Frankl
Quando
a filosofia existencial dirigiu o olhar dos filósofos para a vida concreta do
homem, indicou não somente uma nova fase para o humanismo como olhou o homem,
por inspiração fenomenológica, como objeto de estudo cuja existência faz com
que o mundo apareça. Sim, os filósofos entenderam que cada homem é um mundo
porque seu olhar para o que existe é único, mesmo que algumas coisas, que estão
entorno ao sujeito, possam ser concebidas em comum e compartilhadas com os outros
existentes. O olhar dos estudiosos se dirigiu para a experiência pessoal e
única que torna singularíssima cada vida humana e a diferencia das demais. Cada
homem seria ele mesmo, no tanto que fosse fiel a sua vocação, seu olhar ou ao
seu núcleo íntimo.
A
primeira consequência dessa forma de problematizar a existência humana é
considerar que que o existente emerge do nada, busca o sentido de sua vida a
partir de seu olhar para o mundo e, nessa busca, ele se sustenta em algo íntimo,
segundo ensinou Martin Heidegger em Ser e Tempo. Seguir o caminho dessa
singularidade pessoal é a maneira de ter uma existência autêntica, mas o homem
não é obrigado a fazer isso e pode perder-se de si mesmo, comentou Ortega y
Gasset no livro Entorno a Galileo. Essa constatação revela que o homem
pode seguir ou não o caminho de seu verdadeiro ser. Caminho, observou Ortega y
Gasset, influenciado pela sociedade e pelo tempo que se vive, mostrando que a
fidelidade a si mesmo se exprime em ações e possibilidades numa sociedade concreta.
No ensaio Ensimasmiento y alteración, Ortega detalhou como se desenvolve
essa fidelidade em movimentos para dentro e para fora, processo em que cada um
investiga o que crê de verdade e o que o faz ser fiel a suas verdades pessoais.
Essas verdades íntimas e singulares são compartilhadas com as objetivas como as
verdades da ciência, da filosofia e da religião.
Os
filósofos da existência e raciovitalistas como Ortega y Gasset irão dizer que a
vida autêntica vem do cumprimento de um projeto existencial, a realização de um
sentido, ou mesmo de uma vocação, de uma missão que se singulariza na história
de vida e no ambiente de cada homem. Algo maior e mais profundo que uma simples
escolha intelectual, um ajuste interior esclarece em Meditación del Escorial.
A psiquiatria existencial assumiu esse núcleo íntimo como orientador, não
somente de uma vida autêntica, mas de uma vida saudável psicologicamente.
Viktor Frankl foi o psiquiatra que melhor sistematizou essa tese em A
questão do sentido em psicoterapia mostrando que o vazio existencial (viver
sem sentido) estava na raiz de uma série de transtornos ou sintomas emocionais
como depressão, violência e tentativas de suicídio. Isso porque o consultório
de psiquiatras e psicólogos se encheu, no século passado, de pessoas que diziam
que a vida não tinha razão de ser, que ela perdera a alegria de viver, que
tinha tudo para ser feliz, mas não era, que andava triste sem motivo, dormia
mal, mal comia, sentia-se triste, etc. Esse tipo de queixa, na grande maioria
das vezes, indica o vazio existencial ou falta de uma razão para viver.
A experiência que viveu nos campos de
concentração, que Frankl detalhou no livro Em busca de sentido, mostrou
que o prisioneiro sem boa razão para viver, adoecia com maior facilidade e morria
mais rapidamente. Esse fato, que pesquisas médicas recentes identificaram, foi
o que Frankl registrou nos campos de concentração. Frankl verificou no que
considerou o maior experimento que alguém podia fazer que, quando um prisioneiro
se desconectava de um sentido, perdia o interesse de viver, adoecia e morria em
seguida. Isso parece-lhe uma justificativa válida de sua constatação de que os
mais aptos a sobreviver eram os que tinham uma razão para seguir vivendo,
conforme reafirmou em O que não está
escrito nos meus livros. (FRANKL, 2010, p. 115): “Esse foi o experimentum crucis. A capacidade
primordial humana da autotranscendência e do autodistanciamento, como tanto
enfatizo nos últimos anos, foi verificada e validada existencialmente no campo
de concentração.”
Estudos
de Ortega em La rebelión de las masas sobre o homem-massa, encontraram
um homem sem compromisso com a excelência, infantil, acrítico, inculto e os
trabalhos de Zygmund Bauman em Modernidade líquida tratou das
características dessa sociedade de massas. Tratava-se de uma sociedade sem
forma, onde não há firmeza. Essa sociedade é caracterizada, segundo o sociólogo, pela liquidez, volatilidade e
fluidez de todas as suas relações. Ambos os autores mostraram o tamanho do desafio
de descobrir um sentido ou missão existencial nesse espaço coletivo. Nesse tempo
e espaço, com profunda crise de humanidade, é que temos o desafio de modificar
o entorno para não submergir nele. Para Ortega y Gasset temos um movimento de
dentro para fora, que se combina com a busca de um sentido, comparável a uma
flecha em busca de um alvo. Vida autêntica não se alcança com um simples
mergulho íntimo.
Frankl, por sua vez, ensinou a olhar esse movimento como a
realização de um sentido presente no inconsciente, mas não num como foi
descrito por Sigmund Freud, mas num inconsciente espiritual. Um inconsciente
que não substitui a dimensão instintiva estudada pela psicanálise, mas que se
forma pela repressão de valores espirituais e por reduzir a vida a pura relação
com os fenômenos. Frankl ensinou a buscar o autoconhecimento que leva ao
autodesenvolvimento. Isso somente virá com o respeito ao que nos entusiasma e
desafia.