedistas: materialista,
sensista, determinista, de ética naturalista e anticristão. Na proposta
política, porém, bem mais explícito que seus colegas. Para ele, a legitimidade
da autoridade provém de um pacto entre a nação e o soberano. Este pacto, porém,
deve, continuamente, ser renovado, pois a autoridade legítima enquanto o
soberano ouvirá a nação. A soberania reside, permanentemente, na sociedade e o
monarca deve escutá-la sempre. Entre ele e a sociedade há representantes aos quais
o monarca está submetido, e os representantes, por sua vez, submetidos vontade de quem os constituiu. Se o monarca se
tornar despótico, o povo pode lançar mão da revolução. Conforme ele, uma
turbulência revolucionária passageira é melhor que uma eterna tirania.
Obediência somente se deve lei, e não ao soberano ou representantes.
O estado, por sua vez, tendo presentes os instintos, elaborar uma moral
de Estado, a Etocracia, assentada sobre os instintos de humanidade,
benquerença, justiça, enfim, nas virtudes sociais. Quais as conseqüências dessa
proposta política? Evidentemente, Holbach não era um absolutista, e muito menos
um genuíno liberal. Depositando a soberania no povo, poderia ser entendido como
um democrata. No entanto, a questão da moralidade estatal o levar necessariamente
ao autoritarismo ou ao totalitarismo. Se a moral não emerge consensualmente da
sociedade, consequentemente ela terá que ser implantada através do Estado, por meio
da educação. E precisamente assim que
Holbach entende. Quer um monarca rodeado de um pequeno número de sábios, que conduzam
paternalisticamente o povo. Os sábios, representantes, não perturbarão a
tranqüilidade do Estado. O povo, detentor da soberania, feliz porque tem um monarca-cidadão que o ama,
e lhe diz, através da educação, qual deve ser o caminho a seguir. O rei não se
desvia das leis, nem dos princípios morais, mas se o fizer, o povo estará
pronto a levantar-se.
2.7- Jean-Jacques Rousseau
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) situa-se no outro extremo do
jusnaturalismo. Caudatário da vertente coletivista consegue, também, reunir as diversas
propostas coletivas de organizações político-sociais, montando uma proposta
democrática. A lei natural, quando instituída a sociedade, dá lugar às convenções
cujos valores dependem tão somente da vontade popular.Os direitos do homem,
depositados nas flutuações da vontade popular não poderia, e como de fato
aconteceu na Revolução Francesa Ter gfarantias de cumprimento ou
respeitabilidade. Em Rousseau, o homem diluído no social, perde sua personalidade,
para fazer parte de outra entidade que lhe dá vida: a sociedade.
Nele podemos destacar, por isso, três aspectos dos quais os demais
serão corolários: o individual, o social e o político.
A concepção de homem individual, em Rousseau, encontramos
principalmente no "Émile".[76] Conforme ele, há uma oposição entre a educação da natureza,
livre, e a educação da sociedade, deformadora. O homem e o cidadão
distinguem-se. O cidadão é o homem em sociedade. O cidadão e o homem são inimigos, pois
enquanto o homem universal, a unidade numérica,
absolutamente inteiro, sem relação com nada, a não ser consigo mesmo ou com seu
semelhante, o cidadão é apenas uma fração com denominador e seu valor depende do
social. As instituições sociais, por sua vez, quanto mais desnaturarem o homem,
transformarem o "moi" em "commum", melhores o serão, pois é
exatamente esta a função da vida em sociedade: liquidarem com o homem.
Ainda, conforme ele, há dois tipos de educação: a pública e a
doméstica. A pública é a educação do cidadão. Educação para se fazer os homens se
parecerem uns com os outros. a educação para
a contradição.
A educação doméstica é a do homem, ou da natureza. Por ela, se
conseguiria formar uma sociedade constituída de tipos ideais com
"Emílios", "Sofias", "Vigários", "Empregadas",
e outros. E instituições sociais como "Religião", "Moral",
"Educação", "Casamento", praticados na educação do Emílio.
O homem individual, natural para Rousseau, seria puro, casto, bom, generoso,
isto , teria todas as qualidades que a bondade natural tem. Para ele, progresso,
a ciência, como por exemplo a Medicina, são desprezados, e considerados
anti-naturais. O homem, quando de posse da ciência e tecnologia, deturpa a
natureza.
O homem da natureza, errante nas florestas, sem indústria, sem ciência nem
tecnologia, sem domicílio, sem guerra e sem ligações com seus semelhantes, sem desejo
de prejudicar ninguém, sem reconhecer sua própria individualidade,
auto-suficiente e único, não tinha passado nem continuidade. Era o homem sempre
criança. Neste estado, não havia desigualdade entre os homens. Isto tudo se
quebra quando o homem dá o salto para a sociedade. Como isto ocorreu? Diz
Rousseau:
"O primeiro que, tendo cercado o terreno, se lembrou de
dizer: isto meu, e encontrou pessoas
bastante simples para acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade
civil".[77]
Nesta citação, os dois direitos,o de igualdade e de propriedade, nascem
de um ato anti-natural, violento. E por ele, o direito de liberdade do outro,
ficou limitado perante o usurpador de uma propriedade.O direito de
;propriedade, que para os jusnaturalistas era um direito natural, para Rousseau
não passa de um roubo. Para ele, somente alguém poderia invocar este direito
quando a sociedade lhe conferisse, e assim mesmo, sempre provisoriamente.
