Nas eleições de 2 de outubro registrou-se um fenômeno típico do sistema eleitoral proporcional: um mínimo (mínimo mesmo!) foi eleito por votos diretos do eleitor. Os demais por sobras de proporcionalidade. Apenas 5% eleitos e os demais por participação partidária. De um total de 513 deputados somente 25 foram eleitos. Isso significa que não temos um parlamento representativo, apenas nominal. Uma ficção!
A explicação pode ser encontrada na
distinção entre democracias majoritárias e democracias consensuais
fundamentadas no sistema eleitoral distrital e proporcional.
As democracias majoritárias e democracias
consensuais, feita por Arend Lijphart, evidencia que, no fundo, elas decorrem
do sistema eleitoral, isto é, as democracias majoritárias têm sua origem no
sistema eleitoral distrital, em sua maioria, e as democracias consensuais
geralmente são provenientes do sistema proporcional. Isso porque cada sistema eleitoral objetiva
um resultado específico. O sistema distrital quer obter da sociedade o que,
naquele momento, mais almeja enquanto o sistema proporcional objetiva o número
total de aspirações. No primeiro, faz-se uma hierarquia dos alvos imediatos,
desde os mais urgentes até os menos importantes. No segundo, faz-se um
levantamento abstrato das aspirações. O resultado aparece em forma de maioria
absoluta no primeiro sistema e em maiorias relativas, no segundo. O que
facilita esse quociente é o sistema eleitoral. O sistema distrital obtém, de
distrito em distrito, as demandas mais significativas da sociedade até o
resultado final. O sistema proporcional espalha a busca dentro da sociedade
como um todo. Obterá um total, mas sem saber quais os mais importantes. No
primeiro caso, temos uma democracia com um governo de maioria e, no segundo,
obter-se-á um governo de consenso porque, após as eleições, os partidos deverão
escolher aquelas prioridades, as quais entenderem que são mais importantes, mas
não necessariamente aquelas que a sociedade entenda que sejam.
O sistema eleitoral distrital escolhe os
candidatos dos partidos que estão de acordo com os anseios imediatos daquela
microssociedade. E, como de um modo geral, em cada parcela da sociedade, há
interesses mais importantes e iguais à comunidade toda, esse sistema faz que um
partido que sintonizar com os interesses mais relevantes de cada distrito
consiga mais de 50% dos votos, e outro, menos sintonizado, chegue a menos de
50%, mas próximo a ele. Na próxima eleição,’ a proposta do outro partido pode
ser eleita prioritária e o partido anterior ficar em segundo lugar. Esses dois
partidos se alternam de eleição em eleição fazendo maioria, estabelecendo-se
assim um sistema bipartidário. O sistema bipartidário constitui o fundamento de
uma democracia majoritária.
Por sua vez, no sistema proporcional,
cada partido procura atender a alguns anseios de cada comunidade, tanto da
maioria como das minorias, mas sem dar prioridade a nenhum, acaba tendo que
abraçar a todos e, com isso, nenhum candidato ou partido fará maioria,
configurando-se como resultado, uma gama de partidos mais ou menos iguais, mas
sem que nenhum tenha obtido maioria. Esse sistema eleitoral provocou um
multipartidarismo. Este, o multipartidarismo, que é o critério do modelo de
democracia consensual.
Havendo um partido que faz maioria no
parlamento, no sistema bipartidário, se
for um sistema de governo parlamentarista, essa maioria fará o executivo e,
consequentemente, o governo possui maioria no parlamento, podendo assim aprovar
as propostas programáticas. Se for presidencialista, geralmente o mesmo partido
que elegeu o presidente faz também maioria no parlamento. Por isso, em ambas as
alternativas, haverá um executivo forte. Ora, uma das características do modelo
de democracia majoritária é um executivo forte.
Um executivo alicerçado nas alianças ou
coligações e dependente de outros partidos para governar é decorrente do
sistema multipartidário. Como consequência, haverá um executivo que depende das
alianças parlamentares e, em decorrência disso, em igualdade de poder com o
legislativo, no qual estão representados todos os anseios da sociedade. Por sua
vez, a igualdade de poderes constitui um dos fundamentos do modelo democrático
consensual.
O sistema eleitoral distrital força o
afunilamento de interesses, prioriza metas concretas e tangíveis e favorece o
surgimento de maiorias e, com isso, encaminha-se para o modelo majoritário de
democracia.
O sistema proporcional favorece a
dispersão da demanda, dando o mesmo valor a metas de maiorias e de minorias.
Baseada apenas em critérios partidários é composta de uma maioria com base em
uma negociação suprapartidária para obter o apoio dos partidos que participam
do governo, originando-se assim
Inclusive uma democracia consensual. (LIJPHART, Arend.. As Democracias
Contemporâneas. Trad. de Alexandre Correia e Francisco Bagio. Lisboa, Grandiva, 1989. (Democracies. Yale University
Press London, Yale University Press, 1984)