II
No nosso artigo anterior
refletimos um pouco sobre a compulsão pelo poder. Evidentemente a compulsão não
se manifesta somente quanto ao poder. Todo vício humano é compulsão. Poderíamos
nos perguntar pela origem ou em que se fundamenta.
O agir humano possui duas
dimensões: a animalidade e a racionalidade. Pela primeira, guia-se pelos
instintos para agir. Pela segunda, dirige sua ação guiado pela razão, e por isso
age eticamente. Como as duas dimensões formam uma única individualidade no
homem elas podem estar em harmonia, mas também em conflito. Podem auxiliar-se
mutuamente tanto para o bem como para o mal.
O agir racional, porém, está
condicionado à animalidade. Para que possa se dedicar ao racional o homem
necessita de um satisfatório funcionamento biológico, de produção material
suficiente de coisas para subsistir e de uma individualidade no meio da
pluralidade.
Os homens não nascem homens, mas
se fazem no decurso de suas vidas. Eles são frutos de um eterno “fieri”, do nascimento à
morte. O ser humano não faz parte das coisas, mas sua existência está
condicionada a elas. É com elas que ele pode tornar-se distinto delas. As
coisas são ferramentas para o homem desprender-se delas. Precisa de artefatos
terrenos para abandonar a Terra[1]. E por isso, como todo ser vivo,
motiva-se pelos instintos. Circunscreve-se até aqui à animalidade.
Preenchida esta condição o homem pode lançar-se à reflexão. Esta se faz
pela racionalidade ou representação. A racionalidade no agir humano, se propõe
fins. A racionalidade se opõe ao instinto que, ao invés de prever a ação
humana, determina-o. Quando os instintos se sobrepõem à racionalidade no agir
humano eles substituem os valores ou os fins racionais. Eles deslocam o sentido
racional e os valores que deles decorrem o degradam. A humanidade é substituída
pela animalidade, inclusive com a colaboração da razão. Nisso consiste a
corrupção do homem.
A convivência é formada de
relações e de passagens intermediárias, como vida familiar, a vida social e
desta para a política. Evidentemente que, uma das mais significativas, é a
relação entre o homem-cidadão e o homem-político. Sobretudo porque são esferas
distintas embora continuadas. O cidadão preexiste ao político. O político,
inclusive, depende da maneira que foi preparado como cidadão. Por isso, o
conjunto e o resultado das ações que preparam o cidadão constituem a cultura
cívica. O cidadão é um político potencial. Como cidadão, ele estende seu agir
aos mais diversos espaços da vida humana: à economia, religião, profissão e
política. Nessa ação, ele age, de acordo com a cultura na acepção kantiana, que
diz: “...a capacidade de escolher os próprios fins em geral ( e, portanto, de
ser livre) é a cultura.”[2] Esse é o sentido da paidéia
grega ou humanitas latina, a qual indica
um agir específico do homem em oposição ao animal, criando um ethos cívico, ou
o “animal político”, segundo Aristóteles.
Diante disso, o homem pode
pautar-se por um comportamento guiado pela animalidade – prevalecendo os
instintos - ou pela racionalidade e neste caso a ética sobrepõe-se. Podemos
ainda citar uma terceira situação: prevalência dos instintos com a colaboração
da razão. Neste caso temos a corrupção do ser humano. E quando esta situação
tornar-se uma obsessão, então haverá a compulsão. Este apetite desordenado tem
sua origem no instinto maximizado, potenciado pela razão. Aliás, todo tipo
compulsão é uma procura obsessiva para satisfazer o instinto: mandar, comer,
beber, sexo, bens etc. O animal não consegue ter a compulsão por que lhe falta
a razão.
Como neutralizar o instinto,
fortalecendo a racionalidade e, a partir dessa, atingir a genuína humanidade?
Em outras palavras, como preparar o homem para a ética e evitar a compulsão dos
instintos? É o papel das várias ciências humanas como psicologia, educação e
pedagogia entre outras.
Para amenizar a aridez do
raciocínio supra, trago uma piada de compulsão para o furto do imaginário
popular.
O presidente dos Estados Unidos,
a rainha da Inglaterra e a presidente do Brasil estão num avião. Lá pelas
tantas Obama diz:
- Estamos passando por Nova
Iorque.
- Como sabes? – perguntam os
outros dois.
-Vejo a Estátua da Liberdade.
A viagem prosseguia. Depois de
algumas horas diz a rainha da Inglaterra:
- Estamos passando por Londres.
Os outros perguntaram como sabia.
- Estou vendo o Big Ben.
Mais tarde a presidente do Brasil
também intervém e diz:
- Estamos passando por Brasília.
- Como sabes?
- É que botei a mão para fora e
fiquei sem o relógio