sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Não se discute moralidade sem Filosofia. José Mauricio de Carvalho


Circula na internet um texto atribuído ao Juiz Sérgio Moro que comenta a importância da consciência moral como mola da ação cidadã. Não estou certo da autoria, mas o texto que corre nas redes sociais lembra o evangelho de Lucas 16, 1-13. O evangelho é conhecido e retrata o administrador infiel que frauda as dívidas com o dono da propriedade, que ele representa, para auferir vantagens pessoais com os beneficiados. Independente da questão teológica, que está voltada ao modo como se usa os bens desse mundo, o texto precisa ser profundamente examinado para não dar a impressão de que Jesus elogia a desonestidade do empregado, o que importa, para o nosso caso, são as palavras do mestre na conclusão da parábola (Lc. 16, 10): "quem é fiel no pouco é fiel no muito e quem é injusto no pouco, também é injusto no muito".
O texto que circula na Internet, atribuído ao juiz Sergio Moro, aponta para algo parecido, mas não da mesma forma, uma vez que Jesus tinha em vista os bens eternos e levava em conta a realidade do momento, quando o administrador ganhava uma comissão por seu trabalho e não propriamente um salário. Afirma o texto das redes sociais, que o funcionário que faz fotocópias pessoais na empresa, que leva clipes para casa, que não cumpre toda a jornada de trabalho e que aceita, no dia a dia, participar de pequenos fraudes, é o mesmo que, quando chega à política, concordará e participará das fraudes e mal feitos milionários que marcam a história de nossa República. Em outras palavras, atribui à fragilidade moral do povo os desmandos de altos funcionários da República. A abordagem, portanto, lembra, mas é diversa do texto evangélico.  Infelizmente, o problema da corrupção em nosso país ganhou essa proporção porque o sistema político foi arranjado para favorecer tais facilidades, uma multidão infindável de partidos sem razão de ser, sem identidade ideológica e que não representam ninguém, a necessidade de custear um sistema eleitoral cada dia mais caro e baseado em dispendiosas programações televisivas, fato que somado à tradição patrimonialista de governar e a enorme confusão que ela promove ao misturar os bens públicos com os dos governantes, a demora da justiça em punir políticos corruptos, a inúmeras brechas na lei que fazem com que ricos e poderosos consigam escapar de punições rigorosas, tudo isso explica melhor a corrupção atual.
Um raciocínio como esse, se tem razão quando sugere a necessidade da educação moral, falha ao estabelecer essa cadeia de relações. A tentação à desonestidade é universal, e o homem é desafiado a ser honesto a cada hora, em cada momento ao comparar sua ação com o ideal de conduta. Um texto como esse é uma acusação indevida às pessoas que, ordinariamente, se esforçam diariamente, trabalham corretamente e ganham a vida honestamente. E são muitas as que lutam em cada ato para não se beneficiar do que não lhes é devido e viver do justo ganho. A ação moral é realizada a cada instante e em cada situação.
Por outro lado, quando se trata da educação moral do povo adianta pouco o discurso moralista muito a gosto de alguns religiosos. O fundamental para implementá-la é mostrar como a conduta errada prejudica toda a sociedade inclusive o eventual beneficiado do momento, que pode ser prejudicado em outro. Do mesmo modo que o político rouba o dinheiro que poderia ser gasto na saúde, o funcionário da saúde pode atendê-lo mal, desviando o remédio que o médico receitou e não lhe oferecendo a dose certa. Ninguém está a salvo disso, mesmo os políticos espertos que pensam estar recebendo um tratamento adequado e não estão. O que parece fundamental é a discussão correta com a sociedade dos malefícios causados pela desonestidade no funcionamento da vida comunitária em razão da relação que há entre Cultura e Valor, entre Ética e Direito, entre Ética e Religião. Não se trata do discurso moralista, mas de estudo e fundamentação das instâncias normativas fundamentais necessárias ao bom funcionamento da sociedade. Isto se faz com o estudo da moralidade pela ética filosófica, de preferência na escola regular. O fato é triste quando se descobre que o governo quer retirar a obrigatoriedade do ensino da Filosofia, quando ele é necessário para a formação da capacidade crítica do cidadão. Desse episódio a incoerência daqueles que divulgam o discurso do juiz, mas não se preocupam com o ensino da Filosofia e nem com a reforma de ensino proposta pelo governo.
O problema do atual sistema não é que tem muitas matérias é que não tem um critério adequado para avaliar o que realmente precisa ser ensinado e aprendido para a formação cidadã em cada uma delas.



7 comentários:

  1. Os políticos sempre legislaram em causa própria.

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  2. Povo que não tem uma educação baseada na ética, acaba trocando valores.

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  3. As pessoas que reconhecem e sabem da importância da Filosofia, precisam fazer um abaixo assinado para que a população reconheça a importância e participe das decisões.

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  4. Texto claríssimo, parece que temos valores destorcidos,a ética que pregamos aos outros e a que nos favorece mesmo antiético permitimos. Sem filosofia e professores conscientes de suas responsabilidade transformadora, continuaremos engatinhando para melhorar uma sociedade que se deixar corromper por favores. Nós povo precisamos ir as ruas fazer um grande movimento em favor da ética, precisamos pensar na sociedade, nas gerações futuras, o que deixaremos de bom, porque de ruim temos triste heranças a nos envergonhar.

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  5. Bom demais, uma realidade. E porque não se organiza um encontro dos filósofos para mostrar aos governantes a necessidade do conhecimento.
    Estamos vivendo com tão poucos valores que esquecemos nossa obrigação de educadores das gerações futuras.

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  6. Ótimo, é um alerta para educar futuras gerações, e aproveitarmos para nos tornarmos um pais sério.

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  7. O fato é triste quando se descobre que o governo quer retirar a obrigatoriedade do ensino da Filosofia, quando ele é necessário para a formação da capacidade crítica do cidadão. ( Esta é a verdade amigo, cidadão critico aprenderá a escolher seu representante.)

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