Não se pode dizer que o cristianismo desenvolveu tão
somente uma ética linear na Europa. As contribuições vinham dos mais diversos
setores e autores. O que acontecia era que havia uma cultura oficial e esta
dava as diretrizes. AS “culturas” que se desviassem da oficial eram condenadas
como heréticas. A primeira seria considerada oficial e a segunda dissidente.
A contribuição de Lutero foi de forçar a adoção de um
pluralismo cultural, colocando-se ao lado da cultura e ética não oficial, proveniente de um pluralismo religioso. Com efeito, a
Reforma de Lutero possibilitou a advento de dezenas de religiões cristãs na
Europa cujo pensamento oficial não conseguiu mais se opor, citamos as
religiões: protestante, presbiteriana, anglicana luterana, calvinismo,
anabatista, metodista entre outras.
Uma das religiões que se disseminou na Europa foi a
calvinista dando origem uma ética sui generis, devido as consequências para a
economia. Não que os fundadores, os calvinistas, tivessem em mente um modelo
econômico capitalista. Ele foi um efeito não desejado de uma ética praticada
por eles. Isto não significa a negação de outras explicações do capitalismo,
apenas mais uma. A análise desta ética coube a ax Weber em a “Ética Protestante
e o Espírito do Capitalismo”. O objetivo de Weber não foi o religioso, mas o
econômico, embora o econômico provenha do ethos religioso, no caso do advento
do capitalismo, e não o contrário, isto é, o religioso ser uma superestrutura
ou função do econômico. Em questão religiosa mantém-se neutro. Faz somente
sociologia, fundamentado na hipótese compreensiva.
Com efeito, a hipótese de Weber é que as teses teológicas
da Reforma protestante calvinista tiveram um efeito não esperado e nem
pretendido, qual seja, ensejou um ethos mundano e econômico-materialista. Isso
está calcado na doutrina calvinista sobre a crença na predestinação. Para
Calvino não é Deus que existe para os homens, mas estes para Ele. Além disso,
pregava que não seriam todos que gozariam da bem- aventurança da salvação, mas
apenas uma pequena parcela, que teria como sentido a autoglorificação de Deus.
A “justiça” terrena como critério para os desígnios de Deus seria uma ofensa.
Por que somente Ele e somente Ele é livre, isto é, não está submetido a nenhuma
lei. Seus decretos somente podem ser conhecidos se ele os quiser revelar. O que
conhecemos é somente isto e o resto são mistérios obscuros, tal como o sentido
de nosso destino individual. Se os condenados quisessem se queixar de sua sorte
é como se os animais lamentassem por que não são seres humanos. A criatura
humana está separada de Deus por um abismo intransponível e aos olhos de Deus
esta criatura só merece a morte eterna a não ser que Ele decida de forma
diversa. Só de uma coisa temos certeza: somente apenas uma pequena parte da
humanidade está salva e resto está condenado a priori. Supor que haveria um
critério de merecimento para a salvação ou condenação é insensatez. As decisões
são absolutamente livres de Deus. A graça de Deus é imperdível para quem a
recebeu da mesma forma que inatingível a quem lhe foi negada. Há, portanto, uma
predestinação de todo ser humano.
Esta religião tem em mente a eternidade, isto é, os
eleitos e os condenados já tinham seu final traçado para sempre: estavam
predestinados ou à salvação ou à condenação. Isto levava os fiéis a um dilema
angustiante: “serei eu um eleito ou condenado?” De nada adiantaria os
sacramentos ou boas obras. Ninguém poderia ajudá-lo. Nem o pregador, pois
somente o eleito seria capaz de entender o em espírito a palavra de Deus. Os
sacramentos, que na doutrina católica, são meios que Deus dispõe para obter a
graça, no calvinismo não se obtêm nada, pois são apenas auxílios externos e
servem para a glória de seu autor. Nem mesmo a igreja, pois esta serve para
congregar eleitos e condenados e não os que se esforçam para conseguir a
bem-aventurança. É como uma seara que abriga joio e trigo. O agricultor escolhe
o que quer. No entanto, fora da igreja não haja salvação: extra eclesiam nulla
salus. Nem mesmo Deus pode ajudá-los, pois Cristo morreu pelos eleitos e não
pelos condenados.
As raízes desta doutrina de desencantamento podem ser
encontradas obscuramente delineada nas profecias do judaísmo e também no
pensamento científico helênico. Consideram superstição toda e qualquer prática
“mágica” que visasse a salvação. O puritano calvinista genuíno condenava até
mesmo cerimônias religiosas fúnebres e enterravam os mortos sem cantos, nem
rezas, nem música. Tudo o que pudesse lembrar uma proximidade da criatura com o
Criador era peremptoriamente condenado. Era preciso a qualquer custo manter distância
de Deus.
