Eu me pergunto: por que
supor a resposta na pergunta que quer buscar a resposta? Ao se
fazer uma pergunta que já se tem a resposta não se busca a verdade, mas se
impõe como verdade uma suposição. Trago como exemplo a origem do pecado no
paraíso. O diálogo pressupõe a resposta no final do diálogo entre Adão, Eva e a
Serpente. Antes Adão e Eva estavam nus e conviviam sem precisar de pudor. Tudo
era espontâneo. Não precisavam de nada, nem de folhas nem de peles. Sempre
passavam perto da árvore proibida sem curiosidade. Tudo continuaria como de
costume até que a “serpente” lhes desperta a curiosidade.
- Por que não comem do fruto
desta árvore?
Sabiam da consequência:
conheceriam o mal. O bem eles já o conheciam, o mal, não. Se conheciam o bem por que buscariam o bem do mal. Comeram o fruto. Caíram em si. Estavam nus.
- Como é que nunca vimos que
estávamos nus? Perguntavam-se.
A nudez pressupôs o pecado. Sem ele poderiam andar nus, sem pecado. Ela é o doce do pecado.
É que na doçura da prova da queda vai junto o abrolho do prazer. O veneno perpassa o corpo até atingir a alma. Por isso, após a felicidade do pecado sobrevém a prostração do arrependimento. Aquela sensação de morte que começa nos pés e atinge o coração faz a alma exclamar pelo “De Profundis”. A miséria invade cada membro da alma fazendo o coração gemer e confessar que se é todo pecado, já foi gerado no pecado. Que desejo de ter as mãos limpas e o coração puro! Que desejo de poder, mas nem que fosse por um instante, voltar atrás no tempo e saltar aquele momento anterior. “De Profundis, clamavi ad te, Domine!” O veneno da serpente ofusca os olhos, embaça a mente, invade de torpor todo o corpo. Ele inocula a razão através da felicidade do coração. No último banco da igreja se ajoelha, enfia a cabeça entre as mãos, enche os olhos de lágrimas e tenta buscar a Deus. Nada encontra senão um dedo apontando o caminho da porta. A impureza, a vaidade, o orgulho, a ganância são terra jogada sobre o caixão do cadáver. Pasto para os vermes festejarem, estrume para porcos chafurdarem, putrefação para os corvos cheirarem.
Pecado é um corpo
conspurcado pelo esperma da luxúria, coração apunhalado pela dor, razão demente
tateando perdida. Pecado é o vômito da gula, o arroto da soberba, o escarro da
ira. É a mais profunda desolação e abandono. Abandono de si mesmo e de Deus.
Tudo se transformou em nada e o nada é tudo o que se pode contar. Por isso, “De
Profundis, clamavi ad te, Domine!”
Por que escolher o mal se
podia escolher o bem? Por que o mal se tornou um bem? O mal acontece porque o bem é visto como
menor em que o mal. O pecado atinge o pecador, mutila-o, corrompe
esfrangalhando o corpo e a alma. Será o pecado que dilacera o homem ou sua
natureza mutilada que o conduz ao pecado? Pode o homem não pecar. Se pode, por
que peca? A questão não é porque é livre, mas por que opta pelo pecado, para a
corrupção. O mal e o pecado devem ser melhores que aquilo que se diz bem e
virtude. Por isso não se pode não pecar. Poderia, por acaso, subsistir este
mundo sem o pecado? A ânsia pelo pecado é sua própria recompensa enquanto sua
concretização é o próprio castigo. A dialética não esmorece no castigo, mas na
recompensa e por isso se volta a procurar o pecado. Recompensa e castigo
complementam-se e tornam o homem. Ele é feliz com o que não tem, mas quer ter.
E infeliz com o que consegue, mas não queria tê-lo. O desejo de felicidade leva
à corrupção de sua natureza, e a vontade de fugir do mal é o degrau para a
perfeição.