A
avaliação simplificadora resultado de pobres análises da realidade nacional
fizeram surgir na mídia e nas redes sociais a ideia frágil de que os recursos gastos
com os estádios da copa resolveriam, ou melhorariam substancialmente, a
realidade da educação e da saúde pública brasileiras, caso nelas fossem
aplicados os recursos gastos na construção dos estádios. Essa análise simplória
levou a conclusão igualmente débil: a de que poderíamos construir inúmeros
hospitais e escolas de grande qualidade com o dinheiro de meia dúzia de campos
de futebol que foram reformados para a Copa do Mundo no Brasil. Generalizou-se
a triste ideia de que devíamos ter construído escolas e hospitais padrão FIFA
com esse dinheiro, mudando assim o padrão da educação e saúdes nacionais. Essas
análises simplificadoras tem encanto e mistificam porque buscar a excelência é
um ideal que a humanidade persegue (e deve mesmo perseguir). Portanto, fazer
tudo excelente é o que se deve buscar, inclusive para os estádios de futebol.
Além disso, é boa ideia gastar parte importante dos recursos nacionais com a
saúde e educação do povo evitando desperdício, pois isso garantirá, se feito
com persistência, uma vida melhor para as futuras gerações de brasileiros. No
entanto, os outros aspectos da vida não podem ser esquecidos e a mudança de
padrão social da sociedade depende de trabalho contínuo, do planejamento
sistemático, e do esforço atual geração para a melhoria do futuro. Essa mudança
para melhor não virá com poucos anos de trabalho e pouco empenho.
Apesar
do início do texto sugerir o contrário, não vou tratar aqui do mal uso dos
recursos públicos. Pretendo considerar o triste fato da semana que foi a
descoberta de uma quadrilha internacional, com participação de brasileiros, envolvida
com a venda ilegal de ingressos de cortesia da FIFA. Tomo então emprestada a
expressão padrão FIFA, usada nas
análises simplificadoras acima mencionadas, para referir a uma forma de
corrupção que alcança pessoas de diferentes nacionalidades, formação, estrato
social e uma entidade séria situada numa das sociedades mais organizadas do
mundo, a Suíça.
O
esquema de fraude organizado para ganhos ilegítimos que foi descoberto pela
Polícia Federal brasileira mostra que mesmo em meio a organizações sérias e de
boa tradição pode surgir a corrupção. De modo geral, o mal feito, ou o mal
moral, pode surgir em qualquer sociedade, não importa quão bem organizada seja
e quão possuidora seja dos melhores princípios e intenções. É que o sujeito
humano precisa ser fiel aos ideais éticos para que as coisas corram bem e as
sociedades, futebolísticas ou não, cumpram seu papel e objetivos. Pouca
eficácia possuem bons princípios se forem associados a má conduta. Contudo,
mesmo sendo possível escolher o mal devido à liberdade pessoal é preciso
defender os princípios, pois é da sua difusão que se fortalece uma regra
aceitável para todos. E essas regras permanecem válidas, mesmo se alguns não as
praticam.
A
formação pessoal para a excelência é uma das maiores debilidades de nosso tempo
de massas, dizia Ortega y Gasset. Poucas instituições procuram e defendem, com
entusiasmo, a excelência, pois isso implica numa espécie de compromisso moral
com o esforço e com a vocação pessoal. Excelência moral está associada a
esforço e responsabilidade. A fragilidade da liberdade não pode impedir de
combater o mal. Pois, se não é possível uma sociedade perfeita nessa terra,
quando não se opõem ao mal praticado, os membros de uma sociedade produzem um
mal maior, um mal metafísico, isto é, favorecem o gosto de fazer o mal ou, ao
menos, a crença de que ele pode ser praticado sem enormes prejuízos para toda a
sociedade. Muitas vezes, a simples omissão contribui para que o mal se espalhe.
Precisamos,
por isso, combater o mal em todas as suas formas. Ao debater os princípios
morais e assumi-los fortalecemos o propósito de evitá-los. Ao punir os que se
deixam levar pela tentação do mal feito evitamos a propagação desse mal. Ao
enfrentar os males dos quais somos causa involuntária, como o melhorar uma
sociedade injusta, ajudamos a construir um futuro menos injusto. Ao combater o
males objetivos presentes na vida social damos passos decisivos, reais e
concretos para melhorar o mundo.
A
história de corrupção envolvendo dirigentes da FIFA e outros aproveitadores de
plantão mostra que o mal moral surge onde está o homem e deve ser combatido nas
consciências e instituições. O fato mostra que fica o homem desafiado a renovar
o compromisso na excelência dos princípios pensados e nas ações praticadas
todos os dias de sua existência. Não há vitórias definitivas nessa batalha da
consciência e da organização social.