Friedrich Wilhelm Nietzsche
Uma
questão que se nos apresenta desde que temos contato com um autor é: o que ele
traz? O que ele comenta e como o faz? Nós falamos de um dos clássicos da
Sociologia contemporânea, mas as repostas de Bauman para a crise de cultura ou
as dificuldades de nosso tempo vão para muito além da Sociologia. Há dois
campos em que suas questões logo dialogam, com a Filosofia e com a Economia.
Talvez ainda haja um terceiro campo por onde passam seus estudos, a Psicologia.
Entendemos
que os grandes intelectuais têm com seu tempo um compromisso vital, entendê-lo,
decodifica-lo e apresenta-lo aos contemporâneos. O que o tornará um clássico é
a qualidade do conteúdo que oferecerá na compreensão dos seus dias, dos seus
problemas e de como eles dialogam com as grandes questões humanas. E não há
como começar a entender Bauman se o percebemos acompanhar a enorme quantidade
de intelectuais que se debruçaram com o tema da crise de cultura. Vivemos um
tempo de crise, dias diferentes de quando a humanidade caminha serena em suas
rotinas.
Desse
entendimento partilham intelectuais de várias áreas como filósofos,
historiadores, sociólogos, antropólogos e de tantas outras. E se são unânimes
na identificação da crise, divergem, contudo, na sua leitura e explicações
dela. Alguns dos mais conhecidos são Ortega y Gasset e seu estudo das massas, Vilém Flusser e seus estudos sobre os
campos de concentração, Max Scheler e suas considerações sobre valores, Karl
Jaspers e Viktor Frankl sua avaliação sobre a falta de sentido da vida; ou
talvez de uma autenticidade, diria metafisicamente Martin Heidegger; provavelmente
também uma crise de como entender e viver a liberdade diria Jean Paul Sartre;
do que fazer na história disse Kierkegaard; de um mundo sem valores absolutos,
dissera Nietzsche; ou que deixou de considerar Deus, retificou Martin Buber.
Bauman
enxergou na raiz da crise a existência de profundas alterações no mundo
econômico e as próprias dificuldades do capitalismo globalizado. De um lado há problemas
econômicos o que significa que o dinheiro virou variável independente, o
trabalho foi reduzido a mercadoria deixando se ser elemento na relação
intersubjetiva, a desterritorialização do capital, tornou frágil os governos
nacionais reduzindo o estado de ação do Estado do bem estar social. Por isso, a relação dos cidadãos com o Estado
ficou fragilizada, porque esse não consegue lhe oferecer com qualidade aquele
mínimo que ele se acostumou a ouvir ser obrigação do Estado. As guerras e
disputas locais provocaram o deslocamento de milhões de pessoas pelo mundo,
tornando gravíssimo o deslocamento migratório de grande quantidade de pessoas. E
a presença do estrangeiro em grande quantidade passou a ameaçar a organização
social e ser usado pelos políticos de direita como sendo a causa das grandes
dificuldades da sociedade, mesmo quando claramente não o é.
E esse mundo em transformação
acelerada afeta a vida das pessoas e torna a existência subjetiva um desafio de
sentido, isso porque a sociedade de consumo estimulou tratar as dores e dúvidas da existência fora de um
esforço pelo sentido. Sem qualificar a rotina a pessoa passa a nela viver apenas
o gozo irresponsável apontado pela sociedade na distração e do consumo. Em
certo sentido esse é um quadro que veio se desenhando há mais de um século e
que se acelerou desde o final do último século. Porém já encontramos notícias
desses assuntos na conhecida obra de Friedrich Nietzsche, Assim falou Zaratustra onde o
filósofo antecipou a antítese entre o homem que tomava a vida nas mãos e o
contrário dele, o hedonista irresponsável ou o niilista arquetípico que nada faz
de notável, não aceita correr riscos e busca apenas conforto na rotina, gozo
consumista e segurança.
A sociedade
de massa e de consumo de nossos dias ajuda a promover esse novo hedonismo. Ela orienta a forma de viver: sente a vida
vazia? Consuma! O reflexo consumista é melancólico identifica o desafio
existencial, os medos e a finitude e os reduz a sentir vazio, frio, deprimido e
o combate com a necessidade de encher o íntimo de coisas quentes, ricas,
prazeirosas. Claro que as indicações de consumo são amplas, não se limitam a alimento
(pode ser roupa, passeio, distração em geral, sexo irresponsável, relações
efêmeras, tudo o que apenas distrai e não tem razão maior). O resultado de tal
vida é que estamos vendo crescer pelo mundo: a depressão, o medo, a insegurança,
consumo de drogas, ou ainda um conservadorismo anacrônico que procura voltar a costumes
e antigos padrões existenciais que não respondem mais aos novos desafios. A
questão é que essa proposta redunda em amores líquidos, relações sem
consistência, além da tristeza, infelicidade, nervosismo, insônia, como
descreveu o psiquiatra Viktor Frankl. O simples atendimento do desejo não
resolve a questão existencial, o desejo quer gozar. Assim cada desejo
satisfeito acende outro numa aspiral crescente e acelerada, alimentando a
ansiedade e, no fundo, a insatisfação com a vida se a tanto ela se limita.
E o que nos permite pensar as
considerações de Bauman sobre a crise de cultura, as soluções propostas e os
dilemas que elas abrem? Que o encontra-se como sempre esteve preso ao mundo
material e dos prazeres que ele necessita para viver, mas não lhe oferece
sentido. Esse mundo o domina e aniquila, deixando-o na solidão, na depressão,
na insegurança, no tédio que se segue ao prazer e na ameaça de se perder nas
coisas, de se tornar uma coisa entre tantas. Fica-nos o desafio do sentido, das
buscas de um ente que se descobre em movimento, mas que é preciso se abrir a
coisas maiores entre os desafios banais do que fazer no dia a dia.
Então vemos reaparecer os alertas que
a filosofia fez nos últimos tempos. Não há como fugir do mundo e de seus
desafios, mas a forma como se faz isso faz toda a diferença. Sem abertura a
algo maior, a pessoa fica na sua limitação e infelicidade. E sem se questionar
sobre o que há, sem encontrar um sentido para o ordinário, fica-se no muito
limitado. Tenho que encontrar um sentido pessoal, mas há referências culturais
que não se pode desconhecer, que não se pode perder. Elas ajudam na
qualificação da vida. A cultura me oferece a Ciência, a Filosofia, a Religião,
a Arte e preciso apanhar na cultura o que meu tempo tem a dizer de cada um
desses elementos. Somente assim consigo me orientar e estar à altura do meu
tempo. Desses aspectos culturais a Filosofia abrirá um diálogo com a
transcendência no espaço da razão e nos ajudará a superar esses dilemas. Caberá a cada um buscar apoio e conhecimento
em cada uma das grandes construções culturais.