NOS ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA o governo está alicerçado sobre a maioria, e esta é a democracia. É a
democracia de um governo senão de todos, ao menos da maioria. Se essa maioria não
se consegue diretamente, ao menos seus representantes serão a expressão da
maioria. As minorias devem se submeter. Sua engenharia política é denominada de
sistema representativo.
ESTE SISTEMA é invenção
anglo-saxônica. Nasceu ao longo da história inglesa e se disseminou pelo mundo.
Aliás, uma das características dos anglo-saxões é de ”construírem sua própria cidade”, como disse um
historiador da antiguidade. Construíram
seu sistema de medidas como Mil, Polegadas, Pés, Jarda, Rod, Milha, Légua etc.
que, embora outros países tenham outras, eles continuam com a sua. Um exemplo atual
é a moeda. Praticamente quase toda Europa adota o Euro, a Inglaterra permanece
com a Libra. E a partir de agora, abandona também a Comunidade Europeia.
O SISTEMA
REPRESENTATIVO inglês tem como suporte último a soberania do povo. É um sistema
hierárquico de elos interligados desde o mais alto até o ínfimo. Em última
instância está o povo.
TOCQUEVILLE
CONSTATOU que isso acontecia na América. A começar pelo legislativo, eleito
diretamente e por curto espaço de tempo. As duas casas, dos deputados e
senadores, são eleitas pelo mesmo eleitorado e seus movimentos são simétricos.
Analisam as mesmas matérias, procedem da mesma forma e, algumas vezes, agem
juntas. Acresce-se a isso, o costume de os eleitores traçarem um plano de
conduta para o deputado. É praticamente a fórmula da democracia direta.
O
PODER JUDICIÁRIO, ao menos nas instâncias inferiores e em quase todos os
estados, é eleito diretamente e pela maioria. Seus salários dependiam da
maioria do legislativo.
CONTUDO,
a mais significativa das instituições norte-americana era o sistema eleitoral,
o distrital. Primeiramente, produziu duas grandes correntes de pensamento,
expressas em partidos: o republicano e o democrata. Estes dois partidos se
alternam no poder, ora um, ora outro, contabilizando uma média de 94% dos
votos. Há outros, mas estes dois constituem as maiorias que dão estabilidade ao
governo. Este sistema, ao mesmo tempo
que tornava o país governável, pelas maiorias que produzia, poderia ser uma
ameaça às minorias nos seus direitos individuais. Tocqueville encontra uma
explicação sociológica para o fato de esta maioria não se tornar tirana. É a
igualdade natural dos povoadores da América e a ausência de divergência de
interesses. Em outras palavras, a sociedade era compactamente homogênea quanto
à ideologia, isto é, liberal. Isso significa que, por ser homogeneamente
liberal, poderia incorporar e praticar os princípios democráticos. No entanto, Tocqueville antecipa e alerta
para o perigo de que pode se revestir um princípio absoluto da maioria, quando
foge ao âmbito da política. Ele mesmo cita o exemplo do sistema carcerário. Os
detentos atuais vivem uma situação deprimente. Alguém levanta a bandeira dos
direitos humanos e a maioria acata. Passa-se então a construir prisões mais
humanas, sempre com o apoio da maioria. No entanto, os miseráveis das prisões
antigas são esquecidos e não há mais ninguém que zele por eles. Isso tudo com o
apoio da maioria. Outra questão cruciante apontada por Tocqueville, no ange os
direitos individuais, foi a escravidão. Sobre isso havia algo que se impunha
inexoravelmente: sua extinção. No entanto, os Estados Unidos ficariam entre
duas alternativas que o levariam a um beco sem saída: se fosse concedida a
liberdade aos negros, eles cometeriam abusos; se não fosse concedida, eles a
tomariam à força. Quanto à primeira, houve abusos, mas superados, embora alguns
com violência. Quanto à segunda alternativa, com certeza nem Tocqueville
imaginaria: um negro eleito presidente: Barack Hussein Obama Segundo, do
Partido Democrata, elege-se presidente, enfrentando seu adversário do Partido
Republicano, John Mccain, nas eleições presidenciais de novembro de 2008, nos
Estados Unidos da América.
CENTO E CINQÜENTA anos depois, Tocqueville, através
de Paul Gray, “revisita” os Estados Unidos para fazer um balanço sobre suas
previsões, mormente no que concerne a questão das minorias. O problema
levantado por ele no século XIX, da fraqueza e indefesas minorias, agora elas
se constituem na sua força. Primeiramente, as minorias se tornaram tantas que
há uma maioria de minorias. Em segundo, quando uma minoria pretende reivindicar
algum direito é exatamente o método da fraqueza que é invocado. Além disso, as
minorias, além de sua proliferação ruidosa, lançam mão do argumento da fraqueza
e, com isso, conseguem acesso a poderosos meios de influência da opinião
pública, a mídia, e através dela, defendem, de forma barulhenta, seus
direitos.
TOCQUEVILLE
FAZ uma reflexão sobre a questão da maioria e coloca que, acima dela, deve
estar a justiça. Essa é a maioria do gênero humano e não apenas de uma
determinada comunidade. Era necessário um legislativo que representasse a
maioria, mas sem ser escravo de suas paixões. Um executivo com força própria e
um judiciário independente dos outros dois poderes. Tocqueville queria
aproximar os princípios liberais e democráticos. Entendia que todos são
chamados a participar do governo, no entanto, através de um processo racional e
justo, com uma representação detentora real de poder e o controle através de
sua divisão.
DESSA
FORMA, percebe-se que os norte-americanos conseguiram aproveitar o que havia de
bom nas instituições políticas inglesas e afastar o que elas tinham de nocivo.
Afastaram, por exemplo, a aristocracia, a desigualdade estruturada, a
discriminação racial, a intolerância religiosa e outras. Aproveitaram-se do
sistema de vigilância dos poderes - pesos e contrapesos - a eletividade dos
cargos públicos, a preocupação com os direitos individuais e, acima de tudo, do
processo eleitoral distrital que propicia o afunilamento de interesses.
Perfeito. Muito boa esta explicação . Parabéns.
ResponderExcluirVigilância dos poderes, é isto que falta em nosso Brasil. Muito bom.
ResponderExcluirAfastaram, por exemplo, a aristocracia, a desigualdade estruturada, a discriminação racial, a intolerância religiosa e outras.
ResponderExcluirNão é perfeição, mas o foco é procurar ser mais próxima do humano. Valeu!!!!
Talvez precisássemos aprofundar mais nosso conhecimento em democracia. Somos ignorantes e prepotentes.
ResponderExcluirmuito triste a intolerância religiosa e discriminação racial, somos somente humanos.
ResponderExcluirótima leitura.
ResponderExcluirBom, muito bom.
A luta da humanidade as vezes parece sem fim. Caminhamos, acreditamos e as vezes regredimos.
ResponderExcluirPoderíamos copiar o que é bom. Mas, só copiamos lixos como BBB.
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