A recente
marcha dos evangélicos em Brasília contra o casamento homossexual e os
protestos dos conservadores franceses, inclusive com suicídio na Catedral de Notre Dame, o pelo mesmo fato não têm a mesma
inspiração, a julgar pelo que dizem suas lideranças. De um lado, os pastores evangélicos condenam
o homossexualismo em nome da família tradicional, de outro as lideranças civis
francesas, com apoio dos partidos conservadores, são contrárias ao
reconhecimento, pelo Estado francês, do casamento homossexual. Em comum entre os movimentos apenas o terem
sido projetados como manifestações pacíficas e terem descambado para a
violência. Mais lá do que aqui, pois muitos franceses partiram para cima da
polícia encarregada de manter a ordem.
A diferença
essencial no discurso das lideranças é o seguinte. Os pastores defendem a
família tradicional porque consideram a homossexualidade uma perversão da
natureza humana, uma falta moral condenada nos ensinamentos bíblicos. Os
líderes franceses não contestam a opção sexual, mas não querem o casamento
homossexual. Não querem porque casamento, pelas leis do Estado Francês,
significaria permitir a estes casais o direito de adotar crianças ou tê-las por
inseminação (no caso de casais femininos), sem a presença de um pai masculino.
A argumentação
religiosa de que a homossexualidade consiste numa falha moral decorre da
interpretação linear do texto bíblico (o que é um absurdo hermenêutico) ou de
uma antiga visão de natureza humana que remonta à antiga Grécia. Para
Aristóteles, a natureza é causa ou essência necessária e para os estóicos ela é
disposição que move por si, segundo razões de origem. Esta última escola identifica
natureza com a ordem do mundo e deu origem à chamada lei natural de grande
importância na Moral e no Direito até o século XIX. Para ambas a humanidade se
divide em dois sexos que os corpos trazem definido, além do uso da razão. Deixemos
de lado outras concepções de natureza, como a de Plotino, que a toma por
manifestação imperfeita do espírito ou ainda o entendimento funcional que a
ciência contemporânea tem de natureza, definindo-a como campo de estudo delimitado
por seu objeto. O conceito de Aristóteles e dos estóicos considera que tudo o
que não obedece a esta ordem essencial é um desvio de sua finalidade. Considerando-se
tenha Deus criado o gênero humano, Ele quis que o gênero fosse dividido em
homens e mulheres. A homossexualidade é, nesta visão metafísica um desvio da
natureza.
Além da razão
histórica (aproximação da visão grega), as Igrejas cristãs foram contrárias ao
homossexualismo porque, durante séculos, a sobrevivência da humanidade dependia
do nascimento de muitas crianças, pois era alta a mortalidade e curta a
expectativa de vida.
Contra a visão
de natureza acima mencionada, que só se misturou ao cristianismo por
circunstâncias históricas que não cabe aqui detalhar, a Psicologia atual mostra
que as preferências sexuais têm muito mais a ver com a educação e a
identificação com figura do mesmo sexo. Não podemos, com nosso conhecimento
atual, precisar matematicamente como as duas variáveis orientam a escolha
sexual e se mais alguma atua. A escolha é importante, é claro. Assim, impedir
alguém de viver uma escolha homossexual com base na interpretação de natureza
dos gregos é, pelo que sabemos hoje, avalio, um daqueles crimes contra a
humanidade que historicamente perpetramos (queimar bruxas, perseguir judeus,
matar o infiel, etc). Por outro lado, saber precisamente o que ocorrerá com os
filhos destes casais não sabemos. Isto significa que se há alguma razão a dar aos
conservadores franceses, nenhuma há no fanatismo religioso. Acredito que Cristo
não condenaria ninguém pela escolha sexual se vivesse hoje, embora tenha
condenado e o faria de novo ao farisaísmo e a ignorância.