A multiplicação da espécie humana, somada às dificuldades de
subsistência , geraram as dificuldades. Estas premiram os homens no esforço de
utilizarem sua inteligência e conseguiram inventar. As invenções provocaram relações:
grande e pequeno, forte e fraco, devagar, medroso, ousado. Surge, então, o
interesse comum, e com ele, a concorrência. Estabelecem-se compromissos. E
quanto mais o homem era estimulado, mais usava sua razão para progredir.
Começou a usar instrumentos, fez habitações, e com elas, surgiu a família. Na
família, nasce a linguagem. Reunião de famílias dá origem às tribos. O homem começa
a elaborar conceitos e com eles as desigualdades. Nascem os deveres civis, e
com eles a idéia de prêmio e castigo. O passo seguinte será a moralidade.
Quando o homem descobre a agricultura e a metalurgia, provoca a
escravidão, cujo ato não somente limita a a liberdade do outro através da
propriedade, mas avança para tornar o outro uma propriedade sua, arrancando-lhe
a liberdade e liqüidando com a igualdade. A partilha de terras causou as
guerras. Neste momento, a sociedade precisa de líderes, nascendo, então, a organização
política e as leis comuns, autoridade, corpos políticos. Estava configurada a sociedade
que, basicamente, conforme Rousseau, se assenta sobre três pilares: lei e direito
de propriedade, magistratura, e poder político.
Apesar de Rousseau discutir a questão do surgimento da desigualdade,
por trás está o progresso, culpado pelas desigualdades e por todas as mazelas sociais.
A grande vilã, em todas as explicações de Rousseau, é a modernização.
Propriamente não está contra o progresso em si, mas aos efeitos maléficos que ela
traz. Daí a pretensão romântica de se querer destruir os efeitos perversos, isto
é, viver como um "bom selvagem" juntamente com as benesses do
progresso.
Mas, quem é o propulsor do progresso? Evidentemente a cinêcia e a
tecnologia. E estas são o resultado da vida racional. Por isso, a razão condenada pela própria razão e o apelo se faz
em favor dos sentimentos.
E a conseqüência do progresso, ciência e tecnologia, numa palavra, a
modernização, se reflete na política. Não se quer a vida de cidadão, mas de
homem selvagem, considerado bom e feliz, em oposição ao cidadão, mau e infeliz.
No fundo, parece uma revolta de Rousseau Revolução Industrial, que, através da ciência
e tecnologia, modernizava a economia, e encaminhava-se para tornar o maior número
possível de pessoas, cidadãs. Era a incorporação paulatina das camadas sociais participação
dos bens da modernização, entre eles, a participação política, ou a vida de
cidadão.
Se no "Èmile" temos um projeto de preparação de cidadãos
conforme as leis da natureza, no "Contrato Social" Rousseau nos diz
como seria esta sociedade política de "Emílios" e "Sofias".
O primeiro livro inicia com a conclusão do "Discurso sobre a
desigualdade": "o homem nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros".
Embora diga que não saiba, pois não é este o objetivo, todo livro supõe o conhecimento
do conteúdo do "Discurso da Desigualdade". Acontece que Rousseau, no
"Contrato Social", quer estabelecer as bases puramente racionais do sistema
político, independente do "status quo", particularidades locais, ou peculiaridades históricas. É um modelo
transcendente.
Para tanto, primeiramente refuta a teoria do direito divino e do direito
natural, do poder e da autoridade. Mas como chegou o homem ao social e como
instituiu a autoridade?
Rousseau responde que foi através da família, aliás, como tantos outros
o fizeram. A família , conforme ele, "é a mais antiga e a única natural".
Esta "naturalidade", porém, é efêmera, pois perdura tão somente enquanto
os filhos necessitem dos pais.[78] Rousseau afasta-se
da vertente que considera o homem naturalmente social. Para ele, o que faz o
homem viver em sociedade é a necessidade. Conjugando-se a multiplicação da espécie
com a escassez, a vida humana se tornaria inviável. Daí, a necessidade absoluta
da vida em sociedade para não perecerem todos. Era preciso unir esforços, pois
só assim soobrariam.
A sociedade, por isso, não é natural, mas decorrente da necessidade de
sobrevivência. Se as dificuldades para sobrevivência não adviessem, o homem,
naturalmente, quereria viver livre, ou insocial. Se a sociedade não é natural, o
que será ela para Rousseau? Um conjunto, ou sistema de convenções. A sociedade,
portanto, uma criação artificial dos homens
para poderem subsistir. Tudo, portanto, que está aí são meras criações a favor
do grupo hegemônico, ou grupos que detém, ou detiveram, o poder econômico e político.
De posse do poder político, os grupos legislaram em causa própria.
Mas, no
momento que se institui a nova realidade, isto é, a sociedade, esta situação
difere quantitativamente da vida natural. Enquanto nesta cada indivíduo é sua
unidade integral, no estado convencional, cada indivíduo não passa de uma
parcela do todo.
Para Rousseau, ao se instituir a sociedade os homens abrem mão de seus
direitos individuais, para entregá-los à vontade do coletivo.Para explicar
melhor sua idéia, Rousseau lança mão da alegoria do organismo. Os membros compõem
o corpo, e separados dele não fazem sentido. A perda da autonomia, porém, é
compensada pela inserção numa unidade maior da qual se torna parte indispensável.