Esta doutrina tinha tudo para levar ao suicídio coletivo,
pois os planos de Deus não mudariam. Em vez do suicídio ou desespero a doutrina
suscitou nos seus seguidores “um sentimento de inaudita solidão interior do
indivíduo”.
Tudo estava decidido. A partir disso os crentes tentaram
encontrar “provas” da eleição. Identificaram-na com o sucesso na atividade
mundana, isto é, ser bem sucedido economicamente era uma “prova” de ter sido
escolhido por Deus para a salvação eterna.
Mas como chegar ao sucesso econômico? Através de um ethos
de vida. Nada de gozar a vida com o dinheiro ganho ou os bens adquiridos.
Gastar somente o necessário para sobrevivência. A orientação era ser prudente e
diligente. Afastar a preguiça, pois tempo é dinheiro. Se o credor o vir ou
ouvir trabalhando até altas horas da noite ou cedo de manhã, ficará descansado.
Cultivar um bom nome, pois isto facilita o crédito e este leva ao investimento
e reinvestimento. “Crédito é dinheiro”, dizia o calvinismo. Se, após o
vencimento, alguém fica com o juro o qual é igual ao dinheiro, está guardando
um dinheiro que não é seu. O dinheiro é procriador fértil. Ele gera dinheiro e
seus rebentos geram mais dinheiro e assim ao infinito vai acumulando capital.
Como diz o ditado, um bom pagador é senhor da bolsa alheia. Quem criar a fama
de bom pagador pode pedir quanto dinheiro precisar ou quiser que todos emprestasse.
Ser pontual nos compromissos e frugal no consumo.
Percebe-se que a doutrina calvinista não é apenas uma
técnica de vida, mas uma ética. A violação destes princípios não somente
significam loucura, mas uma falta com o dever. Não se ensina como negociar, ser
esperto, mas um ethos, um espírito o qual tem como subjacência uma crença
religiosa. Se conseguir fazer isto, será bem sucedido nos negócios e isto prova
que é um eleito. E qual o calvinista que não quisesse?
Da mesma forma que o calvinismo outras religiões
trouxeram novas e diversas contribuições culturais para a Europa. O luteranismo
contribuiu com a o valor da fé, em detrimento das obras de tese católica. A
anglicana chamou a atenção da importância da religião local. Saliente-se o
valor do trabalho como um benção, em oposição do castigo como se salientava no
catolicismo.
A recompensa do esforço era o sucesso e com ele a certeza
da salvação: a sensação irracional de ter cumprido o dever.
As palavras de Lutero ao Papa repercutiam pela Europa
inteira: quem te disse que és um semideus e que podes fazer tudo que quiseres,
papa Leão? Todos entenderam que se tratava de corrupção, espírito mundano,
venda de indulgências, concubinato etc.
À medida que Lutero avançava no sentido de dar nome e
princípios diferentes à sua doutrina a Cúria romana agia no sentido de
desvencilhar-se dos motivos das acusações. A maior reação foi o Concílio de
Trento, mas já era tarde. Praticamente somente dois países o adotaram: Espanha
e Portugal.
Lutero continuava atacar chamando o papa de Anticristo,
pior de qualquer Turco e denominar Roma de Nova Babilônia.
Talvez se tivesse explorado o lado humano de Lutero teria
conseguido algo. Gostava de chamar sua mulher Katharine de “minha senhora
Kathie. Apreciava alguma bebida e
“ameaçava” Deus de não reconhecê-Lo Todo Poderoso se não o aliviasse das dores
nos rins. Mas politicamente era implacável: não aceitava nenhuma autoridade,
nem de papas nem de concílios.
Espalhou a guerra por toda Europa purificando- com um banho de Sangue. Ao fim, das guerras nas outra Europa cultural, renovada e
calcada nos novos princípios éticos originários não da religião, mas da razão.
Com isso Lutero deixou a Europa preparada para a Idade Moderna:
1º A Bíblia deixou de ser critério científico.
2º Um leque cultural foi aberto.
3º A autoridade cedeu lugar ao livre arbítrio.
4º O poder político reside na comunidade e não no papa.
5º A fé religiosa passou para a vida privada.
6º O antropológico tomou o lugar o teológico.
Com isso Lutero deixou a Europa preparada para a Idade Moderna:
1º A Bíblia deixou de ser critério científico.
2º Um leque cultural foi aberto.
3º A autoridade cedeu lugar ao livre arbítrio.
4º O poder político reside na comunidade e não no papa.
5º A fé religiosa passou para a vida privada.
6º O antropológico tomou o lugar o teológico.