Acaba de ser publicado
pela editora Vozes o livro Ser Terapeuta
da Psicóloga e Filósofa Clínica Rosangela Rossi. O livro é um romance onde se
encontram dois psicoterapeutas: um filósofo clínico e um outro de formação
jungiana. A leitura é simples e instigante, mas ninguém se engane sobre a
profundidade do abordado. É que o profundo pode ser dito e aqui é dito de modo
simples, ou claro, como diria o filósofo espanhol Ortega y Gasset: a clareza é a gentileza do filósofo. E é
tão bom quando é assim mesmo quando não tratamos de meditação filosófica, o
profundo continua profundo, mas mostra sua proximidade conosco.
No romance os dois
terapeutas habitam o mundo da autora e eles procuram tirar de si mesmos respostas
para uma jornada interior de serenidade e equilíbrio. Muitas vezes os
terapeutas não dão importância a isso, suas formações não chegam lá, só o tempo
e a experiência revelam. O psicoterapeuta para ajudar alguém a mergulhar em si
e iluminar suas dificuldades precisa ele próprio caminhar na luz benfazeja da
serenidade íntima. Mais lindo seria o romance se fossem dois autores diferentes
nesse diálogo, desde que trabalhassem com o mesmo cuidado e delicadeza de alma
da autora. Rosangela vive intimamente esse diálogo devido a suas duas formações
e o fato de fazê-lo não deixa de ser também encantador porque ela em sua vida
procura agregar, soma e não afasta e rejeita um modo diferente de pensar o
mesmo drama. É disso que se trata no fundo: o drama de como os terapeutas vivem
o seu lado negro, o de conviver em paz com aquilo que atormenta e fere porque dói
na alma.
O personagem principal do
livro experimenta o desafio de voltar-se para a própria intimidade para ajudar
quem o procura a conviver consigo mesmo, de passear pelo lado mais triste de si
para ajudar o outro a fazer o mesmo, a respeitar o seu mundo e o seu núcleo
mais íntimo, para respeitar o outro em suas escolhas legítimas. Denomino
legítimas aquelas opções feitas não pelas dores, mas em fidelidade a si mesmo,
naquilo que aproxima terapeuta e quem o procura como companheiros no destino da
vida.
Em nossa realidade
quotidiana tão corrida e desafiadora muitos acreditam que seu tormento está todo originado fora deles mesmos, mas
não está. Muitas das nossas dores estão em nós mesmos, em não sabermos viver
com o que nos fere nas entranhas e das entranhas da alma. E essas dores não
serão curadas com fluoxetina ou outro anti-depressivo com função ansiolítica.
Muito menos acabarão nas compras compulsivas, que esperam acalmar a alma com coisas
cuja posse é vendida como felicidade e sucesso. Mas a felicidade não vem por
esse caminho, embora o legítimo caminho da serenidade interior não invalide o
desejo legítimo de possuir bens que assegurem uma vida digna.
No prefácio que preparei
para o livro pude dizer que ele "tem
um objetivo desafiador, simples de falar, dificílimo de realizar. Ele pretende
mostrar que o conhecimento da Filosofia Clínica criada por Lúcio Packter e da
Psicologia Analítica de Jung tão diferentes em seus fundamentos e práticas
podem conviver e orientar as buscas íntimas do psicoterapeuta. E não só essas
teorias podem conviver, mas elas e muitas outras em infinitas combinações
possíveis e abertas. Esse objetivo se apresenta em dois caminhos: o primeiro é
o do homem comum que vive vida singular, que tem um lado escuro para ser
iluminado, que vive continuamente dúvidas existenciais diante do que fazer.
Sim, a vida é o que fazer como dizia
Ortega y Gasset. O segundo é o caminho do terapeuta desafiado a construir uma
prática clínica com informações colhidas em diferentes teorias, experimentando
que o mundo da vida é mais quente, intenso e maravilhoso que nossas teorias
para explicá-lo" (p. 13).
A preparação para ser
psicoterapeuta é longa e difícil. Exige um prolongado estudo de teorias, do
conhecimento das dificuldades pessoais e das doenças que afetam a consciência e
o destino pessoal. Não se pode ser psicoterapeuta sem esses estudos, mas eles
só não bastam. Talvez seja suficiente em algumas profissões um bom conhecimento
das teorias, mas no caso não é. O conhecimento de si, a superação das próprias
dores, o saber conviver com a angustia em si e no outro e muito importante e
complementa o manejo clínico. E nesse esforço de busca íntima o terapeuta da
alma é companheiro de todos os homens. Deve vencer a si mesmo antes de ajudar
os outros a fazê-lo e essa jornada nunca está completa, ele precisa estar
sempre clareando o seu lado mais escuro, suas inautenticidades.
Como já pudemos escrever
no prefácio da obra o livro "é um desafio à liberdade: da autora que
construiu diálogos improváveis e do leitor ao ver-se revirando intimamente em
dúvidas e procuras das quais frequentemente não se ocupa" (p. 15).
O livro é também um
alerta. Não podemos andar distraídos pela vida, distantes de nós mesmos,
perdidos nos afazeres diários, ocupados com coisas que normalmente nos afastam
de nós mesmos. A Filosofia, as Religiões e também a Psicologia estão aí a nos
dizer isso, cada uma do seu jeito, com seus métodos e pressupostos distintos,
mas com o mesmo compromisso de apontar caminhos de autenticidade existencial.