O
homem é capaz de escolher e dar rumo a sua vida. E as escolhas dirigem a
existência porque ele é capaz de planejar o futuro e de se responsabilizar pelas
escolhas. As opções apontam, então, para um sentido. E como as escolhas são
expressão da liberdade, podemos dizer que a história do homem é jornada de
conquista da liberdade ou da construção do futuro, da liberdade das pessoas e da
sociedade. Falamos de conquista porque nem a liberdade dos indivíduos teve
sempre a mesma amplitude em todas as etapas da história e porque a liberdade
dos grupos se subordina ao desenvolvimento tecnológico, científico, moral,
social, religioso, econômico e jurídico. Por isso, ao pensar o que é a história
humana, o filósofo alemão Georg Hegel a identificava como a evolução da
liberdade da consciência e das normas.
Não
interessa entrar aqui nos detalhes de sua meditação, apenas notar que ele
tratou a liberdade como conquista de grupos e pessoas porque olhou o futuro
como o triunfo deste projeto. Hegel observou o papel que a meditação filosófica
teve entre os antigos gregos na construção da liberdade e, ainda, de que modo o
cristianismo aprimorou a noção de liberdade íntima quando a liberdade política
não teve como se expressar no Império Romano. Finalmente, o pensador alemão considerou
a liberdade cidadã no que chama de mundo germânico, isto é, a parte da Europa
que viveu o clima da reforma protestante (o antigo Império austro-húngaro, a Escandinávia,
a Holanda e até a Grã-Bretanha).
A
liberdade cidadã, notadamente depois da Revolução Francesa, colocou em pauta a
chamada liberdade negativa, que foi assumida pelos liberais da primeira hora. E
o que é a liberdade negativa? É o entendimento de que sou tanto mais livre
quanto menos os outros interferem nas minhas decisões. Nesse caso a liberdade é
fazer o que quero e como quero. Tanto faz se isto significa construir sem prestar
contas às leis, o que é um desastre para a preservação das cidades históricas e
sítios de valor arquitetônico, como não seguir as leis de trânsito e meter a
faca em quem não gostar, como ocorreu esta semana em São Paulo. Esta noção de
liberdade só pode vigorar pela completa imaturidade intelectual de quem
desconhece os limites da moralidade, das leis e das necessidades que regem a
convivência social. Pode-se, acrescentar, um Estado que funcione mal e não
consiga ensinar aos cidadãos, nem aplicar as leis.
Assim,
se a história humana é a conquista da liberdade, ela também é reflexão sobre
seus limites já que a liberdade completa é só para Deus e incompatível com a
vida em grupo, com leis morais e jurídicas. Basta lembrar que a noção de
liberdade negativa é impossível porque significa a imposição da vontade
individual sobre todo o grupo. Por outro lado, o que parece ser grande
liberdade numa época (viajar até Paris para um índio da América
pré-colombiana), pouco significa hoje em dia. Logo, o conceito de liberdade é
inesgotável e depende do nível alcançado por uma sociedade ou pela razão. É o
que ensinou Kant: nós podemos agir seguindo nossos impulsos, mas uma ação só é
correta se atende ao um princípio racional que a oriente. Quando a razão não
basta para conter os impulsos e desejos a lei estabelece o limite aceitável das
ações.
Estamos
vivendo hoje em dia um tempo crítico na história do país, talvez da humanidade,
porque perdemos os limites impostos pela moralidade (pela razão) e pela lei. Por
exemplo, a baderna e o vandalismo em nossas capitais, apresentadas sob o nome
protesto legítimo diante de autoridades incompetentes que assistem bestializadas
o que se passa. Outro exemplo, a banalidade e impunidade com que se mata, se
furta, se descumpre as leis de trânsito, se desrespeita o direito dos outros.
A
sociedade brasileira, e mundial, está atualmente desafia a repensar o sentido
da liberdade para recolocá-la no nível que podemos vive-la em nosso tempo, pela
obediência as normas de moralidade e leis democraticamente criadas e vigentes
no Estado de Direito.