O evento, "Feira de Economia Solidária", no centro do Rio Grande
do Sul, Santa Maria, Brasil, extrapola as fronteiras e estende-se para a
América Latina e chama atenção para o resto do mundo. O aontecimento vem acontecendo desde 1994.
A idéia é abrir um espaço de
articulação, debate, intercâmbio de idéias, experiências, em relação à
Comercialização Solidária e Direta dos produtores da agricultura familiar,
agroindústrias familiares, catadores, indígenas, trabalhadores do campo e
cidade como uma alternativa ao modelo econômico capitalista.Qual o fundamento
teórico desta experiência?
Pelo menos duas grandes
orientações das igrejas cristãs proporcionaram a seus fiéis em
relação aos bens materiais: o
ascetismo e o solidarismo. Existem outras,
como o misticismo, mas foge da relação propriamente dita com a economia, pois é tipicamente claustral.
Ao anunciar a Boa Nova, Jesus
trouxe ESPERANÇA para os pecadores, pobres, doentes, enfim, a todos os que
sofriam. Era a ESPERANÇA que cativava,encantava e atraía as multidões. E como
podiam ter ESPERANÇA? O cristianismo inicial dava ênfase nas boas ações, fazer
o bem, isto é praticando a caridade. Disso decorre que a salvação residia
preponderantemente no fazer.
Com o advendo do protestantismo,
deslocou-se o eixo da ESPERANÇA. Passou a ser a fé. "A tua fé te salvou". E uma das minfestações concretas da fé, foi
a doutrina da Predestinação, do Calvinismo. Dela surgiu uma ética em relação à posse e
aquisição de bens através da atividade econômica. Foi o ascetismo.
A ética
do ascetismo econômico, de origem protestante, está calcada na idéia de Predestinação em relação à salvação após a morte. Tudo está decidido. Limitava-se a crer. A partir
disso, os crentes tentaram encontrar “provas” da eleição. Identificaram-na no
sucesso da atividade econômica, isto é, ser bem sucedido nos negócios era uma
“prova” de ter sido escolhido por Deus para a salvação eterna.
Mas como chegar ao sucesso
econômico? Através de um ethos de vida. Nada de gozar a vida com o dinheiro
ganho ou os bens adquiridos. Gastar somente o necessário para sobrevivência. A
orientação era ser prudente e diligente. Afastar a preguiça, pois tempo é
dinheiro. Se o credor, dizia-se, o vir ou ouvir trabalhando até altas horas da
noite ou cedo de manhã, ficará descansado. Cultivar um bom nome, pois isto
facilita o crédito e este leva ao investimento e reinvestimento. “Crédito é
dinheiro”, dizia o calvinismo. O dinheiro
é procriador fértil. Ele gera dinheiro e seus rebentos geram mais dinheiro e
assim ao infinito vai acumulando capital. Como diz o ditado, um bom pagador é
senhor da bolsa alheia. Quem criar a fama de bom pagador pode pedir quanto
dinheiro precisar ou quiser que todos o emprestarão. Esta ética de ascetismo deu origem ao
capitalismo, o qual dá ênfase ao sucesso econômico individual e da soma das
individualidades advirá o bem de todos, acreditava-se.
Resultado: produção +
acúmulo = capital
O ramo do cristianismo que dá ênfase
à caridade também deu origem a uma ética na posse e aquisição de bens: a ética
da partição. A economia solidária é uma de suas manifestações concretas.
Os antecedentes podem ser encontrados, primeiramente em Aristóteles que fala
sobre a justiça corretiva. No entanto, estão com os escolásticos os fundamentos
cristãos do catolicismo, quando Santo Tomás fala em justiça comutativa, no sistema de trocas a
qual deve igualar as vantagens e desvantagens nas relações intercambiais entre
os homens, tanto voluntárias, como involuntárias. E os fundamentos próximos da
doutrina podem ser encontrados nas encíclicas Rerum Novarum de Leão XIII de
1891 e Quadragesimo Anno ddo papa Pio XI de 1931. Nelas é garantido o livre
mercado, de ideologia liberal, a caridade e justiça social, da doutrina da
Igreja, e sindicatos, de orientação socialista.
A ética do pensamento da economia
solidária teoricamente objetiva assimilar os excluídos, minimizar o desemprego,
proporcionar uma melhor distribuição de renda, fora do sistema capitalista.
Este também persegue os mesmos objetivos só que por outros métodos. Cada um se
move por uma ética diferente.
A ética da economia solidária,
isto é, a produção, consumo e distribuição de bens visam a comunidade como um
todo. Não basta um só crescer, ter bens, mas todos conjuntamente crescerem e
disporem dos bens. O trabalho não se fundamenta em aumentar a quantidade de
bens individuais, mas produzir bens em abundância que favoreçam a todos.
Os locais onde se dá a economia
solidária são as associações e cooperativas de produção, consumo,
comercialização e crédito. Esta forma de produção e consumo, se afasta tanto do
individualismo capitalista, como do coletivismo socialista.
Resultado: produção +
distribuição = social
No capitalismo só o indivíduo
sobressai e no solidarismo o todo. A economia solidária quer resgatar a esfera
individual e comunitária introduzindo a idéia de pessoa. O bem estar do
comunidade ou do grupo redundará no bem estar pessoal.
Por isso, a Feira de Economia
Solidária se apresenta como um local onde se possa concretizar na prática a
doutrina do solidarismo. Nela os diversos segmentos de uma economia primária e
artesanal podem expor e vender seus produtos e os lucros são
compartilhados entre todos.
AVALIÇÃO: A proposta do solidarismo parece que deve ser entendida não como uma substituição ao capitalismo - o que parece atualmente improvável- mas uma alternativa, uma experiência paralela ou complementar.