Quem já não teve a experiência de ligar para um número de
telefone e obter como reposta: “não entendi sua pergunta”, “favor repetir sua
pergunta”, “refaça sua questão” ou outras. É aí que você se dá conta de que não
está falando com alguém, mas com uma máquina que só aceita perguntas, respostas
e questões programadas. E neste caso ou você desiste do que quer, ou aceita o
que máquina quer. O pior que estas situações vão se acumulando até provocarem
implosão de desejos sufocados e não realizados.
Se perguntarmos em que se baseia a convivência social a
própria população responde: liberdade individual, generosidade, honestidade dos
governos, sensação de bem estar coletivo e iniciativa privada.
Em sociologia há uma figura social que reflete a situação
de um desejo esperado e que resultou no seu contrário. Quando, por exemplo, há
uma expectativa de que uma camada social se abra e o desfecho é o contrário. É
o caso paradigmático da globalização e digitalização em relação aos jovens. Em
vez da esperada abertura ocorreu o enclausuramento.
A que se atribui? Os sociólogos italianos, Chiara
Giaccardi e Mauro Magatti em “Supersocietà” (Mulino) chamam a atenção para as
consequências da dicotomia entre o mundo real e o mundo do algoritmo. Nos jovens a consequência: ansiedade e
competitividade. Como reação contrária extrema ocorre a renúncia à vida e a
vivência de um mundo paralelo. Se a sociedade não garante um espaço individual
então, como ato de desespero, atiram-se nos braços da totalidade perdendo a
liberdade, mas garantindo a sobrevivência na obscuridade do anonimato. É o
mundo do abulismo e ausência de ideal
Por sua vez, a consequência da globalização se faz sentir
na esfera política através do depauperamento das instituições locais que
garantiam a absorção destas camadas, mas que agora as afastam deixando-as
soltas no espaço social. Como consequência o populismo e com ele a morte da
democracia que absorvia as camadas intermediárias. Não só nas grandes questões
políticas como a eleição dos governantes nacionais, mas a garantia da
participação e envolvimento com a comunidade local, com as câmaras de
vereadores, clubes, igrejas, sindicatos, cargos públicos. Além das já
consagradas instituições a cada dia vão surgindo novas organizações as
“noéticas” como objetivo de absorver cidadãos “soltos” no espaço social,
garantindo um nome ao cidadão e inseri-lo no tecido social com sua liberdade
individual.
A digitalização pode tornar anônimo o cidadão que se
trocou por um número, letra ou senha. Estas cada vez mais numerosas e abrangentes.
Há senhas para contas e para cada uma delas individualmente. Estendem-se aos
bancos, associações, convênios, aparelhos eletrônicos, computadores, celulares
(para cada função uma senha). Em
qualquer atividade que se exerce há uma senha no mínimo. Os indivíduos no
emaranhado da digitalização são apenas símbolos que agem e querem através de
símbolos mudos e frios.
Neste ambiente como poderão ser possíveis relações
humanas em vez de relações de algoritmos?
O ser humano se sente decepcionado, frustrado, traído
quando descobre que está se relacionando com uma máquina e não um humano. A
máquina se comunica através de números e códigos e os humanos através de ideias
e valores. Será possível estabelecer comunicação entre ambos? Até o momento
não. Neste caso teremos que nos render aos números abandonando as ideias e
valores?
Teremos que viver como zumbis, camuflados de humanos, mas
com identidade de fantasmas? Haverá uma superposição de dois mundos? O virtual
verdadeiro e o verdadeiro apenas virtual?