O "eu" individual extingue-se, nascendo uma nova realidade, o
"eu" comum. Este é um corpo moral e coletivo, conforme ele. Uma
pessoa pública, uma república, ou um corpo político. Este poder pode simplesmente
ser inerte, e por isso "Estado Passivo"; pode exercer ação, e
portanto, "Estado Soberano"; pode relacionar-se com outros Estados,
daí, "Estado Potência". Os associados do corpo político,
coletivamente, são denominados "povo" e, particularmente, são
"cidadãos", enquanto partícipes da "soberania", e "súditos"
se considerados submetidos lei.
Um dos elementos do corpo político a que Rousseau dá mais enfase é a
soberania. Conforme ele, a soberania é absoluta. Enquanto a doutrina liberal
procura garantir a autonomia do indivíduo em relação ao Estado, Rousseau
inverte: procura garantir a autonomia do Estado em relação aos indivíduos. A
soberania significa a associação de todos os particulares que formam um corpo,
um organismo, de tal sorte que se algum membro afetado, todo o corpo também ou,
e vice-versa. A soberania, portanto, não está neste ou naquele associado, mas no
todo, incluindo-se, inclusive, o supremo mandatário da sociedade. Ele tão
soberano como qualquer outro e qualquer outro é tão soberano como ele. É a
igualdade, no Estado civil, em oposição à igualdade do estado natural. Em sociedade,
o indivíduo perde a liberdade natural, mas em compensação ganha a civil que lhe
permite ser livre nos limites e garantias da lei, enquanto na natural eram os
instintos, os limites.Em sociedade o homem tem somente direitos de cidadão, não
de homem.
De conformidade com Bodin, para Rousseau, a soberania do corpo
político, em seu Estado ativo, possui duas características: inalienabilidade e indivisibilidade.
Isto porque a soberania se assenta sobre a vontade geral. Pensa Rousseau que a sociedade
se formou devido ao conflito insustentável de interesses. Era de tal monta que
poderia levar ao perecimento de todos os homens. Diante do perigo, entenderam
os homens, que era necessário isolar moralmente os interesses comuns, isto é,
aqueles que dissessem respeito a todos. Era necessário um acordo em torno
deles. Foram, precisamente, os interesses comuns que deram origem ao acordo, ou
vontade geral. Por isso o corpo político, emerso do acordo, soberano porque está
acima dos interesses particulares.
Ora, se os homens contrataram de viver em sociedade, e esta tem como
fundamento a vontade geral, que é soberana, tornam-se indissociáveis a
soberania e o corpo político. Se o corpo político alienar sua soberania, o
elemento perde seu conteúdo essencial, e, portanto, aniquila-se. A não
alienação da soberania traz trás conseqüências, conforme Rousseau:
1º) O poder se transmite, não a vontade.
2º) O povo nunca se submete a quem quer que seja: maioria, minoria, ou
a uma pessoa.
3º) O consentimento tácito é sinal de que as ordens emanadas estão de
acordo com a vontade geral.[79]
A segunda característica da soberania é de ser indivisível. Para Rousseau,
há somente um poder, o legislativo, pois os demais devem pautar-se por ele. Em Locke,
o legislativo detém a preponderância, mas não elimina os demais. Rousseau
entende que os demais poderes não são soberanos, mas emanações do poder
legislativo. Os demais poderes têm somente capacidade de emitir atos ou decretos.
Legislar somente atribuído a quem for soberano, e sendo que a soberania não se
transfere, ou se divide com outro, , "ipso facto", indivisível.
Além dessas duas características maiores, a vontade geral ainda indestrutível, infalível e coercitiva. Diz o
genebrino sobre a infalibilidade: "Jamais
se corrompe o povo, mas frequentemente o enganam e só então que ele parece
desejar o que é mau".[80]
A infalibilidade da vontade geral, por sua vez, baseia-se no interesse
comum e só nele.
A vontade geral não é a mesma coisa que a vontade de todos, porque esta
pode estar mesclada com interesses particulares. O interesse comum, ou a
vontade geral, pode estar com uma pessoa ou algumas, como mais tarde
interpretará Robespierre, dando origem democracia totalitária ou democracia oligárquica. Independe, por isso, do número. A vontade
geral é síntese, e não soma. Ela dá origem a uma realidade objetiva, externa e
coercitiva em relação aos indivíduos, grupos ou facções. O grande perigo,
conforme o autor, é de que uma vontade particular consiga fazer crer que a sua
vontade geral.
A coercitividade da vontade geral significa a capacidade de o corpo político
exigir de todos obediência, e absoluta. A submissão vontade geral pode
operacionalizar-se pela lei ou pela moral.
As penas legais são positivas, isto é, previstas antecipadamente,
enquanto as morais, dependem das circunstâncias. Se uma determinada sociedade
resolver que a família seja constituída pelo casamento, por exemplo, os que infringirem
este pacto, convenção, sofrerão sanções legais e morais. Pela primeira, os
filhos poderão ficar sem a paternidade e sofrerem uma série de conseqüências
pelo resto da vida. As sanções morais, dizem respeito à repulsa da sociedade,
comentários desairosos, discriminações e outros.
Concretizada a convenção, o corpo político começa a viver, isto é, ter movimento,
vontade e decisão. Isto se faz pela lei. Seu objetivo será a justiça. Para tanto,
a lei nunca pode legislar sobre questões particulares. Pode prever exceções, privilégios,
prerrogativas, mas nunca destiná-los a particulares. Poderia estabelecer, por exemplo,
a forma de governo monárquica, mas não pode nomear a família.
