O historiador alemão, Jacob Burckhardt, no estudo das
civilizações antigas constatou um fenômeno genuinamente peculiar com a
cidade-estado de Esparta: o poderio de Esparta surgiu de si mesma, por
autoafirmação, pelo seu gênio interno de submeter e exterminar os povos
submetidos como um fim em si mesmo. Era uma sociedade que emergia de sua
própria energia, um pathos peculiar que a fazia diferente das demais. Haja
vista a vizinha Atenas que desenvolvia uma democracia, cultivava a liberdade e
prezava a igualdade, culminando c om a democracia liberal do século XIX.
O germe de Esparta não morreu nem se perdeu na história.
Ressurgiu com toda força no decorrer do século XIX, e ainda está em curso.
Apresenta-se como um movimento contra tudo que pudesse evocar o “religioso”. Pode
ser caracterizada como uma sociedade laica, sem necessidade de ditames
externos, para se tornar ela mesma um quadro de referência para qualquer
significação. Na sua fisiologia e estrutura as explicações e razões se deveriam
buscar no interior de si mesma.
O modo de ser político, econômico, jurídico assume formas
as mais divergentes. Na economia como capitalismo ou socialismo; na política,
democráticas ou ditatoriais; jurídico, como protecionistas, liberais ou
militares. Em qualquer circunstância sempre devendo ser consideradas como
variantes da própria sociedade. Parece que a sociedade foi amputada da
capacidade de ver mais longe do que a si mesma. A capacidade de buscar
referências externas foi extirpada. Colocou-se numa posição de viver a cima do bem e do mal.
Apesar de estender-se a todos os regimes esta maneira de
viver em sociedade é na democracia que encontra o melhor solo para germinar.
Nesta forma de governo, o sumo da felicidade consiste em viver e favorecer a
máxima liberdade. Na democracia é possível o pensar, decidir e proceder que
emergem da sociedade em si mesma. Todos os modos de pensar são legítimos,
exceto aquele que pretende revogar a democracia. Sinteticamente Thomas
Jefferson definiu como: o preço da democracia é a eterna vigilância. Qualquer
cochilo pode acarretar-lhe a morte. Um exemplo histórico foi o que aconteceu na
Alemanha em janeiro de 1933, Hitler, que convenceu de ele e somente ele poderia
salvar a Alemanha. Foi o golpe mortal contra a democracia alemã. “Viva a
Alemanha, o povo e o Reich!”. Engenhosamente Hitler introduz um elemento fora
da sociedade, transformado em teologia, que se torna política, a qual se torna
totalitária.
Mas este processo político, como modelo, vai se
estendendo a todos os níveis. Sem o temor do mistério a sociedade se recusa a
aceitar a realidade e a proposta se torna apenas acadêmica. Não encontra
palavras para definir, conforme regras consagradas, a sociedade envereda para a
superstição nova e insinuante: a superstição de si mesma, difícil de perceber e
dissolver, pois qualquer tentativa é considerada preconceituosa. Quem se opuser
é in limine escrachado e marginalizado.
Os piores desastres aconteceram e acontecem quando a
sociedade secular resolve tornar-se orgânica, aspiração recorrente de toda
sociedade que desenvolve o culto de si mesma, calcada sobre as melhores
intenções. Sempre tendo como pano de fundo a Perda do Paraíso e modernamente a
perda da bondade de Rousseau, ou a concórdia de Marx, Saint- Simon, Hitler e
Lenin. Visionários do Orgânico, do belo. Para eles a atomização da sociedade é
considerada uma maldição. Ninguém se dá conta que é justamente nisso que consiste
a autodefesa dos males mais graves. Nesta sociedade atomizada não é preciso que
a polícia secreta bata a porta às quatro da manhã, pois ela mimetiza sua
segurança.
Atualmente esta tendência evolui no sentido de a
individualidade assumir as mesmas características do orgânico.
Como uma tendência antípoda do orgânico e igualmente
contrário à democracia, e dentro dela, está se manifestando aqui e acolá uma
postura anárquica, isto é, uma reação negativa não só externa à sociedade como
o que emana da sociedade. É uma tendência de atomização total da sociedade sem
nenhum vínculo de coesão. Tudo o que vier fora de si próprio, do indivíduo é
condenado. É um movimento novo, ainda não individuado totalmente. As palavras
mais comuns para mostrar a repulsa de tais indivíduos à postura do bom senso é
“fascista”, “moralista”, “escroto”, “reacionário”, conservador, asqueroso etc.
Ninguém pode opinar em questões de gênero,
sexualidade, arte, política, educação, drogas. Até mesmo a pedofilia é
defendida. Dentre os ativistas mais atuantes está o grupo LGBT. Os valores da
democracia, para estes indivíduos, são disfarces de dominação . Causa estranheza que tais atitudes não
floresçam na Rússia, China, Cuba, Coreia do Norte, Indonésia mas em sociedades
livres. São sofistas da época atual.
Algumas questões podem ser postas:
1. Mudanças
são necessárias, mas será a partir de terra arrasada?
2. O
movimento inclui o desfrute ao máximo tudo o que se apresenta.: o próprio
corpo, meio ambiente, família, sociedade, sem limites. E as gerações futuras?
3. Os
movimentos que tentam conter tal onda (sic?) conseguirão freá-lo pacificamente?
Religiões, Grupos organizados, poder judiciário?
4. Disso
advirá uma nova ordem?
Uma assistente social que atende adolescentes
encaminhados pela justiça dá um depoimento sobre o estado anárquico e as
perspectivas de recuperação. Diz ela que observa, a partir dos atendimentos, uma
sociedade profundamente perdida, esperando que surja alguém que diga qual o
caminho?
Diz que seu trabalho é avaliar as situações, orientar
mostrando as possibilidades de mudanças, que se ganha ou se perde, mas cada um
precisa e deve saber de suas carências e dificuldades. Vê o quando ficam
frustradas esperando algo magico, como uma pílula que resolvesse e extirpasse
toda dor ou sofrimento.
A salvação para uma sociedade não se perder, seria o
fortalecimento da família, onde se transmite valores, regras e o respeito ao
outro.
As famílias estão minúsculas, os irmãos aprendiam uns com
os outros, principalmente dividir companheirismo, livros, brincadeiras etc
Mas as famílias estão deixando suas crianças nas creches,
terceirizadas e sendo cuidadas por pessoas que não formam vínculos, um bebê,
sem o aconchego, será um adulto inseguro o emocionalmente, fragilizado.
Hoje existe um movimento para as escolas prepararem as crianças para
lidar com as perdas e frustações, assim serão adultos preparados para viver em
sociedade.
O desfrute onde o ser que se consome no vazio de sua
existência, numa procura incessante do prazer, nada mais é que o vazio da vida.
Vejo uma sociedade sem regras, sem autoridade, sem leis que devem ser
respeitadas. Isto possibilitaria a formação de cidadãos cientes de seus
deveres, conhecedores de seus direitos, mas com uma grande consciência de
sociedade participativa e honesta consigo mesma. (I.R.S.)