A
atividade política é funda-mental para qualquer povo. Sem ela dificilmente um
povo consegue desenhar um futuro, quer porque não formula metas e estratégias
para alcançá-lo, quer porque não consegue resolver, com qualidade, os
inevitáveis conflitos internos da vida diária. Um povo precisa, portanto,
dessas duas ações: um desenho de futuro e solução para os inevitáveis conflitos
internos de interesse. Quando a atividade política falha, perdem-se esses dois
eixos estruturadores da vida nacional.
As
delações da Odebrecht, parte de um processo de desmascaramento do jogo político
em vigor, explicitam o desastre nacional. Um desastre não simplesmente porque mostrou
a fraude do atual jogo político, onde o grande capital financia quem deseja
colocar no poder para favorecer seus interesses imediatos. Um desastre não só
porque todos os acusados sejam culpados sem direito a defesa, todos poderão se
defender e provavelmente alguns se salvarão, mas o que está claro é que o jogo
político inteiro está sendo continuamente fraudado pelo caixa dois e pela
corrupção explícita.
As
delações da Odebrecht escancararam o óbvio. Nenhum empresário financia campanha
política a não ser com o duplo propósito de se colocar fora das regras de
mercado e ganhar condição privilegiada nas negociatas com políticos guindados, imoral
e ilegalmente, aos altos cargos do Estado. Esses políticos transformaram nossas
Estatais em meios de arrecadação eleitoral. Sim, as empresas do Estado foram
apropriadas pelos partidos políticos e se transformaram em instrumento de
captação de recursos ilícitos, destinados a financiar campanhas caríssimas e a
custear uma vida de luxo. E o preço para financiar essas coisas, marqueteiros pagos
a preço de ouro e a compra da mídia é o dinheiro da sociedade. Essa trabalha
cada vez mais e vê cada vez menos o resultado de seus esforços. Pagam-se duas
estradas e se constrói uma, compram-se duas pontes e se tem uma, compram-se
dois hospitais e se recebe um, financiam-se duas escolas e se recebe uma. Ficou
claro, para quem a Lava Jato, que boa parte do péssimo serviço oferecido pelo
Estado Brasileiro decorre desse esquema criminoso e bandido que sangra as
finanças públicas e destrói o legítimo jogo do mercado.
As
delações da Odebrecht são um desastre não apenas porque mostraram que o real
motivo da existência de 40 partidos sem expressão ideológica, sem representação
real é alimentar um jogo político corrupto, destinado a oferecer vantagens a
líderes partidários, a afetar a disputa pelo poder e vender a governabilidade
do Estado. Enfim, estamos assistindo um esquema que destrói a democracia
liberal no que ela tem de fundamental, a liberdade política com regras claras e
partidos políticos ideologicamente comprometidos e a liberdade de mercado
controlada pelas leis do Estado.
De
tudo isso a esperança de que essa geração de políticos seja afastada da vida
pública, presa e devolva o dinheiro que desviou do Estado. Que os empresários envolvidos
na roubalheira, seus sócios na expropriação do Estado e da Sociedade,
capitalistas de mentirinha, mudem suas práticas. Eis a fórmula que criaram para
destruir nosso país e a acabar com seu futuro: capitalismo sem regras e
respeito ao mercado, Estado sem governança, parlamento incapaz de solucionar os
legítimos conflitos da sociedade, partidos sem representatividade, judiciário
perdido e povo perplexo, fechado no individualismo do salve-se quem puder e
apavorado com a violência das ruas.
Talvez
disso tudo surja um novo sistema de representação política, um novo quadro
partidário, uma outra geração de políticos e um capitalismo diferente do que
esse que sobrevive de discursos falsos de riscos inexistentes e da exploração
do Estado. Se a sociedade conseguir se livrar dessas pragas talvez haja futuro.
Sem educar as massas que hoje vivem com baixíssima escolaridade, sem reduzir a
brutal diferença econômica das camadas sociais, sem romper a reprodução da
miséria, sem um projeto de nação que nasça de todo o povo não conseguiremos ir
longe. Vamos continuar a nos arrastar nessa parte meridional da América, em
meio a ditaduras sanguinárias, estado patrimonial, idealismo jurídico, política
sem representação, baixa escolarização e pouco respeito às normas morais.