Estamos vivendo sob a égide da culpa. As pessoas estão se
culpando por que não se prepararam mais, não trabalharam mais, não se
qualificaram mais. As famílias estão se culpando. Perguntando onde erraram, por
que não deram mais atenção ao companheiro ou companheira, aos filhos. Por que
só se preocuparam com o trabalho, o dinheiro, o bem estar material? A sociedade
se culpa por que não previu o futuro, não se modernizou, descurou de
infra-estruturas. A culpa invade nosso organismo social, o imobiliza, engessa e
o mata. Ela destrói as famílias quando um lança a culpa no outro. Enlouquece o
indivíduo quando não a supera.
A culpa é inerente à natureza humana. Há uma culpa
originária que todas as culturas a enunciam. A culpa, a cima de tudo não é uma
razão, mas um sentimento. É algo do qual se quer livrar-se. Apesar de alguém ter
certeza de que pode ser feliz, não o é porque subsiste o sentimento de culpa.
Junto com a culpa vem o remorso que mata por dentro a esperança de felicidade.
Por mais que se queira explicar a si mesmo que não há motivo de culpa, ela
reaparece enchendo a alma. É como Caim que vaga pelas florestas, corroído pelo
remorso pela morte do irmão Abel. Neste caso há uma causa, o assassinato do
irmão. E quando sem causa se sente a culpa? Desde que o homem teve consciência
de si, sentiu-se culpado. Por que um
pagão como Anaximandro diria que não há culpa maior do que o de ter nascido?
Por que Platão diria que a culpa é por não conhecer a verdade? O cristianismo
solucionou com o mistério ou mito do pecado original. Assim se podem desfilar
os grandes pensadores da humanidade como Rousseau que encontrou na sociedade
seu bode expiatório. Se não fosse a sociedade o homem poderia ir ao encontro de
seus desejos, satisfazer suas paixões e entregar-se à felicidade da vida, sem
culpa. O indivíduo é bom, não tem culpa. A sociedade é má, a culpada.
Nietzsche, na mesma linha, vê na sociedade não só
estratégias de controle, mas formas de poder. Há os que querem demonstrar que o
mundo não é como deveria ser. Eles dizem aos homens o que devem fazer, como se
portar, até mesmo ordenando-lhe agir contra a sua natureza. O próprio Deus
seria um desses pretensos idealizadores de felicidade. Embora todos esteja
mortos - monarcas, nobres, inclusive Deus - Mas algo sobreviveu: o sentimento de culpa.
Já Freud tira Deus do céu e o acomoda no coração do
homem. Nele faz o papel de juiz, o Superego. Este impõe ao homem um código
moral que inevitavelmente é transgredido, engendrando o sentimento de culpa.
E os filósofos da existência, como vêem a culpa. Para
Jaspers é uma situação limite, dela o homem não pode furtar-se. Heidegger vê na
culpa um modo de ser do ser-aí, uma atribuição substancial do ser humano. Em
última análise, em ambos a culpa é um trajeto inexorável. Tudo o que o homem
fizer, ele pode ter certeza que será culpado. Se fizer o bem, ou se fizer o
mal, ou mesmo se não fizer nada, sentir-se-á culpado. A culpa é a condição
humana. E o pior dos paradoxos da culpa: quanto menos culpado se é, mais culpa
se sente. Um santo se sente mais culpado que um assassino psicopata.
O que fazer para se livrar da culpa? Diz o cristianismo
que a culpa originária pode ser banida pelo batismo. Mas quanto às demais
culpas? Por mais que se queira apagar elas subsistem. É como o mito da Hidra de
Lerna que, a cada cabeça que Hércules cortasse, nasciam duas. Contudo, se esta
é a condição humana de viver acompanhado de culpa, terá que fazer como
Hércules: continuar cortando as cabeças até que a última cicatrize.
Parece que a culpa já é parte de nós,somos culpados pela culpa de não termos culpa.Herança de Caim.
ResponderExcluirMaria Do Carmo Bassan OLá prof. Selvino! Sempre admirei suas colocações referente a nossa sociedade, o senhor produz conhecimento, então escreva mais, gosto muito de suas idéias e quero muito poder compartilhar...
ResponderExcluirÉ verdade precisamos compartilhar.
ExcluirMuito interessante.
ResponderExcluirPerfeito,uma análise completa com o conhecimento de todas as áreas.OBRIGADO.
ResponderExcluirOu mesmo se não fizer nada, sentir-se-á culpado.É verdade até deixamos a felicidade escapar,sofremos por antecedência pelos nossos filhos,por não ter tempo para dedicar-lhes mais atenção.
ResponderExcluirDevemos pensar muito quando nos culpamos de situações que simplesmente nos colocam,afinal podemos até assumir,mas não devemos nos consumir.
ResponderExcluirQuem carrega culpas se anula,deixa de ser feliz.
ResponderExcluirAcho muito relativo,a culpa não é igual para todos,tem pessoas que não conhecem este sentimento,o mundo está egoista.
ResponderExcluirOlha bem,acho que a culpa esta restrita as mães em relação a filhos,trabalho,ausência.
ResponderExcluirA culpa nos torna muitas vezes incapazes para decisões,ficamos reféns do medo. Ela é sorrateira se alimenta de nossas fraquezas,invade nossa vida,cobra um preço alto,nos faz prisioneiros.
ResponderExcluirConsiderando que nada é mais importante para o ser humano do que ter paz,precisamos nos afastar de situações que alimentem culpas porque, desde nossa infância fomos moldados dentro de padrões rígidos e religiosos o que nos leva a viver uma vida de limitações. Nunca nos sentiremos inteiros e limpos se estivermos sem paz,atormentados.
Viver sem culpas é aceitar nossos limites pois, ultrapassa-los pode ter altos custos emocionais.