A Britânia nunca aceitou se integrar ao Império Romano, símbolo
da Europa continental, na antiguidade. Na Idade Média emancipou-se do
cristianismo europeu, aproveitando a Reforma de Lutero, fundando a igreja
anglicana com sua própria autoridade, o Arcebispo de Cantuária. Na Idade
Moderna não acolheu as reformas científicas como as unidades de pesos e medidas
adotadas na Europa, permanecendo com as próprias. Na atualidade, o Reino Unido
só aceitou participar politicamente da União Europeia, pois não acolheu o euro,
isto é, ficou de fora monetariamente da Europa continental. E no momento atual,
22 de junho de 2016, aprova por plebiscito a saída da União Europeia. Por isso,
para quem conhece a trajetória histórica da Inglaterra não foi nenhuma
surpresa. O britânico parece que adota o lema paulista: non ducor duco. Seria o mesmo que dizer: não me associo a ninguém,
os demais que se associem a mim.
E foi o que aconteceu. Os ingleses votaram o “leave” e
decidiram sair da União Europeia. Todos sabiam que o Reino Unido torcia mais
para acabar com a União Europeia do que incentivá-la. A consolação é que vale
mais perder um membro revoltado do que teimar em mantê-lo através de
concessões, status especiais, privilégios e outras formas algumas vezes até
humilhantes.
Consumados os fatos, saída do Reino Unido da União
Europeia, surgiram as explicações. E a velha explicação, que na verdade não
explica nada: a culpa é dos “velhos” que votaram o “leave” preferindo o passado
ao futuro, às recordações aos sonhos, o bom senso à ilusão. Os jovens, ao
invés, preferem o crescimento sem fronteiras, livre educação continental e
fronteiras de trabalho mais amplas, por isso votaram “remain”.
Será, no entanto, tão simples assim? Apenas um conflito
de gerações? Evidentemente, não. É um argumento fajuto. Basta apenas ler os
dados. Somente 36% dos jovens compareceram às urnas. E todos teriam sido
europeístas? Basta verificar que somente um terço dos jovens preferiu ir às
urnas e os outros dois terços ficaram em casa. O mais quer se poderia dizer,
neste caso, é que os jovens deserdaram das urnas. Portanto, a explicação de
conflito de gerações não se sustenta.
Na verdade, o que acontece realmente, é que a União
Europeia era apenas nominal. Se observarmos os fatos, o intercâmbio é cada vez
mais rigoroso com os países em dificuldades e sempre mais distante da ideia de
solidariedade, um projeto coletivo de progresso social. Não basta ter um hino,
uma bandeira para criar um povo culturalmente identificado. Atrás de tudo
continuam os velhos problemas: a gravíssima crise da economia global e com ela
a zona do euro, os salários, as aposentadorias, a educação, a pesquisa, a
cultura e os serviços essenciais não se fazem com decretos como se faz crer. E
parece que a escolha dos britânicos sinalizou para isso.
No entanto, permanecem as perguntas no ar em relação aos
efeitos da decisão para a Europa e para o resto do mundo.
1. Entre
positivos podem ser enumerados, entre outros, a absorção das empresas pela
União Europeia que se afastarão do Reino Unido. Mas os efeitos no comércio serão
majoritariamente negativos devido às restrições em relação à Londres e às
incertezas bancárias. De um modo geral, tanto a Inglaterra como a União
Europeia, se ressentirão da decisão do Reino Unido.
2. O
Reino Unido costumava apor numerosos vetos. Agora a União Europeia estará livre
deles e poderá por isso ter mais agilidade em suas decisões, inclusive
conquistar novos mercados.
3. Em
contrapartida, vislumbra-se um cenário econômico-político anglo-saxão, reunindo
Reino Unido, Estados Unidos e provavelmente Canadá concorrendo com a União
Europeia. Para tanto, esta deverá atrair novos mercados. Se não fosse a
fragilidade, esta seria uma oportunidade para o Mercosul de aliar-se à União
Europeia. Resta saber: os orientais, com quem se alinharão.
Quanto à decisão, diz um
provérbio antigo: quer ir? Então vá! Bye, bye. Ou, mais ou menos parafraseando Cícero: Si mundus vult decipi, decipiatur.