Os dois grandes objetivos da legislação são preservar a liberdade e a
igualdade, conforme Rousseau. Como indivíduo, o homem é livre, porque está
submetido à natureza. É ela que lhe diz o que pode fazer ou não. Mas desde o
momento que o homem ingressa no estado convencional, na sociedade e suas leis,
deverá se submeter à vontade geral. Em ambos os casos, pensa Rousseau, os homens
são livres e iguais, pois cada um é igual aos demais e livre tanto quanto os
demais no estado de natureza, bem como igual aos demais e partícipe da mesma liberdade
como membro do corpo político, não, porém como pessoa.
A legislação, porém, não pode ser igual para todos os povos. Tomando por
fundamento Montesquieu, aconselha que cada povo, dependendo de suas próprias
condições, siga sua vocação natural.
Para Rousseau, por mais que os interesses particulares aflorem no corpo
social, por mais que se degenerem os homens, ou dissensões internas grassem na
sociedade, a vontade geral não perece, apenas não se manifesta:
Ao tratar da questão das várias formas de governo, Rousseau parte da distinção
das causas da ação livre. São duas: moral e física. A primeira é a vontade e a segunda
é o poder, uma é a possibilidade, outra, é a condição, pois nem toda vontade é
realizável. Necessita vir acompanhada de condições.
Para ele, o legislativo é a vontade do corpo político, ou povo, e o executivo,
é o poder. Este é um agente intermediário entre o Estado e o soberano, o nexo de união entre o social e o
individual. Disso resulta o governo, agente, corpo intermediário entre os súditos
e o soberano. O governo em sua totalidade - magistrados, reis - denomina-se
Príncipe.
Como se percebe, Rousseau despojou o agente do executivo, da representação. Na
filosofia política liberal, mormente no seu pensador clássico, Locke, o rei era
o representante da nação, para executar a vontade dela. Em Rousseau, não passa de
um empregado da vontade geral.
Outro aspecto que merece atenção de Rousseau é o que diz respeito ao
que ele denomina regime de governo. Há três: monarquia, aristocracia e
democracia, aliás, a clássica divisão de Aristóteles. Quanto à monarquia, pensa que teoricamente é possível
um governo monárquico com respaldo popular. Mas sempre se estará a um passo do
absolutismo. Para ele, a monarquia conviria a grandes Estados, para que, em
torno do rei, se mantivessem a coesão, tanto territorial, como institucional.
A respeito da democracia, pensa Rousseau que haveria uma identificação entre
o legislativo e o executivo, pois príncipe e soberano são a mesma pessoa. Este
fenômeno criaria uma situação singular, isto é, um governo sem governo. Parece que
Rousseau não acreditava numa democracia pura, pois somente seria possível,
conforme ele, com um "povo de deuses".
A terceira forma, a aristocracia, que pode ser natural (idade),
hereditária (transmissível), e eletiva (sufrágio), merece a opção de Rousseau.
E dentre estas, a melhor seria a eletiva, desde que viesse acompanhada pela
virtude. Como se vê, única garantia é a moralidade do governante ou sua boa
vontade.
No que diz respeito a propostas concretas, Rousseau pôde tentá-las com
a Ilha de Córsega e com a Polônia. Para a primeira, aponta para uma democracia
patriarcal. Está presente, porém, novamente, o componente romântico. Deseja que
os ricos não sejam gananciosos, e que, portanto, não sejam tão ricos, por isso,
diminuam a pobreza.
Quanto Polônia, a condição para serem implantadas as novas instituições
políticas, a reforma do coração.122 Sempre é o mesmo "leiv motiv": a bondade do homem. Para ele era
preciso formar cidadãos e posteriormente organizar a república, ou, fazer proceder
a política da moral. Era preciso, por isso, começar com um plano de educação
cívica.
As grandes idéias do contrato social estão sempre presentes, no
"Considerações sobre o Governo da Polônia e sua Reforma Projetada". O
legislativo, as dietas, deveriam exercer um rígido controle sobre o executivo. A
representação aceita, desde que o povo a
controle. O caráter totalitário sem nenhuma garantia individual, aparece com
toda clareza quando manda que as leis punam os núncios, e que se fosse
necessário até se devia corta-lhes a cabeça. Ainda, que se submetam totalmente
às leis, sem protesto e que arquem com todas as conseqüências de seus atos. [81]
Como vimos, o advento da Idade Moderna marcou também, em filosofia
política, o surgimento da doutrina contratualista. Seus seguidores não eram
unânimes nas idéias, e por isso bifurcaram-se em duas grandes vertentes: o
jusnaturalismo e o convencionalismo. Ambas as vertentes manifestaram suas
posições em relação à lei, cujo conceito atingia os direitos do homem. Os
jusnaturalistas reconheciam um conjunto de direitos inerentes ao homem na
condição de ser humano, já os convencionalistas negavam estes direitos
defendendo que tudo ficaria na dependência das decisões populares, ou a quem
lhes foi confiado o governo. A prática posterior mostrou que o convencionalismo
levou às mais funestas conseqüências para o ser humano. À mercê do grupo
dominante, a vida, a liberdade, propriedade e igualdade de nada valiam. Pode-se
apontar como exemplos as matanças da Revolução Francesa, a ferocidade e
perseguições na Revolução Russa e seus governos posteriores, os hediondos
crimes contra os judeus e contra a Humanidade do Nazi-fascismo. Já onde
prevaleceu o consenso sobre os direitos do homem como uma esfera neutra
politicamente, houve problemas, mas as proporções são incomparavelmente
inferiores e auto-sanados com instrumentos institucionais.
