Morreu
esta semana a senhora Marisa Letícia, esposa do ex-Presidente da República Luís
Inácio da Silva. Como figura pública é natural que tivesse admiradores e
desafetos. Sua morte não apaga seus erros, nem ofusca seus méritos, a vida é
resultado das escolhas feitas. Nossa história, o bem e o mal realizados,são
nosso legado para a sociedade. Não raro é comprovar que a vida humana é cheia
de contradições. Elas são partes de nossa humanidade, dizia Paulo de Tarso na Carta aos Romanos 7, 15-25: “miserável é
o homem que sou (pois...) não faço o bem que desejo, mas o mal que não quero”.
O desfecho
natural da vida biológica é a morte. No caso de Dona Marisa o fato foi
lamentavelmente precedido por manifestações de desumanidade. Durante toda a
semana correu nas redes sociais que ela havia morrido, etc. do modo exato como foi
oficialmente notificado mais tarde. Umanotícia que somente podia vir de dentro
do hospital. Ao mesmo tempo, também nas redes sociais, começaram as
manifestações de escárnio somadas aolamentável debochede membros da equipe
médica. Quando veio a nota oficial do falecimento foram possíveis as primeiras
as manifestações de solidariedade.
Não
se pretende fazer qualquer julgamento das pessoas envolvidas nos
acontecimentos, não creio que ajudasse ninguém, nem a sociedade brasileira.
Porém, os fatos relatados nos levam a um pequeno ensaio de Tobias Barreto de
Menezes, um jusfilósofo nordestino. Um ano antes de falecer, em 1888, escreveu Glossas heterodoxas a um dos motes do dia,
ou variações anti-sociológicas (1887). O texto está publicado emEstudos de Filosofia. São Paulo,
Grijalbo, 1977. Num esforço para explicar o que é a sociedade humana e porque
os homens nela vivem, Tobias fez observações interessantes para concluir que
vivemos em sociedade para superar a nossa animalidade. É natural que existam
ladrões dizia, mas é cultural que eles não existam, a escravidão é natural,
existe até entre formigas, mas é cultural que não exista, etc. E cultural quer
dizer moral. O que Tobias ensinou, nos seus textos pouco lidos e meditados, é
que a moral é que eleva o homem da animalidade para um bom convívio. Issomesmo
sabendo que o homem não deixa sua animalidade e que precisa ser punido quando ela
se sobrepõe ao comportamento moral. Ele dizia algo interessante sobre isso
(1977, p. 232): “o direito é o fio vermelho, e a moral o fio de ouro”.
O
que Tobias escreveu pode ser lido assim: é natural que o homem poderoso utilize
sua posição para ter privilégios ilegais, mas é moral que não o faça, é natural
que o empregado tenha preguiça e não cumpra suas obrigações, mas é ético que cumpra
bem sua missão, é natural que as pessoas debochem e se vinguem de quem as
prejudicou, mas é humano que não o façam. A vida civilizada deixa para as
instituições fazer justiça com quem se porta mal. Isso deve ser feito para que
o bem no final prevaleça, mas cada homem deve combater em si aquilo que o leva
à animalidade e escolher o que é humano.
Dessa
forma Tobias Barreto deixou considerações importantes sobre a sociedade, as
razões pelas quais ela se organiza, dos propósitos das suas instituições e do
valor do processo educacional. Uma educação que se não leva à intimidade da
consciência os elementos de humanidade necessários à vida boa falhou na
essência. Aliás, o episódio inspira uma resposta à propaganda do governo: ao
invés de quem conhece aprova onovo ensino
médio, melhor seria quem conhece
educação não aprova o novo ensino médio. Sobre o fundamental das intenções
éticas, que são o cerne da educação, dizia Tobias Barreto (idem, p. 331): “ela
é o grande aparato da cultura humana, deixa-se afigurar sob a imensa teia de
relações sinérgicas e antagônicas, é um sistema de regras, é uma série de normas
que não se limitam ao mundo da ação e chegam aos domínios do pensamento” (id.,
p. 331).
De
tanto enxergar a animalidade se sobrepor à humanidade, pode ser que percebamos como podemos fazer um país melhor.
Lamentável tantas manifestações desumanas.
ResponderExcluirPodemos avaliar como somos rápidos para apontar os erros alheios.
ResponderExcluirMuito triste tantas demonstrações e criticas a quem está saindo deste mundo. Crueldade, a justiça fará seu trabalho.
ResponderExcluirMas cada homem deve combater em si aquilo que o leva à animalidade e escolher o que é humano.( Aqui devemos analisar e observarmos qual escala estamos, será que evoluímos como seres humanos?)
ResponderExcluirEstamos conectados nas redes sociais, mas totalmente desconectados de nossos sentimentos. Estamos perdendo nossos amores.
ResponderExcluirPara onde caminhamos? Estamos perdendo o respeito até perante o sofrimento de nossos semelhantes.
ResponderExcluirOuro é calar. São tantos absurdos.
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