Os
eventos de corrupção envolvendo altos funcionários da República e grandes
empreiteiros, versão atualizada do patrimonialismo nacional, os primeiros
enriquecendo ilicitamente e os segundos brincando de capitalismo, fazendo o
discurso da livre iniciativa, mas ganhando dinheiro, sem risco, subornando as
autoridades do Estado, que ocupa, há várias semanas, as manchetes do país. É um
assunto já bastante comentado e, nessa altura, todos os corruptos e corruptores
já deviam estar presos e o dinheiro devolvido ao Tesouro Nacional. Contudo,
algumas postagens nas redes sociais, hora queixando-se de que as medidas se
direcionam contra um único partido, outras apoiando a intervenção militar e
outras ainda defendendo ações não amparadas em lei pelo juiz que conduz o caso,
me estimularam a voltar ao tema.
Não
quero, contudo, tratar o óbvio, todos os ladrões, de qualquer partido, que
tenham se beneficiado dos esquemas de corrupção, que empobrecem o Estado e a Sociedade,
devem ser punidos. Não pode haver exceção para aqueles que enriquecem e vivem
uma vida de luxo ilicitamente obtida, às custas da maioria dos brasileiros que
luta com extrema dificuldade para viver. A investigação precisa atingir e punir
todos os corruptos. Porém, isso deve ser feito dentro da lei, tanto a condução
da investigação, quanto o respeito ao direito de defesa. Quanto às Forças
Armadas, que continuem a cumprir seus deveres constitucionais. Se em nossa
história interferiram no processo político, hoje devem se manter no estrito
cumprimento das leis, pois é organização fundamental para a segurança do país e
das Instituições Republicanas.
São
os valores cívicos, ou sua ausência que nos chama atenção. Se a população está
entendendo, com grande sofrimento, que não se pode ter um país razoável
quando dirigentes roubam o patrimônio
público, isto mostra que o roubo, em qualquer de suas formas e níveis prejudica
toda a sociedade. Se os maus empresários escrevem péssima história no
capitalismo, que os livres empreendedores cuidem de ser bons empresários, paguem
os impostos devidos e assumam o risco das atividades, para as quais são
recompensados. Enfim, é no cumprimento dos deveres e na prática dos valores
cívicos que se fortalece a nação e se cultiva a esperança.
Muitos
séculos antes de Cristo, o filósofo grego Aristóteles, em outro contexto e de
outro modo, postulou não valores, que são objetivos e moldados culturalmente,
mas virtudes cívicas, que são os hábitos de natureza moral que o cidadão
desenvolve e lhe permite cumprir suas obrigações com o Estado. Independente do
anacronismo dessa forma de entender virtude, como potência própria do homem de
natureza moral, ela considera um fenômeno fundamental: a relação de amor e
dedicação do cidadão para com seu Estado. A areté
ethiqué de Aristóteles, que tem um sentido distinto do que hoje entendemos
por virtude, reflete, contudo, a excelência no cumprimento de suas obrigações, que
o tornava bom e fazia de sua Cidade-Estado (Pólis) um lugar ainda melhor.
Cidade da qual ele se orgulhava de pertencer e morar. No caso de Atenas, seus
habitantes a ela se referiam orgulhosamente como a linda localidade, iluminada
pelo sol mais claro do Mediterrâneo, lugar onde a deusa da sabedoria escolheu
para habitar.
É
um pouco desse amor e carinho pelo Estado que sobrava nos antigos gregos que
precisamos cultivar. Não naquela completa identificação do cidadão com a
cidade, mas assegurando a liberdade pessoal. Nesse novo contexto, comprometer-se
contudo, como os antigos gregos, com os destinos dessa nação, pela qual tantos deram
e dão o melhor da vida ou a própria vida.