Todas
as vezes que o serviço secreto americano força as operadoras e companhias de
internet a permitir acesso às mensagens dos usuários, o fato coloca em questão
a garantia dos cidadãos de ter a intimidade preservada. Trata-se de matéria constitucional
em muitos países. É o novo mundo da informática, colocando em público os
segredos dos cidadãos, fato que é justificado pelo terrorismo e fanatismo
religioso de nosso tempo. Contudo, a questão não é nova, os governos sempre
encontram motivos para vasculhar a vida dos cidadãos.
A
mesma perplexidade ocorrida recentemente com a espionagem americana ocorreu na
Alemanha, muito antes das ameaças terroristas de hoje. No início dos anos
sessenta, a revista Der Spiegel
revelou que o governo alemão fazia escutas telefônicas, apesar do direito dos
cidadãos à intimidade ser assegurada na Constituição. O assunto teve grande
repercussão no país e na Europa. Em outras palavras, os políticos justificam o acesso
à vida privada dos cidadãos, mas não gostam quando a própria vida ou a
administração pública é vasculhada pela imprensa ou a polícia. Se o primeiro
fato é discutível, o segundo é fundamental e do desejo da sociedade. Pessoas
que entram na política assumem que a própria vida e trabalho terão dimensão
pública.
A
pesada rotina da maioria das pessoas as levam a não se interessar pela vida política,
a não se preocupar com os contratos do Estado para fazer estradas, hospitais,
escolas, aeroportos, portos, ferrovias, etc. No entanto, os episódios recentes
denunciados pela Polícia Federal na operação lava jato, envolvendo empresários
ladrões e maus políticos, mostram que a insinceridade e a mentira não podem
permanecer acobertadas na gestão pública. E se o acesso à vida privada dos
cidadãos encontra justificativa nos riscos à sociedade, mais razão há para que
a verdade na gestão das coisas do Estado seja revelada. Uma gestão pública
feita em segredo é um fato negativo para a sociedade.
A vida
pública precisa ser transparente, pois interessa à sociedade saber como os
recursos são gastos, mas especialmente é importante acompanhar a forma como é
feita a gestão do Estado, pois isso funciona como instrumento de educação
social. Do mesmo modo que a operação lava-jato ensina que não se pode
desconhecer a gerência do Estado, o processo de punição dos culpados é parte do
fórum da auto-educação política. A corrupção que está em evidência na operação
lava-jato não se limita à esfera federal, encontra-se igualmente presente na
administração dos pequenos municípios e também ela precisa ser combatida e
punida pela sociedade brasileira.
O
filósofo alemão Karl Jaspers enxergou nas tentativas de ocultar os negócios do
Estado a prevalência de interesses contrários aos da sociedade. Assim ele diz
em Introdução ao pensamento filosófico
(9. ed., São Paulo, EPU, 1993): "só o interesse público é absoluto: que a
batalha pela verdade e pela sinceridade possa continuar a fazer-se com normais
possibilidades de êxito; a batalha pela ordem de prioridade dos interesses e
pelo bem comum, que transcendente a todos os interesses: a liberdade, res-pública
(coisa pública)" (p. 99).
Os
políticos, os governos e seus funcionários pretendem manter suas ações
escondidas, porém os últimos acontecimentos do país mostram que é preciso que
eles estejam bem visíveis, não apenas para que se veja a punição aos corruptos,
mas para que a verdade ganhe notoriedade na condução dos negócios do Estado.