Os dois grandes protótipos dos modelos jusnaturalista e
convencionalista ocorreram com a Revolução Francesa e com a Revolução
Americana, respectivamente.
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25. Ibid,
12.
26. Meditações.
L. IV, 23 e BRUN, Jean. O Estoicismo. Trad. de João Amado. Lisboa,
Edições 70, s.d., p. 88.
31. SÊNECA,
Lúcio Aneu. Consolação à Minha Mãe Hélvia. Trad. de Giulio Davide Leoni.
Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, VIII, 2.
32.
Meditações, L. I, 17.
33. Id. ,
L. III, 4.
34. Id. ,
L. VIII, 34.
35. EPICURO.
Epístola a Meneceu. Apud. FARRINGTON, Benjamin. A Doutrina de Epicuro.
Trad. de Edmond Jorge. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968, p. 129-132.
36. Id.,
127-128.
37. VECCHIO,
Giorgio del. Lições de Filosofia do Direito. Vol. I. Trad. de Antonio
José Brandão. 4ª ed., Copimbra, Armênio Amado, 1972, p. 63-65.
38. CICERO,
Marco Túlio. De Legibus. L. I, Caps. VI a XVII.
39. CICERO,
Marco Túlio. De Republica. L. I, XXXII-XXVI.
40. Id, L. I , XXVIII-XXIX.
41. Id., L.
I, XXXV.
42. SANTO
AGOSTINHO. De Civitate Dei. 1, XIV, cap. XXVIII.
43. Id., 1,
IV, cap. VI.
44. CICERO,
Marco Túlio. De República. L. II, 19.
45. SANTO
AGOSTINHO. De Libero Arbitrio. 1, I, cap. V, v. 12.
46. SANTO
TOMÁS. Suma Theologica. 1, 2ac. q. 93, art. 2º.
47. Ibid., q. 91, art. 3º, q. 95, art. 2º.
48. Summa Theologica, op. cit. 1a, 2a, q. 5, art. 1º.
49. Summa Theologica, op. cit. 1a, 2a, q. 5, art. 1º.
50.
ALIGHIERI, Dante, De Monarchia. L. II, VII.
51.Ibid., VII.
52. Id., L. III, XIV.
53. PADUA, Marsilli de. Defensor Pacis. Monumenta
Germaniae Historiae. Ed. dirigida por Richard Scholz, apud: Fontes Iuris
Antiqui.
54. Defensor Pacis, D.P. I, XII, 3.
55. Id., D.
II, XII, 8.
56. SOUZA,
José Pedro Galvão de. O Totalitarismo nas origens da Moderna Teoria do Estado.
(Um Estudo sobre o Defensor Pacis, de Marsílio de Pádua). São Paulo, Indústria
Gráfica Saraiva, 1972, p. 212-213.
57.
TOUCHARD, Jean. História de Las Ideas Politicas. Trad. de J.
Pradera. Madrid, Editorial Tecnos, 1975, p. 166-168.
58.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. de Lívio Xavier. São Paulo, Victor
Civita. 1973. Capítulo III.
59. Ibid.
60. Id.,
Cap. XV.
61.
MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio.
"Discorsi". 2ª ed., Brasília, UnB, L.I., caps. 1º ao 9º.
62. Id.,
Introdução.
63. BODIN,
Jean. Six Livres sur la
République. II , 4, (S.l.:s.n.), p. 246.
64. GRÓCIO,
Hugo. De Iure Belle ac Pacis. Versão espanhola por Jaime Torrubiano
Ripoli. Madrid, Reus, 1925.
65. Id., L.
I, cap. III, nº 8.
66. Ibid.
67. Id., L. I,
cap. 4.
68. HOBBES
DE MALMESBURY, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado
Eclesiástico e Civil. Trad. de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da
Silva. São Paulo, Victor Civita, 1974, p. 82-89, ou L. I, cap. XIV e XV.
69. Id., p.
1O9, ou II, cap. XVII.
70. Id., p.
1O8 -11O, ou II, cap. XVII.
71.
PUFENDORF, Samuel. De Iure Naturae et Gentium Libri Octo. L. I, I, L. 9, parág.
20 e 21.
72. Id., L.
I, L. 4.
73. Id., L.
I, L. 3, L .
11, 2, 8.
74. Id., L.
11, 2, 8.
75.
PUFENDORF, Samuel. Droit de la
Nature et des gens. T. II, Amsterdam, Pierre de Coup,
1712, p. 3O2.
76. BURLAMAQUI,
J.J. Principes du Droit Politique.
(S.l:sn),
1975, p. 57-58.
77. WOLF, J.C. Philosophia Rationalis. (S.l:sn), 1728. L . I, parág. 123.
78. Id. ,
L. II, parág. 56.
79. Id., L.
1, parág. 7O ss.
80. WOLFF, Christian. Institutions du Droit de La Nature
et des gens. Leide: Ellie Luzac, 1772, v. 5, p. 327.
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84. LOCKE, John. Ensayo sobre el Govierno Civil. Trad. e Pref. de Jos Carner. México: Fondo de Cultura,
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85.
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até Locke. Trad. de Nelson Dantas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979,
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86. MONTESQUIEU, Charles Secondat. De l'Esprit des Lois.
