O noticiário da semana chamou
atenção para a ação escandalosa da quadrilha de auditores da Prefeitura
paulista. O país assistiu bestificado mais este escândalo, quando ainda nem
havia digerido o do desvio de verbas do metrô paulista. O grupo, apesar de
receber salários que fariam inveja a qualquer servidor público da saúde ou
educação, algo entre quatorze e trinta e sete mil reais, desviou enormes
quantias do tesouro municipal de São Paulo. A quadrilha que subtraiu milhões de
reais dos cofres públicos atuou livremente durante pelo menos sete anos. O que
isso significa? Que o enorme aparato burocrático que inferniza empresários e
funcionários públicos que atendem a população, não serve para impedir o furto quando
quem deveria fiscalizar é quem lidera o mal feito.
O mais lamentável não é a pura
constatação de que milhões foram desviados do governo da capital paulista,
dificultando a concretização de políticas públicas, é que o triste fato é só
mais um entre os que quase diariamente chegam aos noticiários. E os que não
chegam? O que ocorreu em São Paulo não parece diferente do que acontece em
outras Prefeituras pelo país afora. E enquanto se difunde livremente a noção de
que o enriquecimento é fruto de um golpe de sorte (pela loteria ou herança), ou
ainda pela corrupção, distancia-se do cidadão comum a percepção necessária a
qualquer povo de que o enriquecimento é fruto do trabalho continuo, feito com
qualidade e da poupança prolongada. Portanto, o maior desastre que a corrupção
causa é a desvinculação entre trabalho e enriquecimento, o único caminho capaz
de levar uma sociedade a enriquecer verdadeiramente e superar dificuldades
financeiras.
O fato nos coloca diante da
inevitável necessidade de desenvolver mecanismos de controle da máquina pública
que infernizem menos quem trabalha corretamente, mas que impeçam o desvio de
recursos enormes durante tanto tempo. Entre as estratégias a ser desenvolvidas está não apenas o controle das
movimentações financeiras e patrimônio desses altos funcionários e seus
familiares, mas a multiplicação de entidades sociais que fiscalizam os gastos
públicos. Tudo isso só fará sentido se a justiça punir rapidamente os
responsáveis e recuperar tudo o que tiver sido desviado, assim como fizer pagar
os prejuízos da turma que nos últimos tempos tem quebrado impunemente o
patrimônio público e privado.
Considero, contudo, que além
das medidas punitivas tão defendidas pela mídia é fundamental a formação moral
das pessoas, pois boa parte delas, quando educadas, não se deixa facilmente
corromper. E formação moral é a que se desenvolve nas famílias, nas escolas,
nas igrejas, nas instituições, etc. E a questão não se resume ao discurso ideal
onde o mal feito seja condenado, mas combater suas causas profundas, que são o
propósito do enriquecimento rápido e desvinculado do trabalho produtivo e
honesto. Para essa mentalidade desastrada de enriquecimento fácil
contribui a propaganda da jogatina
disfarçada em prêmios oferecidos nos títulos de capitalização. E mesmo as
propagandas oficiais das loterias do governo quando divulgam os seus prêmios
como forma de obter uma vida sem trabalho e esforço também favorecem a
mentalidade mágica do enriquecimento sem dedicação ao trabalho. Essa
mentalidade é parte da noção contemporânea de direitos sem deveres, mentalidade
que o filósofo espanhol Ortega y Gasset entendia estar se formando na Europa
desde a Revolução Francesa e ser a base da chamada sociedade de massa.
A internet, as novas
tecnologias de ensino, as famílias, escolas e igrejas representam momento de
ouro para estimular o enriquecimento ligado ao trabalho honesto. Essa
mentalidade não se difunde entre nós enquanto houver um restinho da ética
medieval do guerreiro que associava a riqueza ao botim e o crescimento da
riqueza a apropriação do que estava pronto e feito por outrem.