Quando Max Weber publicou sua obra mais
conhecida, A ética protestante e o espírito do capitalismo, ele pôs em
evidência uma questão interessante, a relação entre a produção econômica e a
crença religiosa. Desde então o assunto mereceu aprofundamento, debates e
ampliações. Não se pode deixar de registrar a contribuição de Viana Moog com Bandeirantes e Pioneiros e Richard M.
Morse com O espelho de Próspero.
Entramos nesse debate, em 1995, com o livro Caminhos
da moral moderna a experiência
luso-brasileira (Belo Horizonte: Itatiaia, 1995 - coleção reconquista do
Brasil), onde procuramos mostrar que não só a crença religiosa, mas a
organização política e jurídica da sociedade são decisivas para seu
desenvolvimento e enriquecimento. Comentamos que a proposta pombalina de
modernização do Estado português, preservando a monarquia absoluta, o padroado
e a adoção, por Melo Freire, do idealismo jurídico na construção do primeiro
Código de Direito Civil de Portugal (e também do Brasil por extensão),
igualmente explicam as dificuldades que tivemos de entrar no clima da
modernidade. Muita coisa ocorreu desde o século XVIII, mas os problemas que daí
vieram interferiu por muitas décadas no destino do país, se é que ainda não
interfere.
O espírito do capitalismo, para Max Weber, é
um código de conduta que se revela na dedicação ao trabalho, na preparação para
a profissão, na entrega diária, à excelência profissional. Nesse sentido, o
trabalho não seria necessário apenas para assegurar a sobrevivência, mas fundamental
como parte da vida humana. Para essa mentalidade contribuiu a ação, embora não
intencional, de Lutero que deu ao trabalho um sentido divino ao aproximar a
vocação dos homens da missão terrena. Mesmo sem pretender, Lutero estimulou as pessoas
a se dedicar, com excelência, ao trabalho e a ter cuidado com o mundo. Um pouco
do que o Papa Francisco pede ao falar da preservação do planeta passa pela
mesma crença no embelezamento da obra de Deus. Porém, só cuidará do mundo como
quer o Papa Francisco quem acreditar que é tarefa do homem torná-lo belo, limpo
e agradável com o trabalho dedicado, disciplinado e bem preparado. Não sei como
fazer isso quando mesmo sob ameaça de dengue, zika e outras doenças, as pessoas
não conseguem organizar a própria casa com capricho e sem deixar água parada. A
televisão diariamente o lixo espalhado pelas cidades e casas, que é onde se
localizam os principais focos do mosquito. Pobre casa comum do Papa Francisco tão
desleixada por tantos.
A questão de Weber pode ser aprofundada se entendemos
que nossa relação com o mundo passa pela forma como organizamos a vida e os
valores, que Miguel Reale ensinou ser a base da cultura. Como produto do
esforço e dedicação do homem, a cultura se afasta do mundo natural. Por outro lado,
o homem somente vive e se insere perfeitamente na cultura quando experimenta os
bens culturais e incorpora os valores que eles contemplam. Por isso, a cultura
é marcada pela objetividade, temporalidade e historicidade. Os valores
culturais, por sua vez, constituem a coluna vertebral do povo, pois sem eles não
haverá compromisso com a excelência, nem rumo ou esperança. Por isso, nada faz
mais mal a nosso povo que lhe quebrar a hierarquia de valores, pois sem os
valores em que se acredita, perde-se no que crer e para que viver.
Todos esses episódios tristes da política
nacional, se de um lado, nos fazem ter um resto de esperança pela ação
reparadora da justiça, mas por outro lado exigem rumos diferentes para que a
política, como expressão do destino do povo possa se pautar por valores
importantes base da vida social: a verdade, a sinceridade, a honestidade, a
correção e a excelência no que se faz.