Os protestos
de rua no último mês tiveram como estopim os serviços de transporte e
mobilidade urbana, mas incorporaram outras reivindicações, notadamente o
combate à corrupção, ao empreguismo, e um pedido de melhoria na segurança, no
atendimento da saúde e da educação. De modo resumido os protestos revelam um
tema do qual se ocupou um grupo de estudiosos nas últimas décadas: o Estado
Brasileiro funciona mal. E não só nos campos em que a população denuncia. Quando
aprofundamos o problema constatamos que os órgãos de fiscalização ambiental têm
sucesso muito pequeno na defesa dos ecossistemas naturais, os destinados à
preservação do patrimônio cultural também não têm bons resultados a apresentar,
os órgãos que cuidam da vigilância sanitária são exemplo de ineficiência. O que
dizer da coleta e tratamento dos esgotos? Como classificar o trabalho de
inteligência da polícia e das forças armadas? Como explicar o roubo de
toneladas de dinamite que explodem caixas eletrônicos pelo país afora? E a
segurança de nossas fronteiras ultrajadas com drogas e contrabando? E a
fiscalização das casas de diversão como a boate de Santa Maria?
Na tentativa
de entender o fenômeno, lembre-se a identificação do problema dualismo no
estudo da cultura brasileira identificado por Wanderley Guilherme dos Santos. Estudiosos
opõem populismo, corrupção, ineficiência e subversão comunista à democracia,
industrialização e independência nacional. Uma classificação simplicista onde o
mal e o bem estão bem delimitados. Esse dualismo que não atinge o âmago da
questão: a deficiente visão e falta de compromisso com o espaço público.
Antônio Paim publicou um esclarecedor ensaio do problema intitulado A querela do estatismo, mas além dele um
grupo de estudiosos da cultura nacional publicou bastante coisa sobre a herança
patrimonial herdada de Portugal. Esses autores lembram a incapacidade nacional
de reformar a tradição para: 1. democracia liberal (partidos políticos
definidos, ideologicamente constituídos e com programa claro); 2. capitalismo
com políticas sociais nas áreas de segurança, saúde e educação, além daquelas
consideradas funções básicas do Estado e 3. fazer um debate moral que repercuta
nos destinos da sociedade.
O estado
patrimonial encontrado entre os orientais e que chegou até nós via Portugal,
devido à ocupação árabe na Península Ibérica, como explica Max Weber em Economia e Sociedade, não tem
compromisso com a competência e a qualidade dos serviços prestados. A justiça
feita pelo príncipe discrimina o cidadão, pois se baseia em relações pessoais.
O pior é, contudo, a ausência de separação entre o patrimônio público e
privado, o que faz com que os administradores públicos façam seu serviço como
quem cuida da cozinha de casa. Inclusive são eles que definem as prioridades
das obras. E a população também entende a esfera pública como privada. Logo, o espaço público não é do cidadão,
sendo aceitável danificá-lo, urinar nele, apropriar-se do dinheiro do Estado,
etc. No nordeste os assaltantes de banco dizem: não queremos dinheiro de ninguém, só do governo. (?). Não é difícil,
nas cidades brasileiras, encontrar quem varra a casa ou negócio e jogue o sujo
na via pública, além de nela atirar todo tipo de lixo.
Toda mudança
importante no sentido solicitado pelos manifestantes de hoje com vistas a
tornar mais eficiente do trabalho do Estado passa pela reconsideração do espaço
público. Entendê-lo como sendo de todos, cuidando com carinho dele, estaremos
dando um passo gigantesco na direção almejada pela maioria. Como entender que jovens
peçam cuidado com o que é público e urine nas ruas nos carnavais? Que se brade
por educação e se estude tão pouco? Que peçam respeito e desrespeitem tanto
idosos e deficientes? De fato, há um Brasil para ser reformado para que os
homens de amanhã não reproduzam o pior das gerações passadas.