Viver é experiência comum a homens,
plantas e animais. A vida do homem, contudo, tem algo diferente das outras
vidas e muito já se disse desta singularidade. Há algum homem é possível deixar
passar os dias como fazem plantas e animais, permitindo a vida fluir como se
fosse a automática rotação da terra. No entanto, temos experiência de que a vida humana não é
um movimento inercial e ela implica em pontos de perspectiva e sentido para o
que fazer.
Um ponto de perspectiva é um momento
especialíssimo. Temos poucos deles em nossa existência. As pessoas mais
amadurecidas talvez experimentem uns quatro ou cinco. São aqueles momentos nos
quais tudo o mais vivido parece adquirir uma razão que aparentemente não tinha
ou quando nossa existência dá uma reviravolta completa na direção de algo que
parece maior e mais significativo. Jesus de Nazaré viveu um momento assim
quando saiu das águas do Jordão depois de batizado por João. Ali inicia sua
trajetória de rabino e profeta, deixando para traz a vida de carpinteiro e os
pequenos trabalhos que realizava em sua cidade e região.
Ocorre algo assim quando deixamos um
emprego seguro, mas que não realiza; uma relação confortável, mas que não nos
faz feliz; quando arriscamos morrer por algo ou alguém, mas sem o que a vida
não valeria muito ser vivida. A rigor o
ponto de perspectiva mais importante é o do momento da morte, se ocorre quando
estamos consciente, quando tudo o que foi feito pode ser olhado de traz para
frente, quando a vida que tivemos mostra seu resultado. Nessas ocasiões o que
fazer diário, as escolhas aparentemente banais como ir aqui ou ali para
almoçar, tomar café ou chá, estudar nessa escola ou naquela, ganham importância
que aparentemente não tinham no momento vivido. As escolhas passaram a fazer
parte de mim, mesmo que eu não tivesse consciência do fato no momento em que
escolhia.
O sentido é a direção dada ao que se
faz. Pode-se ter do fato mais ou menos consciência, pode-se considerá-lo mais
ou menos importante. No entanto, como viver não é como seguir uma receita de
bolo em que vamos adicionando ingredientes já selecionados para produzir uma
mistura já conhecida e provada, a questão do sentido é sempre importante e se
faz presente na vida, ao menos em ocasiões especiais. E como nosso que fazer
não tem roteiro prévio, vivemos inseguros com nossas escolhas. Inseguros dos
resultados, sem confiança de que estamos no rumo certo, na dúvida se devíamos
ou não ter mantido aquele relacionamento com a linda menina ou menino de olhos
verdes que conhecemos na juventude, sem saber de devíamos ter insistido naquele
emprego ou profissão antes de largar para tentar algo novo. Enfim, o Pinheiro
cresce no jardim onde foi plantado ou no lugar onde sua semente se fixou, se o
leão segue seus instintos para fazer mais leãozinhos e para lhes levar o
alimento caça nas estepes, o homem vive cheio de perguntas onde quer que
habite, não importa o tempo em que viva.
E entre as dúvidas que tem muitas
referem-se a questões morais que a reflexão filosófica adensa e aprofunda. Por
exemplo: até quando continuaremos a explorar nosso ambiente a ponto de
comprometer as futuras gerações? Até quando continuaremos a fabricar bombas
para jogar uns nos outros? Até quando a
indiferença nos fará fechar os olhos ao sofrimento alheio quando pior não somos
nós mesmos a causa desse sofrimento? Até quando conviveremos com a corrupção,
criticando quando beneficia os outros, mas aceitando o lugar privilegiado nas
filas, ganhando benefícios imerecidos, querendo aposentadoria sem trabalho e ou
resultados para os quais nada fizemos por merecer? Até quando aceitaremos a
violência?
Dúvidas não nos faltam porque somos um
feixe de perguntas, e há aquelas que não tem significado moral mais metafísico
ou gnosiológico: será que conhecemos com precisão o mundo, poderemos conhecê-lo
melhor? Temos razões para acreditar em Deus, qualquer que seja nossa crença?
Pode o universo em que habitamos ser reduzido a alguns elementos que lhe dão
fundamento? Como resolver nossos conflitos sociais?
Enfim, para tudo isso com o que lidamos
em nossa vida e em última instância com ela mesma, a Filosofia pode ajudar. E
nossa existência é de tal forma que a reflexão filosófica pode não só ajudar,
mas pode torná-la melhor. Pode nos ajudar a fazer escolhas, a entender melhor.
Não uma Filosofia distanciada da ciência moderna, mas feita a partir de seus
resultados e limitada por suas provas. Uma Filosofia que ao lado da ciência,
mas diferentemente dela se obriga a sempre renascer, pois a originalidade da
formulação expressa a renovação da vida.
A Filosofia como atividade é algo que o
homem faz. Considerada uma forma de relação com a sabedoria nas suas origens
gregas, a Filosofia é uma maneira de pensar o mundo pela qual o homem mostra
mais claramente o que é e se relaciona com a realidade. E quando pensa sua vida
a descobre construção de um sentido e uma reflexão sobre a perspectiva.