Kierkegaard foi um pensador dinamarquês que viveu quase toda a vida na primeira
metade do século XIX. Nasceu em 1813 e morreu, ainda jovem, em 1855. Até cerca
de exatos cem anos atrás, em 1914, nenhum livro de filosofia mencionava o
pensador, dizia-nos Karl Jaspers no ensaio que lhe dedicou, em 1955. E o que
ocorreu desde então? O quadro mudou radicalmente e ele passou não só a ser
citado nos manuais de Filosofia, mas a ser apresentado como anunciador de um mundo
novo, de um mundo que sucedia as teses otimistas e progressistas do idealismo
alemão, notadamente de Georg Hegel.
Uma
leitura inicial dos textos do filósofo nos coloca em contato com uma reflexão
crítica sobre o cristianismo e seu significado na história dos homens. E para
onde conduziu sua reflexão crítica do cristianismo? Para um desencanto com as
interpretações religiosas do cristianismo feitas pelas Igrejas. O motivo da insatisfação
é a distância que a doutrina está do homem concreto. Ele rejeita uma
interpretação do cristianismo que pouco tem a dizer para quem está vivendo a
vida rotineira com suas alegrias e dramas. Sim, porque a vida é um misto de
drama e alegria, com peso diferente para homens e gerações, para uns com mais
alegria, para outros com mais drama. Tal é o peso da história.
E
por que o cristianismo anunciado lhe parecia distante da experiência do homem
concreto? Por que focava o principal de sua atenção no futuro glorioso da
humanidade, resultado da leitura romântica da história cultural da Europa. No
entanto, essa visão deixava de lado a dor, a fome, as revoluções, as guerras,
as doenças, o abandono, o sofrimento, enfim tudo o que parece estar mais
próximo da experiência real de cada pessoa. E observe que o propósito de
Kierkegaard com sua crítica não é propor uma nova Igreja, ou fazer uma reforma
nas que existiam, menos ainda sugerir um programa político ou plano de governo.
Kierkegaard estava longe de todos esses propósitos, saboreando a solidão existencial
e sem vivenciar relações humanas muito íntimas. A imagem do juízo final, em que
cada homem está entre tanta gente, mas se mantêm absolutamente só diante de
Deus é a alegoria que ele usa para dizer de como vive e de que tipo de resposta
procura. Ele fala para o homem, enquanto capaz de realizar a experiência da
solidão verdadeira que é própria de nossa vida. É para essa solidão que ele
busca resposta. E resposta para que? Para o que deveria verdadeiramente nos
ocupar quando tomamos consciência de que nossa vida é única e ninguém pode vivê-la
por nós.
Deixando
de lado as preocupações religiosas do pensador e centrando a atenção no que
está na raiz de suas preocupações filosóficas é que nos deparamos com questão
que, ainda hoje, parece urgente e instigante. Se estamos verdadeiramente sós na
experiência da existência, essa realidade nos coloca diante de uma questão a
que a meditação diária nos deveria levar: o que significa ser eu mesmo? A
simples colocação dessa pergunta torna a vida humana diferente e ela parece
urgente e necessária ainda em nossos dias. A reflexão nos coloca diante do fato
de que não teremos resposta para essa pergunta radical se esperamos que nossa
vida seja conduzida de fora, se as decisões que temos que tomar tiverem que ser
feitas por outrem. A vida pensada por Kierkegaard é aquela que cada um de nós experimenta
na sinceridade íntima de ser o que se é.
Essa
jornada interior de escolhas só pode ser guiada pela riqueza espiritual que
conseguirmos reunir em nossa existência, as experiências de belo e bom que
puderem orientar a vida, que para o jovem dinamarquês se encontrava na tradição
cultural do ocidente.
Uma ótima e bela explicação. Isto é conhecimento.Parabéns,
ResponderExcluirEsta riqueza espiritual que nos torna fortes. A espiritualidade é a chave para nas quedas saber levantar-se.
ResponderExcluirA solidão que é um vazio só é preenchido quando apreendemos que o sentido da vida está em conhecer-nos a nós mesmos.
ResponderExcluirA vida pensada por Kierkegaard é aquela que cada um de nós experimenta na sinceridade íntima de ser o que se é. Esta citação me encantou, vou ler este filósofo.
ResponderExcluir~Uma minuciosa explicação,parabéns.
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