Para Rawls a justiça social não pode ser atingida nem
pelo capitalismo do laissez-faire, nem pelo welfare state e nem pelo
socialismo. O que de fato pode propiciar a justiça no âmbito social é a
democracia de cidadãos-proprietários. Sugere que também pode ser alcançada
através do socialismo liberal.
Privilegiamos para nossa análise a democracia dos
cidadãos-proprietários, visto que esta ideia encontra guarida em John Locke ao
afirmar que somente o proprietário é um membro pleno da sociedade (full member).
Para ele, a propriedade e somente ela, pode propiciar liberdade ao indivíduo.
Mas, o que é a propriedade para Locke? Diz ele que a primeira propriedade e da
qual se originam todas as demais é a própria pessoa. Minha pessoa é minha
primeira propriedade e com ela adquiro as demais.
O que Rawls entende cidadãos proprietários? A ideia de
cidadão proprietário não contempla a distribuição equitativa da propriedade
privada dentre os cidadãos, ou a abolição da propriedade privada com a
instituição da pública, mas uma dispersão da propriedade privada entre os
cidadãos através da redistribuição de riquezas presentes no mercado. Conforme
Rawls:
“a democracia
de cidadãos-proprietários garante
as liberdades básicas juntamente
com o valor
equitativo das liberdades
políticas e a
igualdade de oportunidades, e
regula as desigualdades
econômicas e sociais
por um princípio
de mutualidade, se não
pelo princípio da
diferença”.
Rawls procede uma crítica aos sistemas econômicas e suas
instituições: O capitalismo do laissez- faire somente proporciona garantias
formais esquecendo-se das reais, liberdades políticas e liberdade equitativa de
oportunidades. O socialismo estatal, por sua vez, timoneado por um partido,
viola a igualdade de direitos e as liberdade públicas. A terceira opção, o
capitalismo de bem estar social, em que pese preocupação com a igualdade de
oportunidades e encampar provisões de mínimo social deixa à mercê dos grandes
proprietários a propriedade real, ficando presa fácil desses conglomerados
econômicos.
O que é, então, a democracia de cidadãos-proprietários em
Rawls?
Primeiramente é necessário preencher três condições: 1.
Ampla dispersão de capital, com cidadãos controlando parcelas substanciais e
iguais do capital produtivo: humano e não humano. 2. Proibição de transmissão
de capitais entre gerações como heranças e doações. 3. Salvaguardas contra a
corrupção, com vigilância sobre financiamento público, partidos políticos,
campanhas eleitorais, através de fóruns para debates políticos.
Através do sistema de cidadãos proprietários Rawls quer
garantir a coexistência das liberdades básicas, da igualdade e da democracia,
isto é, os valores da liberdade, a igualdade equitativa de oportunidades e
regular as desigualdades econômicas e sociais pelo princípio da mutualidade ou
pelo princípio da diferença. Ao dispersar a propriedade garante que ninguém
possa se apossar do todo, como pode acontecer no capitalismo através de
particulares ou no socialismo, através do público. O regime de
cidadãos-proprietários situa-se entre ambos: nem domínio do privado, nem do
público sobre a esfera do cidadão.
Num regime de cidadãos-proprietários é essencial que aja
um sistema de assistência e saúde universal para atender ao princípio da
igualdade equitativa de oportunidades.
Nesse modelo e outros os cidadãos não estão interessados
apenas em seus salários, mas em todo o bem estar que possa dispor e gozar. Os
próprios cidadãos sentir-se-ão responsáveis pelo entorno de seu trabalho:
ordem, limpeza, organização entre outros. Por isso, zelam pela proteção de seus
locais.
Para que ninguém se sinta excluído é preciso providenciar
um mínimo a todos, além de evitar a dependência que poderia provocar a
desigualdade. Uma das formas de dependência seria a exclusão do mercado de
trabalho. Por isso, a necessidade de trabalhar seria universal para que nenhum
cidadão se sinta inferior ao outro.
CONCLUSÃO
Em tese e na realidade, atualmente não seria impossível
transformar todo cidadão em proprietário. A quantidade de bens disponíveis é
incontável e por isso cada um poderia ser galhardeado na prática com um deles.
Não são apenas bens materiais, mas culturais, de investimentos, ações, rendas, poupança,
letras do tesouro, investimentos, propriedades imobiliárias, monetárias entre
outros. Como na parábola do senhor que antes de viajar distribuiu moedas entre
seus empregados:
“Antes de viajar, chamou dez dos seus empregados, deu a
cada um uma moeda de ouro e disse: “Vejam o que vocês conseguem ganhar com este
dinheiro, até a minha volta.”
Do mesmo modo, quando o cidadão entrasse no mercado de
trabalho, deveria receber uma propriedade ficando responsável por ela e fazê-la
render. De tempos em tempos haveria uma avaliação, e, conforme sugere a
parábola, se merecesse maior investimento ou retirar o investido.