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87. MORNET, Daniel. Les Origines Intellectuelles
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88. TOUSSAINT, François Vicent. Les Moeurs.
Nouvelle édition revue et corrigée. Amsterdam ,:
(s.n), 176O.
89. HELVETIUS, Claude Adrien. De l'Esprit. Amsterdam : (s.n.), 1759.
90. Apud MORNET, op. cit., p. 81-82.
91. Id.
p. 82-89.
92.
VOLTAIRE, Jean François-Marie Arouet. Le Siècle de Louis XIV. Charles XII et
Pierre le Grand. Paris :
H. Gautier, s.d..
93. VOLTAIRE, Jean François-Marie Arouet. Essai su l'histoire générale et sur les Moeurs et
l'Esprit des Nations, depuis Charlemagne jusqu'à nos jours. (S.l.:s.n.),
1757.
94. DIDEROT, Denis. Le Pèr d Famille, Comédie
en cinq actes et en Prose. Amterdam:
(s.n.), 1758.
95. HOLBACH, Barond d’. La Politique Naturelle
ou Discours sur les mais principes du governement. Londres: (s.n.), 1773.
96. MORNET, D. Op. cit. , p. 1OO-1O4.
97. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Émile ou De l'Éducation.
Introduction par Michel LaunaY. Paris
Garnier-Flammarion, 1966.
98. Id. ,
p. 39.
99. Id. ,
p. 41.
100.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as Ciências e as Artes e sobre a
Origem da Desigualdade. Trad. de Maria Lacerda de Moura. Rio de Janeiro:
s.d., p.118-119.
101. Id. ,
p. 124.
102. Id. ,
p. 126-161.
103. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Émile. Op. cit., p. 38.
104. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du Contrat Social.
Paris : Garnier,
s.d., L. I, Cap. I.
105. Id. ,
Cap. II.
106. Id. ,
Cap. VI.
107.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as Ciências e as Artes e sobre a
Origem da Desigualdade, p. 144-145. L . I, cap. VI.
108. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du Contrat Social,
L. I, cap. VI.
109. Ibid.
110. Id. ,
cap. VII
111. Id. ,,
L. II, cap. I.
112. Id., cap. III
113. TALMON, J. L. Los Orígenes de la Democracia
Totalitaria. Trad. de Manuel Cardenal Racheta. Madrid: Aguillar, 1956, p.
13O-155.
114. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du Contrat Social,
p. L. II, cap. VI.
115. Id., cap. XI.
116. Id., L. II, cap. I.
117. Id. ,
L. III, cap. VI.
118. Id. ,
L. III, cap. IV.
119. Id. ,
L. III, cap. V.
120.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Considerações sobre o Governo da Polônia e sua Reforma
Projetada. Tradução, apresentação e notas de Luiz Roberto Salinas Fortes.
São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 25.
121. Id.,
36-4O.
122. Id.,
47-49.
123. Id., p.
5O.
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13. SÊNECA,
Lúcio Aneu. Consolação à Minha Mãe Hélvia. Trad. de Giulio Davide Leoni.
Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, VIII, 2.
14. VECCHIO,
Giorgio del. Lições de Filosofia do Direito. vol. I, Trad. de Antonio
José Brandão. 4ª ed., Coimbra, Armênio Amado, 1972, p. 63 a 65.
LEI NATURAL X CONVENÇÃO DOS ANTIGOS
Selvino Antonio Malfatti
(Resumo)
O presente artigo traz o debate havido entre os gregos antigos sobre a
natureza da lei. Basicamente duas correntes defrontaram-se: os defensores de
uma “lei natural” e os convencionalistas. Entre os primeiros podemos citar
Sócrates, Platão, Aristóteles e os estóicos. Nos segundos encontram-se os sofistas
e os epicureus.
Os partidários da idéia de lei natural argumentavam que o homem nascia
com uma lei e que ao cumpri-la se estaria fazendo justiça. Em torno desta idéia
se poderia obter o consenso da sociedade sobre o que fazer e o que não fazer. O
consenso dar-se-ia em questões fundamentais e com isso a lei poderia ser
duradoura, geral, acima dos interesses dos grupos, e principalmente justa. Os
convencionalistas, ao contrário, pensavam que o dito consenso era só disfarce
do grupo hegemônico. E se a lei fosse um mero capricho do grupo dominante, ela
seria efêmera, particular, casuísta, e principalmente uma força impositiva.
Este debate foi tão significativo que não se extraviou na História mas
suportou a Idade Média e reacendeu na Idade Moderna com o contratualismo,
subdividido entre jusnaturalistas partidários de uma lei natural e
convencionalistas, defensores da relatividade absoluta das leis.
Até mesmo na Idade Contemporânea se defrontaram e se defrontam as duas
vertentes, evidentemente revestidas com outras roupagens. Boa parte dos
liberais, por exemplo, são caudatários do jusnaturalismo e boa parte dos
marxistas seguem a linha convencionalista. Com certeza, atualmente os
defensores do “direito alternativo” deitam suas raízes no convencionalismo, e
os alinhados na idéia de um direito impessoal devem sua inspiração ao direito
natural.
CONCLUSÃO
Basicamente quatro grandes grupos, na Grécia Antiga, concorreram para o
debate em torno da idéia de lei: os sofistas, os platônico-aristotélicos (os
socráticos estão incluídos), os epicureus (Escola do Jardim) e os estóicos. O
divisor maior se estabelece entre os sofistas e os platônico-aristotélicos. Os
estoicos se aproximam destes e os epicureus daqueles.
