sexta-feira, 4 de outubro de 2013

SÃO JOÃO DEL REI - A vila de 1713. José Maurício de Carvalho.




Comemoramos este ano os trezentos anos da elevação do arraial velho à condição de vila. O fato se deu em 1713, quando reinava em Portugal D. João V. Na organização política da antiga metrópole a vila era um estágio superior a dos aglomerados humanos espontâneos, primitivos e pouco complexos denominados arraiais ou aldeias, embora  vila fosse organização administrativa inferior à cidade. De todo modo, ser reconhecido como vila no sertão das gerais, em 1713, não era pouca coisa. Significava que o povoamento que se formara espontaneamente pela busca do ouro já tinha organização urbana consolidada: Igrejas, praças, ruas, atividade econômica de relativa importância. E tanto tempo de existência num país de quinhentos e poucos anos dá à cidade de hoje tradição, melhor dizendo lastro cultural.
O fato evoca a inevitável questão: essa antiguidade significa algo? O que é ser são-joanense? Dito de outro modo: há alguma coisa que diferencie o são-joanense dos outros brasileiros ou dos homens em geral? Como são-joanense considere-se não só os que nasceram aqui, mas os que adquiriram identidade com o lugar e o escolheram para viver. Não é fácil uma resposta razoável para tais indagações e o que se diz abaixo é uma perspectiva, uma forma de olhar.
O ponto de partida para responder às questões acima é o reconhecimento que ser são-joanense é uma forma de ser homem. De fato, os são-joanenses participam do destino da comunidade humana. São também brasileiros e mineiros. Muito bem, os são-joanenses são homens nascidos ou cuja história se liga a esse lugar preciso. Alguém poderia dizer e é verdade que essas respostas não nos levaram muito longe e continuamos diante da necessidade de responder se somos diversos dos outros brasileiros e mineiros? Muito bem, não se é são-joanense porque se nasceu aqui. Se assim fosse ninguém  poderia se identificar e se considerar são-joanense. Esse é o ponto central. Não se é são-joanense por destino, por um acaso que nada tem a ver com nossas escolhas. Se fosse o caso não seria preciso fazer nada para ser são-joanense, mas ser são-joanense é tornar-se são-joanense, é incorporar um modo de viver.
E, nesse ponto, amplia-se a complicação, pois as ciências, as religiões, as artes ou as filosofias não podem dar uma resposta razoável para as questões acima. Eis aí a conclusão inicial: tornar-se são-joanense é se tornar um tipo especial de homem, de cidadão, de brasileiro e de mineiro. E isso é possível? Há algo que distinga o são-joanense dos outros brasileiros e mineiros? Eis o centro da questão: ser são-joanense não é exterior ao ato de tornar-se são-joanense. E o que isso significa: o que é mesmo tornar-se são-joanense?
Ainda que seja uma resposta incompleta ser são-joanense é aprender, com as gerações passadas, a amar o país. Um aprendizado contínuo de entrega e sacrifício no trabalho diário e nos grandes desafios. O Brasil nasceu do sangue de Tiradentes e dos sonhos de liberdade de seus amigos. Sobre eles Tancredo Neves se pronunciou certa vez: "A nação nasceu aqui na rebeldia criadora dos Inconfidentes" (Sua palavra na história, p. 239). Essa mesma nação foi defendida pelo Regimento Tiradentes na Segunda Guerra Mundial. Naqueles dias de ameaça à liberdade muitos são-joanenses, como Tiradentes, também deram a vida pela pátria. Tancredo Neves mostrou, há menos tempo, com carreira política impecável e sacrifício pessoal, o que significa servir a pátria. É esse passado de patriotismo dos são-joanenses de ontem que inspira e serve de modelo aos de hoje.
Tornar-se são-joanense é também cultivar a latinidade pelos olhos dos portugueses fundadores do lugar. Eles nos legaram uma forma jurídica de pensar a cidade e a crença no cristianismo, ambas herdadas de Roma e, mais que tudo, a noção de que pátria é união de esforços mais do que identidade de sangue. É o que nos faz viver em clima fraterno com: italianos que para cá vieram no século XIX, comunidade árabe que nos enriqueceu com sua cozinha e trabalho e africanos que, trazidos à força por circunstâncias históricas, hoje integram a sociedade com a alegria e entusiasmo que lhes é próprio. Ser são-joanense é viver a singular unidade nascida desses grupos que aqui convivem, sem ódios, sem exclusivismos, sem disputas étnicas.
Tornar-se são-joanense é descobrir na tradição de fé ardorosa dos fundadores a crença em Deus, no homem e no futuro, pois uma fé que não se vive no respeito a outras crenças e não nos faça melhores do que somos não é digna de cultivo. E a fé maravilhosa que recebemos de nossos pais fundadores se expressa em manifestações como a Semana Santa e as festas dos santos e santas de Deus. Essas manifestações são a porta de entrada para a transcendência. Uma fé que, sem ser invalidada pela razão, é uma fé que ajuda a dar sentido à vida e hoje pode chamar Deus de muitos nomes e lhe dedicar muitos cultos. Essa fé tão linda é que aproxima o reino de Deus desse mundo.
Tornar-se são-joanense é aprender que ir ao futuro. Mais que possuir planos, ideais e esperanças é respeitar o passado. Assim, o propósito de fazer a cidade linda de nossos sonhos passa pelo compromisso de preservar a arquitetura tradicional, de cuidar da paisagem urbana, de ampliar as áreas verdes, de construir com qualidade e respeito às normas e leis que regem a ocupação do espaço público.
Tornar-se são-joanense é cultivar o belo em todas as formas de arte: na música barroca das orquestras centenárias, na representação dos grupos de teatro, nos sons das bandas históricas, nos livros dos escritores, nos santos e peças barrocas que saem renovados das oficinas de restauro, nos quadros de nossos pintores, no maravilhoso artesanato da cidade, nas peças de estanho hoje comercializadas em todo o mundo. Enfim, descobrir o belo em tudo o que encanta na explosão de criatividade que se supera em cada nova obra criada.

Tornar-se são-joanense é descobrir a linguagem dos sinos, encantar-se com a beleza das torres que os sustentam enquanto giram no ar, é andar leve pelas ruas estreitas da cidade, admirar as luzes e sons do presépio da Muxinga, contemplar o desenho maravilhoso dos jardins centenários. É aprender a amar esse arruamento de trezentos anos com que a mão do homem enfeitou a natureza do vale do Lenheiro.

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