Vivemos uma crise de cultura examinada por diferentes
intelectuais. De Berdiaeff a Gabriel Marcel, de Edmund Husserl a Martin
Heidegger, de Martin Buber a Ortega y Gasset, de Karl Jaspers a Viktor Frankl,
de Zygmunt Bauman a Vilém Flusser, todos tentaram explicar o que estamos
enfrentando. Tantas explicações não nos livram de passar pelos dramas e
confusões de nossos dias. Se tentamos compreender o que se passa nesse tempo de
apuros mergulhamos em dúvidas.
A dificuldade para enfrentar a crise encheu as redes sociais
de fake News. Nesse quadro nada
confortável reapareceu a ultra direita com pautas contrárias ao que até pouco
era considerado essencial à vida civilizada, a saber: a função social da
propriedade, o estado de direito, os direitos humanos, a preservação ambiental,
a democracia política, a racionalidade como importante exercício social de dar e
ter razão, o reconhecimento do valor da ciência moderna como aquele
conhecimento que legitimamente explica o funcionamento do mundo, ainda que
insuficiente para dar conta da noção ampla da realidade e dos valores. Essa
ultra direita posicionou-se contra o humanismo, atacou a imprensa livre,
renegou os estudos das humanidades, combateu a independência do judiciário e
fez uma interpretação torpe das ideias de Jesus de Nazaré. O cristianismo foi,
nesse caso, afastado dos seus valores originários, associado a um moralismo
inadequado por fanáticos ignorantes, a ponto de ser denominado de cristianismo
do mal. Melhor seria dizer que estamos diante de um falso cristianismo, não de um
mal. Todo esse clima cultural ajudou a ascender o racismo, a homofobia, a
intolerância política, aumentou a violência social, a exploração humana e
religiosa, o desrespeito àquelas pautas consideradas civilizadas e mais
próprias dos seres humanos. Somos diferentes e únicos sim, genética e
psicologicamente, mas isso não nos desobriga de construir uma sociedade
fraterna e de irmãos, isto é, pautada por valores éticos. É uma falácia falar
de um Deus de todos e propor a violência e a injustiça. Toda essa confusão e
falácias que encontramos nas redes sociais se mistura a outros aspectos ruins
da cultura de massa como: a transformação do homem em apêndice de uma máquina e
a ampliação do desejo de gozar sem limites, de forma rápida e irresponsável.
Uma análise dessas dificuldades de nosso tempo estão mais precisamente
descritas no livro O enigma do
inconsciente e a força da subjetividade (Porto Alegre: MKS, 2022). E os
problemas ali mencionados são ainda mais graves e complexos que os acima
mencionados (p. 8): “O desprestígio da razão é porta aberta ao totalitarismo.
Todo esforço antifilosófico foi estímulo à barbárie. A antirrazão é o alimento
dos governos antidemocráticos. E esses governos estimulam as massas. Não há
melhor espaço vital para ideologias ruins que a ignorância, a negação da
racionalidade, a descontinuidade da Filosofia e o desprestígio das Humanidades,
o descrédito da Ciência e o radicalismo ideológico.”
A recuperação do humanismo e dos estudos de ética parece importante
para enfrentar esses desvios de rota, alterações nos rumos da vida social que
promovem, recusam ou diminuem a dignidade e o sagrado valor das pessoas. A
essência do humanismo é que todos os homens possuem o mesmo valor e dignidade.
E o reconhecimento da dignidade e de uma humanidade comum não elimina, como
ensinam as falácias atuais, a singularidade de que somos feitos, mesmo quando
entendemos pertencer à mesma humanidade. Isso é ainda mais importante se
queremos construir uma sociedade de irmãos que reconhece em Deus o Pai criador
de todos.