Em
1917, o filósofo espanhol Ortega y Gasset escreveu um pequeno e provocador
ensaio sobre os rumos da democracia espanhola, denunciava um plebeísmo triunfante
que tomara conta da Europa e que representava uma degeneração da democracia. Isso
porque, deixando de representar uma forma de organização política, tornava-se expressão
de massas adoecidas que queriam dirigir o destino da cultura. A democracia
(ORTEGA, Obras, v. II, p. 135):
“estrita e exclusivamente como norma de direito político, parece ótima coisa.
Porém, uma democracia fora de si, a democracia na religião e na arte, a
democracia do pensamento e do gesto, a democracia no coração e nos costumes é o
mais perigoso morbo que pode padecer uma sociedade.” Em resumo, uma democracia
que queria ser o que não era tornava-se doentia.
Em
2020, em meio a pandemia do coranavirus, a imprensa brasileira, especialmente
sua mais bem equipada rede de comunicação, mostra-se adoecida, como a antiga
democracia espanhola, deixando de cumprir o que dela se espera. Da imprensa
sadia se espera que aponte os crimes contra a sociedade e a própria humanidade,
mas que o faça no estrito compromisso com a verdade, porque a verdade é não só
o esteio da dignidade humana, mas a base da vida social. Isso lembrando que uma
verdade social e política somente pode ser buscada em conjunto, com a exposição
isenta e ponderação das interpretações. Karl Jaspers lembrava que (JASPERS, Introdução ao pensamento filosófico,
p.97): “na comunidade o curso das coisas se torna falso quando o homem cala o
que é importante para todos.” Sem a apresentação equilibrada das diversas
posições não se forma opinião pública madura e os homens se tornam superficiais
e ignorantes da verdade.
Uma
das maiores falhas da imprensa é quando ela engana as pessoas (e aos próprios
jornalistas) mistificando a violência que é a mentira e a manipulação dos
fatos. Essa distorção da verdade ocorre quando ela não divulga objetivamente os
fatos e os comentários não apresentam as interpretações dele. Além de uma espécie
de imprensa partidária, outros males a acometem. Uma grave doença revela-se
quando ela se comporta como consciência moral da opinião pública, o que ela
decididamente não é, porque ela não é isenta. Além do mais, consciência moral é
pessoal, que pode e precisa ser educada, mas não é instância social. O que se
vê quando jornalistas andam pelas ruas a acusar o cidadão de não cumprir o
isolamento sem saber exatamente o que cada um anda fazendo e porque está
fazendo. À Justiça cabe velar pelo cumprimento das leis, não à imprensa. Embora
seja fundamental a imprensa denunciar crimes. Note-se crimes, não o que os
jornalistas ou seus patrões consideram errado.
Outro
morbo dessa imprensa é o sadismo. Seus profissionais repetem, com requinte de
detalhes, tudo o que há de pior, os crimes mais pavorosos, os fatos mais
horríveis e fazem isso continua e repetidamente durante horas e dias. É um
gozar no sofrimento. Quanto maior a desgraça, mais ela é repetida e divulgada.
Essa doença é como o vírus da covid, se espalhou rápido entre as várias mídias
e emissoras.
Não
se pode esquecer também a doença da bobice pura e simples, isto é, divulgação
de fatos privados de artistas como coisas de grande interesse público do tipo:
Fulana se bronzeia durante a quarentena, aquela outra exige corpaço e faz graça
de biquíni, esse cantor pede namorada em casamento no confinamento, etc.
Seria
fundamental para a Democracia que a imprensa se comportasse sadiamente. Que ela
com a mesma intensidade com que reivindica respeito quando criticada cumprisse
seus deveres. A impressa somente é fundamental para a democracia quando cumpre
seu papel de divulgar com isenção, comentar com equilíbrio, não gozar na e da
desgraça, abdicar da bobice e não se arvorar em consciência moral da sociedade,
etc.
Sabe, as vezes procuramos notícias, mas confiáveis está difícil.
ResponderExcluirQue não seja democracia para alguns, mas o povo precisa acreditar em dias melhores.
ResponderExcluirAcabou praticamente o bom jornalismo que é imparcial e informa.
ResponderExcluirHoje temos um jogo de interesses, jornalistas, talvez ofenda a classe,mas estamos carentes,o que vemos é um desgaste da classe, falta de credibilidade, procuram atingir pessoas públicas trazendo a vida particular da família.
É muito desrespeito, vc não pode ser responsável pelos deslizes de seus parentes.
Concordo, sempre penso, parecem um antigo programa da candinha, os fofoqueiros, falta competência.
ExcluirInteressante este provocador ensaio, gostei.
ResponderExcluirFalha a imprensa, perde sua função.
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