O início do confronto ideológico deu-se por iniciativa dos sofistas
que, no intuito de defender os interesses de seus constituintes passaram a
contestar o “status quo”
institucional. A estratégia foi relativizar idéias e instituições para
justificar as pretensões de seus clientes. A defenderem que a Justiça é a lei
do mais forte, anulavam a idéia de uma Justiça geral, imparcial e duradoura. A
lei não passava de uma convenção, como diziam.
A resposta veio primeiramente por Sócrates e depois por Platão e
Aristóteles. Estes posicionaram pela imanência, cada um a seu modo, de uma lei
na natureza humana, e ao seguí-la se faria a Justiça. Além disso, patentearam
as contradições dos sofistas, os quais queriam que suas idéias fossem
verdadeiras, mas defendiam a relatividade de tudo. Platão e Aristóteles diferem
no que concerne à fonte primeira da lei. Para o primeiro é o sobrenatural o
mundo perfeito das idéias; para o segundo é o mundo natural. Em ambos, porém,
há uma lei da natural. Em ambos, porém, há uma lei da natureza.
Os estóicos, pautados pelo “sequere
naturam” incluíam no conceito de natureza, a razão. Defendiam o
cosmopolitismo, isto é, uma cidadania universal. Para eles, o homem acima de
tudo deve ser virtuoso e, para tanto, basta seguir a lei natural, a qual lhe
dará também a felicidade.
O epicurismo, a escola do maior prazer possível com o mínimo de
sofrimento, envereda para o materialismo, o qual causa o relativismo
ético-moral. Nada haveria nada de permanente, imutável. Embora Epicuro não
fosse partidário de uma anarquia institucional, ao contrário defendia sempre a
moderação, suas idéias desembocaram no descompromisso do indivíduo para com
seus semelhantes, podendo,
Os princípios dos epicureus levavam ao convencionalismo e dos cada um
agir como lhe aprouvesse.estoicos à lei natural.
Por isso, com os antigos gregos teve início o debate que daria origem
ao contratualismo da Idade Moderna, que por sua vez, se desdobrou em
jusnaturalismo e convencionalismo, no que se refere ao conceito de lei.
[1]
PLATÃO. A República. 5ª ed., São Paulo, Atena, s.d., p. 26-30
[2] PLATÃO.
Górgias ou a Oratória. Trad. De Jaime Bruna. São Paulo, Difusão Européia do
Livro. S.d. p. 70-90.
[3]
MARCO AURÉLIO. L. IV, 23 e BRUN, Jean. O Estoicismo. Trad. De João Amado.
Lisboa, Edições 70, s.d. , p.88
[4]
SÊNECA, Lúcio Aneu. Consolação à minha Mãe Hélvia. Trad. De Giulio Davide
Leoni. In: Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, VIII, 2.
[5] BRUN,
Jean. O Estoicismo. Trad. de João Amado. Lisboa, Edições 70, s.d., p. 88.
[7] Id. L.
VIII, 34.
[8] EPICURO,
Epistola a Meneceu. In: A Doutrina de Epicuro, op. cit., p. 129-132.
[9] VECCHIO,
Giorgio del. Lições de Filosofia do Direito. vol. I, Trad. de Antonio
José Brandão. 4ª ed., Coimbra, Armênio Amado, 1972, p. 63 a 65.
[10]
FARRINGTON, Benjamin. A Doutrina de Epicuro. Trad. De Edmond Jorge. Rio de
Janeiro, Zahar Editores, 1968, 132ss.
[11]
TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso.3ª ed., tradução de Maria da Gama
Kury.Brasília, UnB, p.96-l02
[12]
GIORDANI, Mário Curtis. História da Grécia. Petrópolis, Vozes, l967, p.150
[13]
PADOVANI Humberto & CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. 5ª ed., São
Paulo, Edições Melhoramentos, l962, p. 58
[14]
PLATÃO. Diálogos.V.II, Fédon, Sofista Político. Trad. De Jorge Paleikat e Cruz
Costa. Porto Alegre, Globo, l955, p. 270-296.
[15]
PLATÃO. Górgias ou a Oratória.
Trad. de Jaime Bruna. São Paulo, Difusão Européia do Livro, (s.d.), p. 92.
[17] Ibid.
[18] PLATÃO.
Sétima Carta. Humanidades. Brasília,
UnB I., nº 2, , V.I, p. 171-184, jan\mar
l983.
[19] MAIRE,
Gaston. Platão.Trad. de Rui Pacheco. Lisboa, Edições 70, 1966, p. 50-63
[20]
Sétima Carta, op. Cit. P. 184
[22]
ARISTÓTELES. A Ética. Trad. de Cassio M. Fonseca. Rio de Janeiro. Edições de Ouro, 1968, L .V, cap.I.
[23]
ARISTÓTELES. A Política. Trad. De Nestor Silveira Chaves. 5 ª , São Paulo,
Atenas Editora, s.d., L.I, cap. I, 12
[24]
Ética, op. Cit. L. II, IV, 2
[25] A
Ética, op. cit., L. II, IV, 2.
26 Ibid
27 A Política, op. Cit., L.I, cap. I, 4 – l4
28 Id. L.I, cap. I, 4
29 Id. L.I, cap. I, 11
30 Id. L.II, cap. IV, 4
31 Ibid. , 12
32 Id. L.IV, cap. II, 2
35 Id., 6
[26]
STRAUSS, Leo e CROPSEY, Joseph. Historia de la Filosofia Politica.
