A
noção de justiça para a ética é extremamente complexa. Por isso, não é fácil indicar seus aspectos fundamentais.
A primeira observação que podemos verificar é que ela preside a todas as
relações intersubjetivas: jurídicas, sociais, políticas e até mesmo teológicas. Se nos perguntarmos quais os critérios para
estabelecermos os parâmetros da justiça constatamos que salta à vista a
diversidade de interpretações desde a lei do mais forte até oferecer a outra
face. No entanto, as diversas interpretações não significam um relativismo
axiológico em relação à justiça. O que acontece são experiências concretas,
históricas de justiça de cada uma. Se nos abstivermos desses momentos vividos
particularmente, verificamos que ela possui um conteúdo universal.
A
Justiça está no âmago da ética. Aquela pressupõe uma igualdade originária entre
os seres humanos. A função da justiça não é apenas para dirimir conflitos, mas
ser um farol que aponta para as virtudes éticas e concretizar a convivência
intersubjetiva pacífica.
A
definição dada por Aristóteles é perfeita. Haveria dois vetores de justiça. Um,
horizontal, estabelece as relações dos indivíduos entre si na troca de bens e
serviços e outro, vertical, estabelece a distribuição dos méritos, evidentemente
levado adiante por critérios pré-estabelecidos.
A
primeira revela algo extraordinário. A justiça deve ser exercida num ambiente
de liberdade, pois só assim todos podem ser considerados iguais. Supõe,
portanto, relações de pessoas livres que contratam livremente entre si. A
condição primeira para que haja justiça é que ocorra num ambiente de liberdade.
Senão, vejamos o inverso: como pode haver justiça, isto é, a permuta entre bens
e serviços se uma das partes está privada da liberdade. A que está privada da
liberdade será necessariamente explorada, pois a outra fará as regras que lhe
interessar.
Mas
como fica a justiça no seio de uma sociedade livre e individualista? Há dois
instrumentos para se chegar a ela: os pactos – podendo ser ocasionais, tácitos
e os contratos – relação bilateral da distribuição de bens e serviços. Isto por
que o pressuposto ôntico do ser humano é da igualdade metafísica e desigualdade
social, ambas decorrentes da racionalidade e liberdade. No entanto, embora os
pactos e contratos sejam os únicos meios numa sociedade individualista para se
atingir a justiça, não se pode dizer que sejam uma garantia de cem por cento.
Os egoísmos e interesses podem atropelá-los e consequentemente vão afetar a
justiça. Além disso, e muito mais grave, é o poder político querer uniformizar
os interesses, tornando-os todos igualitários. A justiça tem por fim conciliar
uma igualdade originária com uma efetiva desigualdade. Por isso, por paradoxal
que seja, sem desigualdade, não haverá justiça, por que esta supõe espaço para
as diferenças.