Muitas vezes na antiguidade os relatos dos fatos históricos
acompanharam o interesse das dinastias que dirigiam as grandes civilizações. Os
relatos daquele tempo enalteciam os feitos do rei e contavam os fatos de forma
tendenciosa. A construção do que se chamou ciência histórica, na antiga Grécia,
iniciou um esforço de objetivação no tratamento dos fatos. A interpretação deles
é inevitável, mas não pode mudá-los apenas ajudar a melhor compreendê-los.
Ao longo dos tempos a interpretação e compreensão dos acontecimentos
mudaram, mas a ciência histórica se consolidou reconstruindo o discurso e
compreensão dos fatos passados à medida que obteve melhor informação sobre eles.
Mesmo quando novos informes e dados sobre os acontecimentos foram
identificados, a ciência histórica não prescinde das fontes primárias e das
evidências que consegue reunir, por exemplo, da arqueologia, arquivística, química e de outras ciências que auxiliam na ampliação
e melhoria da compreensão dos fatos e objetos históricos. Por isso, o cuidado e
a preservação dos documentos e objetos são fundamentais para que a compreensão
dos fatos possa ser desenvolvida e ampliada no futuro. Dessa forma, o passado
pode ser continuamente revisado e melhor entendido, oferecendo novas lições às
sucessivas gerações de homens.
Se a preocupação com a
objetividade não foi marca na antiguidade, poucas vezes no mundo moderno o
desprezo à inteligência, aos documentos e fontes históricas ocorreu, somente
sendo observado em governos totalitários. Não é desconhecido que no início do
governo nazista, durante o ano de 1933, simpatizantes e forças paramilitares
daquele governo destruíram documentos e livros (Bücherverbrennung) sob os olhares complacentes das autoridades do
Estado, sem que nada fosse feito para impedir essa ação contrária à
inteligência. Naquele momento muitas obras fundamentais da cultura foram
queimadas, como os trabalhos de Freud, somente salvos porque haviam deles
cópias em outros países. Também não é desconhecida a perseguição religiosa e a
mesma atitude ideológica contra a ciência e o livre pensamento na antiga União
Soviética. Hoje, porém, o comunismo é coisa passada, não é ameaça real, o que
não se pode dizer da extrema direita.
O pano de fundo da ação
nazista foi a mentalidade autoritária do partido que, contra qualquer crítica,
impunha violenta repressão e condenava todo discurso que se desviasse dos seus padrões
e orientações. A justificativa para essa destruição da cultura e para a
suspensão do debate foi elaborada por adeptos do regime como o poeta Hanns Johst. Os ideólogos nazistas diziam que era necessário
preservar a pureza da cultura germânica de tudo que a pudesse transfigurar. Os
ideólogos do novo governo também se
especializaram em espalhar notícias falsas (hoje denominadas fake news) para fortalecer e justificar a
ideologia imposta pelo governo. Dessa forma, instituições como as chamadas fraternidades, o Destacamento Tempestade (SA) e a Tropa de Proteção (SS)
do governo participaram da barbárie disputando entre si quem queimava mais
livros.
Dessa forma, a história ensinou que, no mundo contemporâneo,
as experiências não democráticas vêm acompanhadas da destruição da
inteligência, da verdade, das artes, da filosofia, pervertem e desmontam a ciência,
enfim destroem muito ou de quase tudo que torna a vida bela, plural,
interessante e humana. Governos autoritários e de massa desprezam a
inteligência e a perseguem, adoram os relatos rasos, a vida medíocre, a mentira
e uma religiosidade tosca. Não se pode desconhecer também que embora a igreja
católica ficasse oficialmente fora da perseguição nazista, milhares de
religiosos e sacerdotes que contestaram a brutalidade e ignorância dos nazistas
em nome dos autênticos princípios cristãos foram silenciados ou mortos.