O mês de maio que entra na próxima quarta-feira começa todos os anos com
as comemorações do Dia do Trabalho. Escrever sobre o trabalho é tocar num
aspecto nuclear da vida. Muitas vezes se dá pouca importância a ele, mas uma
das maiores dificuldades da vida é perdê-lo. As manifestações e protestos na
Europa estão aí para lembrar esta verdade. No plano individual o trabalho é
meio de assegurar a sobrevivência, mas o trabalho é mais que ganha pão. Quando
iniciou o trabalho o homem começou verdadeiramente a mudar a vida e sua
história. No momento em que os primeiros objetos segurados pela mão humana
passaram a ser instrumento de trabalho, eles abriram a inteligência a novos
desafios: estimularam a criação do símbolo e da linguagem e eles transmitiram
pensamentos e favoreceram a comunicação.
Comunicando o homem saiu de seu mundo
interior e partilhou com os outros sua perspectiva de vida. O trabalho é base
da cultura, tudo o que o homem objetiva para fazer a vida mais interessante e
melhor, não importa se é entalhar uma porta, levantar um muro, plantar um
jardim, preparar a refeição, projetar uma casa nova, varrer, espanar, escrever
livro ou poema, tratar doenças, fabricar, comerciar, ensinar, tudo se faz com o
trabalho. Não há trabalho sem importância. O trabalho é fundamental não apenas
porque fornece o provento, mas porque permite a dupla transcendência de vencer
os limites da natureza e do tempo. O trabalho muda a face da natureza e o
futuro do homem. Nada é tão importante para a existência entendida como tarefa
do que estas transcendências.
Por isto nada é mais inadequado ou mal
colocado do que falar do trabalho como castigo. Quando sentimos a presença de
Deus em nossa vida o trabalho é um convite do criador do mundo para participarmos
de sua obra. Deus criou o mundo e o deu ao homem, mas não o deu pronto, não
queria uma criança, mas um parceiro. Entregou-lhe um mundo por fazer, para ser
mudado, embelezado. É bobagem achar que Deus castiga, pior ainda julgar que o
faz pelo trabalho. O que foi dito mostra o nível atual do desafio humano.
Trabalhar para mudar a face do mundo, para fazer história, para torná-lo mais
belo e limpo, para prover a sobrevivência, promover o desenvolvimento
sustentado e participar da obra da criação. É o trabalho o caminho para o
enriquecimento legítimo e o que mais promove satisfação com a posse de bens. É
ele que faz a casa que construo ter valor, o carro ser mais que um objeto de
transporte e o remédio mais que o alívio da doença. O que se paga com o resultado
do trabalho é parte de mim, entra na minha vida de maneira diferente do que o
que me alcança por acaso ou ilegitimamente.
Embora o trabalho seja tanta coisa
neste primeiro de maio enxerguei uma dimensão poética no trabalho quando vi o
maestro João Carlos Martins reger a orquestra do Sesi na cidade de São Paulo. O
homem passou por nova cirurgia para continuar trabalhando, mesmo podendo parar.
O regente franzino tornou-se gigante diante da orquestra, emocionando mais uma
vez a multidão. Ele faz o trabalho ser não só tarefa consciente, uma escolha,
mas algo lúdico, ato supremo de criação, concretização de uma vida boa.
Enquanto ecoava pelo parque os sons da nona sinfonia de Ludwig Von Beethoven
(1770-1827), a orquestra do Sesi e seu artista maestro fizeram a vida expressão
de beleza incomparável e o trabalho celebrar emoção e alegria de viver.
Um primeiro de maio para encher a alma
humana de poesia, esperança e confiança no futuro. Um primeiro de maio de um
regente poeta que não para de trabalhar.