sexta-feira, 29 de maio de 2015

O PAPEL SÓCIO-ULTURAL DE UMA BIBLIOTECA PÚBLICA. Selvino Antonio Malfatti.




Volta e meia se ouve que alguma biblioteca pública foi fechada. Geralmente quem toma esta decisão? Quase sempre algum burocrata exercendo uma função pública. Ora, entregar a decisão do fechamento ou não de uma biblioteca pública a técnicos frios e burocráticos é no mínimo lamentável. O que eles levam em conta? Se o prédio oferece segurança, condições, e não é deficitária. Isso é significativo? É. Mas não é só isso que está em jogo.
O fechamento de bibliotecas atualmente não é um fenômeno isolado. É uma prática generalizada. Acontece aqui no nosso país – a Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, a biblioteca pública de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul, por exemplo, e várias outras, foram simplesmente fechadas sem compensações ou alternativas. A prática se generaliza na Europa e até mesmo nos Estados Unidos.
Embora atualmente existam “bibliotecas virtuais”, através de aparelhos como Ebooks, Kindle, e-readers, tablet, kindle paperwhite e outros, pelos quais podemos trazer a biblioteca até nós em vez de irmos a ela, o papel que uma biblioteca real desempenha ainda é insubstituível. E por isso, não justifica seu fechamento, sem uma compensação.
Há dois tipos de fechamento. O primeiro tem como fator preponderante as diminuições crescentes de investimentos e dotações orçamentárias. As que fecham, neste caso, querem evitar a falência. O segundo, o fechamento é temporário, para reformas. Só que estas ditas reformas se prolongam indefinidamente. Por que, antes de fechar, não se pensou em algum local que as abrigasse?
Quais as conseqüências do fechamento de bibliotecas, mormente as públicas? É o mesmo que abortar crianças, embrutecer jovens e desamparar idosos. Antes que cresçam são mortos, ao começar conhecer a vida do espírito são forçados a viver como brutos e quando podem deleitar-se da cultura são destinados à solidão. O que será da próxima geração de leitores, pesquisadores, estudiosos e mesmo sonhadores através de ficção? Será o apocalipse cultural? Ou um mundo do virtual “Ensaio sobre a Cegueira” de José Saramago para um mundo real?
Olhemo-nos bem nos olhos. Os livros são caros, principalmente os novos e os clássicos. Por outro lado, a missão de uma biblioteca é de dispô-los a todos. Todos mesmo: jovens e idosos deveriam ter a possibilidade de ler aquilo que querem, quando quiserem, independente da situação econômica de cada um. Os livros fazem o mesmo papel para o espírito que o oxigênio, a água e o sol para os seres vivos. Todos têm o direito de ter acesso.
Quando se fala em biblioteca a maioria de nós pensa no empréstimo de livros. Mas não é só para isso que servem. As bibliotecas são lugares calmos, confortáveis que muitos buscam para fugir do burburinho do dia a dia e dar-se ao luxo de pensar e sonhar, viver o espiritual. São também lugares de encontros, de trocas de idéias, de estudos. A biblioteca é um coração que pulsa  no bairro que moramos, de nossa cidade ou do país do qual somos cidadãos.
Penso que cada um está passando o filme de sua infâncoia e juventude em sua mente. Desde a infância olhávamos com admiração e respeito para o prédio da biblioteca de nossa cidade. E se tivéssemos qualquer tempinho vago entrávamos na biblioteca nem que fosse apenas para folhear o jornal ou as revistas, ver quem estava lá e conversar, dar uma olhada no catálogo para ver as novidades. E na maioria das vezes saíamos com um livro em baixo do braço. Voltávamos para casa, saltitantes, orgulhosos, sentindo-nos semideus. Lembro-me que no colégio onde estudava como interno, havia certos livros proibidos de serem lidos. O motivo não vem ao caso. Não tive dúvidas: associei-me à biblioteca pública da cidade e lia tudo o que tinha vontade.
Se você está lendo este artigo certamente não é dado a práticas de abortar agentes culturais. Ao contrário esmera-se para aprimorá-los. Por isso deve ser um defensor de bibliotecas públicas. Aliás, diga-se de passagem: no dilema de fechar ou não uma biblioteca é como estar diante de uma encruzilhada de dois caminhos. Um leva para as trevas, cegueira e outro para a luz, a visão. Basta escolher.



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