México, Fondo de Cultura Económica, l993, p.171-l72
[27]
CÍCERO.Marco Túlio. De Legibus. L. I, Cacps. VI - XVII
[28]
CÍCERO, Marco Túlio. De Republica. L. I, XXXII.
[29] Id. L.
I, XXXV
[30]
ZILLES, Urbano. Fé e Razão no Pensamento Medievel. Porto Alegre, EDIPUCRS,
l993, p. 32-115
[31]
BIBLIA. Gn l e 2
[32] Id. Dt
l5,l5 ; Ex l4,30 ; l8,l0 e lMc l4,26
[33] Id. Ecl l5, ll-20
[36] Id. Ex 32,13 ; l9,5 ; 1Sm
l0,l
[37] SANTO
AGOSTINHO. De Civitate Dei. 1, 14, cap. XXVIII
[38] CÍCERO,
Marco Túlio. De Republica. L. II, 19
[39] SANTO
AGOSTINHO. De Libero Arbitrio. 1, I, cap. V, v. 12
[40] SANTO
TOMÁS. Summa Theologica. 1, 2 ac .q. 93, art. 2º
[41] Ibid. q.95, arts. 2º e 4º
[42] Ibid. q.91, art. 3º, q.95,
art. 2º
[43] Summa Theologica, op. cit., 1a,
2a, q. 5 , art. lº
[44]
ALIGHIERI, Dante. De Monarchia. L. II, VII
[45] Id. L.
III, XIV
[46]
PADUA, Marsílio de. Defensor Pacis. Monumenta Germaniae Historiae. Ed. Dirigida por Richard Scholz.
Apud: Fontes Iuris Antiqui.
[47] Id. XII, 5
[48] Id. XII, 5
[49] TOUCHARD, Jean. Historia de
las Ideas Politicas. Trad. De J. Pradera. Madrid, Editorial Tecnos. 1975, p.
166-168.
[51]
MAQUIAVEL. Nicolau. O Príncipe. Trad. De Lívio Xavier. São Paul, Victor Civita,
l973, cap. III
[52] Id.
Cap. XV
[53] Id.
Introdução
[55]
GRÓCIO, Hugo. De Iure belli ac Pacis. Versão espanhola por Jaime Torubiano
Ripoli. Madrid, Reus, 1925.
[56] Id.
L.I, cap.III, nº 8.
[57] Id.
L. I, cap. 4
[58]
HOBBES DE MALNESBURY, Thomas. Levitã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado
Eclesiástico e Civil. Trad. De João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da
Silva. São Paulo, Victor Civita. L974, L. I, cap. XIV e XV.
[63] Id. L.II, par. 56
[64] VATEL, Emer de. Les Droit de
Gens ou Principes de la
Loi Naturelle. V. 1, Lyon, Robert et Gautier, l802, p. 41
[65] LOCKE, John. Ensajo sobre el Gobierno Civil. Trad. E Pref. De
José Carner. Mexico , Fondo de Cultura, 1941
[66] EBENSTEIN, William. Great
Political Thinkers. 3ª ed., New York ,
Holt, l960, p. 393-403
[67]
MACPHERSON, C.B. A Teoria Política do Individualismo Possessivo de Hobbes até
Locke. Trad. De Nelson Dantas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, p. 205-262.
[68] MONTESQUIEU, Charles
Secondat. De L’Esprit des Lois. Amsterdam :
(s.n), l750.
[69] MORNET, Daniel. Les Origines
Intelectuelles de la
Révolution Française. (l7l5-l787). Paris, Armand Col ;in,
l933, p. 72-74.
[70] TOUSSAINT, François Vicent.
Les Moers. Nouvelle Édition Revie et corrigée. Amsterdam , (s.n), l760.
[72] VOLTAIRE, Jean-François Marie
Arouet. Le
Siècle de Louis XIV, Charles XII e Pierre le Grand.Paris, H. Gautier, s.d.
[73] VOLTAIRE, Jean François-Marie
Arouet. Essai sur L’Histoire Générale et sur les Moeurs et L’Esprit des
Nations, depuis Charlemagne jusqu’à nos Jours. ( S.I. : s..n.) 1757
[74] DIDEROT. Denis. Le Père de Famille: Comédie en cinq Actes et en Prose.
Amsterdam. (s.n) l758
[75] HOLBACH, Barond d’. La Politique Naturelle
ou Discours sur les mais principes du governemant . Londres (s.n.), l773.
[76] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Émile ou de
l’Education. Introduction par Michel Luanay. Paris, Garnier-Flammarion,
l966.
[77]
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as Ciências e as Artes e sobre a origem
da desigualdade. Trad. De Maria Lacerda de Moura. Rio de Jnaiero, s.d., p.
118-119
[78] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do
Contrato Social. Paris, Garnier, s.d., L. I, cap. II.
122 ROUSEAU, Jean-Jacques. Considerações
sobre o Governo da Polônia e sua Reforma Projetada. Trad, apresentação e Notas
de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 25.
[81]
ROUSEAU, Jean-Jacques. Considerações sobre o Governo da Polônia e sua Reforma
Projetada. Trad, apresentação e Notas de Luiz Roberto Salinas Fortes. São
Paulo, Brasiliense, 1982, p. 25.
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