Nada
fez tanto sucesso nas redes sociais que a afirmação de nosso ex-presidente de
que não há no Brasil ninguém mais honesto do que ele. Sucesso considerando-se a
quantidade de comentários e partilhamentos. Foi o fato que mais circulou na
Internet e nas mídias. De engraçado a imagem do ex-presidente com as vestes
papais em aura de santidade. Não entendi se tantos compartilhamentos foi porque
muita gente teve consciência de que era tão honesta como Lula, tão desonesta
como ele ou nenhuma das alternativas anteriores. Enfim, como não tenho condição
de auferir a verdade da afirmação (não estou na consciência do ex-presidente),
vou deixar à justiça a tarefa de verificar a afirmação. Aproveito, contudo, a
oportunidade para tratar da honestidade.
Quando
se pensa em honestidade não há como não se lembrar do ensaio intitulado Sobre a Discordância entre a Moral e a Política, a propósito da paz perpétua, escrito pelo filósofo alemão
Immanuel Kant. Depois de explicar que política e moral são duas ordens
distintas e que, portanto, a prática mostra a distância entre elas, Kant
defende a honestidade como valor fundamental da sociedade, afirmando que ela
não é incompatível com a prática política. Kant disse: "Quando estas duas
coisas não podem coexistir em um mesmo mandamento, há realmente um conflito
entre a Política e a Moral, mas se ambas devem ser inteiramente unidas, o
conceito do contrário é absurdo e a questão de saber como resolver aquele
conflito não se apresenta mais como problema. Embora a proposição: a
honestidade é a melhor política, contenha uma teoria que infelizmente, a
prática com muita frequência contradiz, a proposição igualmente teórica: a
honestidade é melhor do que qualquer política, está infinitamente acima de toda
objeção, sendo mesmo condição indispensável da política" (Textos seletos, Petrópolis, 1985, p.
130).
O
texto de Kant veio a calhar toca em dois pontos importantes. Primeiro, na vida política
o comportamento moral é difícil, segundo, embora difícil a consciência honesta
pode presidir qualquer ação social, inclusive na política. Portanto, é bem
possível a um político ser verdadeiramente honesto e então descobrimos um Lula
kantiano, não porque ele faz o que diz, mas porque afirma, como bom kantiano, que
não há incompatibilidade entre a vida política e a honestidade. Ao confirmar a
afirmação kantiana, Lula coloca nossa classe política numa situação complicada,
pois não é um filósofo que diz que é possível ser honesto e político, é um
político contemporâneo. Assim, os políticos pegos na mentira, além de
responderem criminalmente pelo mal feito, cometem imoralidade. Devem se punir
diante da própria consciência, o que exigiria, no mínimo, arrependimento, um
pedido público de perdão e reparação do mal, para que pudessem pagar na cadeia
por seus crimes, mas com a consciência redimida.
Além
disso, a fala de Lula é importantíssima porque anuncia a necessidade da moral,
ou do seu acirramento, num tempo em que os valores e a religião encontram-se em
baixa. De fato, é preciso retomar a discussão sobre os costumes e seus
fundamentos para assegurar que a sociedade possa bem viver. Sem moral não se
pode esperar bom funcionamento do corpo social, pois é a constrição da
consciência de cada um que o obriga a agir corretamente: o motorista a levar
responsavelmente seus passageiros, o médico a operar com excelência, o
eletricista a bem ligar a eletricidade e assim sucessivamente. A retomada da
moral como um importante agente do tecido social é talvez o que de mais
importante ficou do episódio do ex-presidente.