Numa life semana passada, para tratar da
falta de resignação, organizada do IDE/JF, meu amigo Dr. Ricardo Baesso
comentou a realidade do mal e, ao lembrar uma conversa antiga que tivemos, me colocou
na circunstância de revisar o assunto numa perspectiva judaico-cristã não
reencarnacionista. Revisar sempre no espírito do que está em Zc. 8,16: “Estas
são as coisas que deveis fazer: falai a verdade cada um com o seu próximo;
executai juízo de verdade e de paz nas vossas portas.” No programa,
Ricardo mencionou, com seu habitual brilhantismo, algumas explicações para o
mal que entende como: expiação, provação, abertura à transcendência, evolução e
missão pessoal.
Tomar o mal como objeto de análise
racional não é tarefa simples, mas devemos partir do reconhecimento da sua existência.
Ele é tão real que tive um amigo padre que dizia que geralmente via-se em
dificuldade para explicar a existência de Deus, mas para mostrar a existência
do demônio não tinha problema algum. O mal estava sempre próximo dele e do
interlocutor. Á parte a ironia, o assunto merece atenção e cuidado e ser
tratado no real e verdadeiro propósito de buscar a verdade.
O essencial do que mencionou Ricardo
na sua apresentação é compatível com uma visão cristã católica do problema, por
exemplo, o entendimento de que o mal pode ser a ocasião de uma abertura para a
transcendência (Deus), que ele pode permitir o desenvolvimento pessoal e/ou
ajudar a pessoa a descobrir uma missão de vida. No entanto, creio que essa
mudança pessoal será possível se o indivíduo tiver encontrado um sentido para o
mal que lhe acomete. Se ele descobre esse sentido, se e somente se ele for
capaz de ressignificar sua visão de mundo pelo sentido, então ele poderá valer-se
do mal para seu crescimento pessoal, poderá melhorar sua capacidade de empatia,
ou mesmo descobrir sua vocação mais íntima, aquela que fará a sua vida reluzir
como verdadeiro valor. Se a pessoa descobre
um sentido para o mal poderá enxergá-lo como parte de sua trajetória de
ascensão espiritual na direção de Deus.
O psiquiatra Viktor Frankl mencionou a
indignação de vários ex-prisioneiros dos campos de concentração nazistas que
percebiam que as pessoas saíram da Segunda Grande Guerra sem se culpar ou
importar com o que ocorreu com os judeus. Essas pessoas diziam não saber o que
se passava nos campos de extermínio, que também elas sofreram privações, que a
guerra é dura para todos, etc. Enfim, somente quando o mal é inserido no
contexto de um sentido é que o homem consegue viver as elevações espirituais
mencionadas pelo Dr. Ricardo.
Por sua vez, ao considerarmos o mal
enquanto oportunidade de crescimento pessoal é preciso distinguir alguns níveis
do mal, começando pelo mal moral. Esse é o mal do homem próprio de quem não
luta contra seus instintos, que faz da vida a busca desenfreada de prazer
irresponsável. Esse homem não consegue enxergar nada além do relativo, sua vida
não tem um grande propósito e ele se torna escravo do relativo.
Há uma segunda forma de mal muito em
voga em nossos dias. Somente se compromete com a verdade, somente procura fazer
o certo quando isso convém, quando não coloca a pessoa em situação difícil, ou
quando não lhe prejudica. Enfim, a pessoa busca o bem que não a coloca em
situação difícil. Apenas nessas ocasiões ela se ocupa de fazer o bem.
Porém, há ainda uma terceira e mais
radical fonte do mal. Aquele mal que nasce do desejo de fazer sofrer, da clara
intenção de destruir os outros, do gosto por assassinar, torturar e destruir.
Esse mal ou perversidade aponta para uma raiz ontológica do problema, que não
faz sentido num processo de evolução necessária comanda por Deus. O
aprimoramento pessoal na direção do bem e da verdade é uma decisão pessoal,
somente ocorre quando há esse propósito. Do contrário, o que se assiste é a
destruição do homem e dos valores mais importantes da humanidade.
Quanto ao progresso cultural, ele é
real e verdadeiro, mas se consolida nas regras do direito e na organização
política da sociedade. Não me parece que seja uma conquista moral de uma
comunidade que ascende, conjuntamente, a um patamar superior de humanidade,
pois essa conquista moral é necessariamente pessoal, fruto do esforço do
indivíduo. O progresso moral vem do esforço e do desejo de ser melhor, de
dedicar-se a boas causas não importa se humanas ou divinas. Ela nasce do desejo
verdadeiro de contribuir para o crescimento do tempo de Deus que Jesus
chamava Reino de Deus.
Dessa forma, ainda que cercado de
mistério, a resposta de Jesus foi combater o mal em todas as suas formas. “A
paixão de Jesus torna-se o exemplo para suportar o mais injusto e
incompreensível sofrimento, para não desesperar no abandono, para alcançar a
Deus.” (JASPERS, Mestres da Humanidade, 2003, p. 139)
O mal, mostrou Jesus, deve ser combatido
em todas as suas formas. No mínimo para promover a obrigação moral da
fraternidade universal. A fraternidade no sofrimento. Somos irmãos porque
padecemos dos mesmos males: adoecemos, caímos em culpa e morremos. Jesus nos
deu motivos para acreditar num alto propósito para viver, com esperança e
confiança em Deus, apesar da presença do mal no mundo.
STABAT MATER DOLOROSA
https://www.youtube.com/watch?v=REMhOdxTcEE