Certamente hoje o milagre da ubiquidade, isto é, a capacidade de estar em diversos lugares
ao mesmo tempo, como Santa Clara (padroeira da Televisão) e Santo Antônio, atualmente estão sendo superados e de muito. No entanto, nunca também o ser humano está
tão só. Apesar de poder falar com quem quiser em qualquer parte, ouvir os mais
longínquos e ver o mundo em tempo real, ele está só diante de uma máquina fria.
O mundo atual é de solidão. Por isso, é bem vinda a publicação do filósofo e
psicanalista francês Jean-Bertrand Pontalis do livro Le Songe de Monomotapa (O Sonho de Monomotapa) que aborda o tema da
amizade.
Sabemos que há um abismo entre o mundo virtual e o mundo real. Quando nos comunicamos com nossos "facefriends" estamos diante do nada, do virtual. Quando estamos "face to face" estamos diante do mundo real. Por isso, gostaríamos de enfatizar este último aspecto, o real.
Sabemos que há um abismo entre o mundo virtual e o mundo real. Quando nos comunicamos com nossos "facefriends" estamos diante do nada, do virtual. Quando estamos "face to face" estamos diante do mundo real. Por isso, gostaríamos de enfatizar este último aspecto, o real.
Este fenômeno ocorre
na esfera da consciência numa relação entre seres humanos. Os sentimentos
afetivos pessoais, no ser humano, se estratificam e se entrelaçam em várias relações
e hierarquias. Apesar de estas não poderem ser completamente separadas umas das
outras, conseguem ser entendidas como distintas. Referimono-nos às relações
afetivas de atração física, amor, paixão e amizade. Nem sempre acontecem
isoladamente, mas há sempre a predominância de uma delas. A atração física do
tipo sexual não se confunde com paixão, esta não é o mesmo que amor e este, por
sua vez, não se identifica com a amizade. Cada um deles tem um vetor de apoio
no conjunto da fisiologia e psicologia humana.
A atração sexual ocorre entre dois sexos opostos e mesmo
entre os mesmos sexos. É o que se designa pelas palavras, heterossexual e
homossexual. É uma atração que se esgota com a satisfação podendo retornar
quando novamente provocada. A atração sexual está no nível e tem seu ponto de
apoio no instinto da animalidade, sem
conotações pejorativas. Evidentemente existem outros tipos de atração física
por isso não é única e exclusiva.
Já o sentimento afetivo
da paixão ocorre quando se desfaz de
toda crítica e se centra compulsivamente no objetivo. Bem diz o ditado que a
paixão é cega. A paixão pode estender-se
a várias realidades como religião, política, arte. Aqui enfocamos a paixão
afetiva pessoal, pelo outro. Quem estiver sob o domínio da paixão, não se detém
para pensar, só quer seu objeto, que no caso é o outro. A paixão apóia-se na
vontade. O desejo pelo objeto obscurece a, embota, embaça, a razão. Subjuga-a e
a anula como faz o lutador com seu adversário. É como o amante da aranha
viúva-negra. Embora reaja e queira sobreviver, a derrota o prostra. Quem é
dominado pela paixão, tenta reunir forças para raciocinar. Diz para si: vamos
ponderar e pesar os prós e os contras. A cegueira ofusca o esforço de pensar. É
enlaçado, enredado, enrodilhado. Como sucuri empacota o corpo da vítima. Tenta
chamar por socorro, mas o eco responde que não quer o socorro. Não quer o que
quer. Sente o veneno doce da paixão fluindo pelas veias do corpo. É pleno gozo
do não gozado. É o gozo do não gozo, mas que o sente, pressente, aumenta, avoluma-se,
agiganta-se. Está aí a paixão poderosa, bela, escondida, encontrada e novamente
perdida. O apaixonado ajoelha-se impotente, suplica, agradece, quer ficar
longe, mas não quer perdê-la. Ela deleita, é néctar porque se saboreia apenas
aquilo que se imagina. É bela e sórdida, é sórdida porque é bela.
O amor reside na alma, no espiritual do
ser humano. O amor age como as almas que se contemplam, extasiam-se, querem
comunicar-se. Mas elas são intocáveis e incomunicáveis. Etéreas. Buscam-se abrasadoramente, queimam-se
em chamas, mas permanecem em si. Elas se querem, mas não querem a posse. Buscam
uma ponte que as possa fundir-se, torná-las uma. E por isso sofrem por que o amor
está muito próximo da paixão. E quando ele finda geralmente a lacuna é
preenchida pelo ódio.
Haverá espetáculo
mais belo que o encontro de duas almas? Haverá delírio maior que a fusão de
duas almas? Haverá felicidade que se comparece ao olhar de duas almas que se
amam. Os olhos jamais viram, nem os ouvidos jamais ouviram, nem ninguém jamais
sentiu o que deste encontro irrompeu.
Elas sentiram o céu abrir-se, a felicidade jorrar aos borbotões. O
próprio Deus a inclinar-se e enlevá-las. Elas ressuscitaram, se transfiguraram,
se tornam imortais.
A amizade tem sua morada no ser humano. No seu corpo, nos sentimentos, na razão, na alma. Ela tem o poder de despertar a alegria por que nos afasta da
raiva. Até nos momentos mais tristes podemos sentir alegria se estivermos com
amigos. A amizade esquece a pobreza, fortalece no sofrimento, perdoa a
ingratidão. Mesmo quando nos despedimos
de um ente querido, se estivermos rodeados de amigos, podemos sentir a tristeza
envolta na alegria. Amizade e alegria são dois sentimentos que se irmanam, se
completam. São almas gêmeas que querem estar sempre juntas. Até a morte se
detém diante da amizade.
Quando sentirmos a
cadência da amizade, a alegria irrompe aos borbotões no coração. Dispara quando
ouvimos a voz do amigo. A amizade pode nos elevar aos céus, imaginar uma
humanidade irmanada, um mundo se dando as mãos e entoar a sinfonia de Ode à
Alegria de Beethoven ou um Va Pensiero de Verdi. A amizade nos desprende desta
terra, nos deixa levitando no espaço, voando com o pensamento como se não
tivéssemos corpo. A amizade é o mais belo presente que alguém pode receber. Ela
vale por toda sabedoria, todos os dons, todas as riquezas. Ela enche coração todo. A amizade não necessita de mais nada, ela é completa em si, ela é A ALEGRIA. Ela é tão profunda como uma alma habitando dois corpos.