sábado, 26 de outubro de 2019

A filosofia e a superação da radicalidade política. José Mauricio de Carvalho



Tornou-se comum analisar o processo social e político brasileiro com a categoria radicalidade. A pessoa comum diz que o país se encontra dividido em duas categorias políticas com as quais ela resume a disputa política: esquerda e direita. Essas categorias dizem pouco porque, por exemplo, a social democracia e o socialismo radical encontram-se à esquerda, mas são projetos distintos. O mesmo se diga da direita onde o tradicionalismo católico, os segmentos evangélicos e o nazismo estão à direita, embora sejam muito diferentes entre si. A radicalidade política começa a ser combatida com conhecimento do processo político e dos seus projetos. É pouco simplesmente tratar essa questão reduzindo o problema a esquerda e direita. Essa não é uma questão simplesmente teórica. Na prática nem todo cidadão que critica o governo Bolsonaro deseja a liderança de Lula e nem todo crítico do Partido dos Trabalhadores é adepto de Bolsonaro.
Se o primeiro passo para a superação da radicalidade política é o conhecimento das forças políticas, um segundo passo é o conhecimento da política como a arte do debate e de construir consensos. Em outras palavras, a política exige que se converse de forma tranquila com pessoas de todas as posições. Nesse sentido, faz falta um homem como Tancredo Neves que era capaz de dialogar de forma aberta com todos os segmentos políticos e buscar consensos. Isso não apenas se devia à sua disposição psicológica para a moderação e o equilíbrio, mas ao reconhecimento de que era necessário construir consensos para além das legítimas disputas pelo poder. Quando os alemães ocidentais estavam divididos, ao final da Segunda Guerra, entre aqueles que queriam uma aliança com os Estados Unidos e os que pretendiam uma política independente, o filósofo Karl Jaspers observou que primeiro era preciso construir um consenso entorno à organização livre e democrática. A construção de consensos, para além do apoio à seleção de futebol do país, é fundamental sob pena de ameaçar nossa existência como nação.
Esses dois passos contemplam a ciência política e sua prática, mas há um terceiro passo que é imprescindível. Ele depende da educação humanista e ampla que anda atualmente em baixa em nosso país. Porém, é esse pensamento que alimenta a reflexão crítica e preserva a racionalidade contra qualquer atitude indigna dela. Nesse sentido, tem muita importância a formação filosófica e a capacidade de reflexão. São elas que esclarecem os princípios e os objetivos da prática política, preservando o essencial da vida social, os valores estruturantes da sociedade e o destino da humanidade. Por isso tem sido um desastre o uso da filosofia na defesa de ideologias, tanto à esquerda quanto à direita, nas redes sociais.
A filosofia é um pensamento que funciona se independente, não da vida e de seus problemas concretos, mas de posições radicais que impedem a procura da verdade. Uma independência capaz de buscar no passado a orientação que importa e de estimular a busca de consensos para viabilizar o futuro. Todo verdadeiro praticante da filosofia está comprometido não com ideologias, mas com a liberdade e independência das ideias já estabelecidas para buscar a verdade. Esse terceiro passo é também fundamental.


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