Comemoramos este
ano os trezentos anos da elevação do arraial velho à condição de vila. O fato
se deu em 1713, quando reinava em Portugal D. João V. Na organização política
da antiga metrópole a vila era um estágio superior a dos aglomerados humanos
espontâneos, primitivos e pouco complexos denominados arraiais ou aldeias,
embora vila fosse organização
administrativa inferior à cidade. De todo modo, ser reconhecido como vila no
sertão das gerais, em 1713, não era pouca coisa. Significava que o povoamento
que se formara espontaneamente pela busca do ouro já tinha organização urbana
consolidada: Igrejas, praças, ruas, atividade econômica de relativa
importância. E tanto tempo de existência num país de quinhentos e poucos anos
dá à cidade de hoje tradição, melhor dizendo lastro cultural.
O fato evoca a
inevitável questão: essa antiguidade significa algo? O que é ser são-joanense?
Dito de outro modo: há alguma coisa que diferencie o são-joanense dos outros
brasileiros ou dos homens em geral? Como são-joanense considere-se não só os
que nasceram aqui, mas os que adquiriram identidade com o lugar e o escolheram
para viver. Não é fácil uma resposta razoável para tais indagações e o que se
diz abaixo é uma perspectiva, uma forma de olhar.
O ponto de partida
para responder às questões acima é o reconhecimento que ser são-joanense é uma
forma de ser homem. De fato, os são-joanenses participam do destino da
comunidade humana. São também brasileiros e mineiros. Muito bem, os
são-joanenses são homens nascidos ou cuja história se liga a esse lugar
preciso. Alguém poderia dizer e é verdade que essas respostas não nos levaram
muito longe e continuamos diante da necessidade de responder se somos diversos
dos outros brasileiros e mineiros? Muito bem, não se é são-joanense porque se
nasceu aqui. Se assim fosse ninguém
poderia se identificar e se considerar são-joanense. Esse é o ponto
central. Não se é são-joanense por destino, por um acaso que nada tem a ver com
nossas escolhas. Se fosse o caso não seria preciso fazer nada para ser
são-joanense, mas ser são-joanense é tornar-se são-joanense, é incorporar um
modo de viver.
E, nesse ponto,
amplia-se a complicação, pois as ciências, as religiões, as artes ou as
filosofias não podem dar uma resposta razoável para as questões acima. Eis aí a
conclusão inicial: tornar-se são-joanense é se tornar um tipo especial de
homem, de cidadão, de brasileiro e de mineiro. E isso é possível? Há algo que
distinga o são-joanense dos outros brasileiros e mineiros? Eis o centro da questão:
ser são-joanense não é exterior ao ato de tornar-se são-joanense. E o que isso
significa: o que é mesmo tornar-se são-joanense?
Ainda que seja uma
resposta incompleta ser são-joanense é aprender, com as gerações passadas, a
amar o país. Um aprendizado contínuo de entrega e sacrifício no trabalho diário
e nos grandes desafios. O Brasil nasceu do sangue de Tiradentes e dos sonhos de
liberdade de seus amigos. Sobre eles Tancredo Neves se pronunciou certa vez:
"A nação nasceu aqui na rebeldia criadora dos Inconfidentes" (Sua palavra na história, p. 239). Essa
mesma nação foi defendida pelo Regimento Tiradentes na Segunda Guerra Mundial.
Naqueles dias de ameaça à liberdade muitos são-joanenses, como Tiradentes,
também deram a vida pela pátria. Tancredo Neves mostrou, há menos tempo, com
carreira política impecável e sacrifício pessoal, o que significa servir a
pátria. É esse passado de patriotismo dos são-joanenses de ontem que inspira e
serve de modelo aos de hoje.
Tornar-se
são-joanense é também cultivar a latinidade pelos olhos dos portugueses
fundadores do lugar. Eles nos legaram uma forma jurídica de pensar a cidade e a
crença no cristianismo, ambas herdadas de Roma e, mais que tudo, a noção de que
pátria é união de esforços mais do que identidade de sangue. É o que nos faz
viver em clima fraterno com: italianos que para cá vieram no século XIX,
comunidade árabe que nos enriqueceu com sua cozinha e trabalho e africanos que,
trazidos à força por circunstâncias históricas, hoje integram a sociedade com a
alegria e entusiasmo que lhes é próprio. Ser são-joanense é viver a singular
unidade nascida desses grupos que aqui convivem, sem ódios, sem exclusivismos,
sem disputas étnicas.
Tornar-se
são-joanense é descobrir na tradição de fé ardorosa dos fundadores a crença em
Deus, no homem e no futuro, pois uma fé que não se vive no respeito a outras
crenças e não nos faça melhores do que somos não é digna de cultivo. E a fé
maravilhosa que recebemos de nossos pais fundadores se expressa em
manifestações como a Semana Santa e as festas dos santos e santas de Deus.
Essas manifestações são a porta de entrada para a transcendência. Uma fé que,
sem ser invalidada pela razão, é uma fé que ajuda a dar sentido à vida e hoje
pode chamar Deus de muitos nomes e lhe dedicar muitos cultos. Essa fé tão linda
é que aproxima o reino de Deus desse mundo.
Tornar-se
são-joanense é aprender que ir ao futuro. Mais que possuir planos, ideais e
esperanças é respeitar o passado. Assim, o propósito de fazer a cidade linda de
nossos sonhos passa pelo compromisso de preservar a arquitetura tradicional, de
cuidar da paisagem urbana, de ampliar as áreas verdes, de construir com
qualidade e respeito às normas e leis que regem a ocupação do espaço público.
Tornar-se
são-joanense é cultivar o belo em todas as formas de arte: na música barroca
das orquestras centenárias, na representação dos grupos de teatro, nos sons das
bandas históricas, nos livros dos escritores, nos santos e peças barrocas que
saem renovados das oficinas de restauro, nos quadros de nossos pintores, no
maravilhoso artesanato da cidade, nas peças de estanho hoje comercializadas em
todo o mundo. Enfim, descobrir o belo em tudo o que encanta na explosão de
criatividade que se supera em cada nova obra criada.
Tornar-se
são-joanense é descobrir a linguagem dos sinos, encantar-se com a beleza das
torres que os sustentam enquanto giram no ar, é andar leve pelas ruas estreitas
da cidade, admirar as luzes e sons do presépio da Muxinga, contemplar o desenho
maravilhoso dos jardins centenários. É aprender a amar esse arruamento de
trezentos anos com que a mão do homem enfeitou a natureza do vale do Lenheiro.