sexta-feira, 27 de março de 2015

Um livro sobre os dilemas de ser psicoterapeuta. José Maurício de Carvalho - UFSJ




Acaba de ser publicado pela editora Vozes o livro Ser Terapeuta da Psicóloga e Filósofa Clínica Rosangela Rossi. O livro é um romance onde se encontram dois psicoterapeutas: um filósofo clínico e um outro de formação jungiana. A leitura é simples e instigante, mas ninguém se engane sobre a profundidade do abordado. É que o profundo pode ser dito e aqui é dito de modo simples, ou claro, como diria o filósofo espanhol Ortega y Gasset: a clareza é a gentileza do filósofo. E é tão bom quando é assim mesmo quando não tratamos de meditação filosófica, o profundo continua profundo, mas mostra sua proximidade conosco.
No romance os dois terapeutas habitam o mundo da autora e eles procuram tirar de si mesmos respostas para uma jornada interior de serenidade e equilíbrio. Muitas vezes os terapeutas não dão importância a isso, suas formações não chegam lá, só o tempo e a experiência revelam. O psicoterapeuta para ajudar alguém a mergulhar em si e iluminar suas dificuldades precisa ele próprio caminhar na luz benfazeja da serenidade íntima. Mais lindo seria o romance se fossem dois autores diferentes nesse diálogo, desde que trabalhassem com o mesmo cuidado e delicadeza de alma da autora. Rosangela vive intimamente esse diálogo devido a suas duas formações e o fato de fazê-lo não deixa de ser também encantador porque ela em sua vida procura agregar, soma e não afasta e rejeita um modo diferente de pensar o mesmo drama. É disso que se trata no fundo: o drama de como os terapeutas vivem o seu lado negro, o de conviver em paz com aquilo que atormenta e fere porque dói na alma.
O personagem principal do livro experimenta o desafio de voltar-se para a própria intimidade para ajudar quem o procura a conviver consigo mesmo, de passear pelo lado mais triste de si para ajudar o outro a fazer o mesmo, a respeitar o seu mundo e o seu núcleo mais íntimo, para respeitar o outro em suas escolhas legítimas. Denomino legítimas aquelas opções feitas não pelas dores, mas em fidelidade a si mesmo, naquilo que aproxima terapeuta e quem o procura como companheiros no destino da vida.
Em nossa realidade quotidiana tão corrida e desafiadora muitos acreditam que seu tormento está todo originado fora deles mesmos, mas não está. Muitas das nossas dores estão em nós mesmos, em não sabermos viver com o que nos fere nas entranhas e das entranhas da alma. E essas dores não serão curadas com fluoxetina ou outro anti-depressivo com função ansiolítica. Muito menos acabarão nas compras compulsivas, que esperam acalmar a alma com coisas cuja posse é vendida como felicidade e sucesso. Mas a felicidade não vem por esse caminho, embora o legítimo caminho da serenidade interior não invalide o desejo legítimo de possuir bens que assegurem uma vida digna.
No prefácio que preparei para o livro pude dizer que ele  "tem um objetivo desafiador, simples de falar, dificílimo de realizar. Ele pretende mostrar que o conhecimento da Filosofia Clínica criada por Lúcio Packter e da Psicologia Analítica de Jung tão diferentes em seus fundamentos e práticas podem conviver e orientar as buscas íntimas do psicoterapeuta. E não só essas teorias podem conviver, mas elas e muitas outras em infinitas combinações possíveis e abertas. Esse objetivo se apresenta em dois caminhos: o primeiro é o do homem comum que vive vida singular, que tem um lado escuro para ser iluminado, que vive continuamente dúvidas existenciais diante do que fazer. Sim, a vida é o que fazer como dizia Ortega y Gasset. O segundo é o caminho do terapeuta desafiado a construir uma prática clínica com informações colhidas em diferentes teorias, experimentando que o mundo da vida é mais quente, intenso e maravilhoso que nossas teorias para explicá-lo" (p. 13).
A preparação para ser psicoterapeuta é longa e difícil. Exige um prolongado estudo de teorias, do conhecimento das dificuldades pessoais e das doenças que afetam a consciência e o destino pessoal. Não se pode ser psicoterapeuta sem esses estudos, mas eles só não bastam. Talvez seja suficiente em algumas profissões um bom conhecimento das teorias, mas no caso não é. O conhecimento de si, a superação das próprias dores, o saber conviver com a angustia em si e no outro e muito importante e complementa o manejo clínico. E nesse esforço de busca íntima o terapeuta da alma é companheiro de todos os homens. Deve vencer a si mesmo antes de ajudar os outros a fazê-lo e essa jornada nunca está completa, ele precisa estar sempre clareando o seu lado mais escuro, suas inautenticidades.
Como já pudemos escrever no prefácio da obra o livro "é um desafio à liberdade: da autora que construiu diálogos improváveis e do leitor ao ver-se revirando intimamente em dúvidas e procuras das quais frequentemente não se ocupa" (p. 15).

O livro é também um alerta. Não podemos andar distraídos pela vida, distantes de nós mesmos, perdidos nos afazeres diários, ocupados com coisas que normalmente nos afastam de nós mesmos. A Filosofia, as Religiões e também a Psicologia estão aí a nos dizer isso, cada uma do seu jeito, com seus métodos e pressupostos distintos, mas com o mesmo compromisso de apontar caminhos de autenticidade existencial.

sábado, 21 de março de 2015

As Manifestações Públicas de 15 de março. Ricardo Vélez Rodríguez





Meu antigo professor Ricardo Vélez Rodríguez tem uma postura política clara.Além disso é um dos mais respeitados intelectuais no Brasil e exterior. Quero partilhar e socializar sua visão sobre as manifestações públicas de 15 de março. 

"Amigos, foi uma festa cívica! Com a minha esposa Paula, juntei-me aos 45.000 londrinenses que, nessa linda tarde de verão, exigiam o fim da safadeza lulopetralha e o respeito aos cidadãos de bem. Famílias inteiras, alegres, defendendo a liberdade que a petralhada tenta sequestrar. Como todo mundo viu, foi assim pelo Brasil afora. Milhões reivindicando o direito de ir e vir e de viver em paz com as suas famílias. Milhões de vozes criticando a safadeza dos lulopetralhas que tentaram sequestrar a nossa liberdade, ao longo destes treze anos de desgoverno. Não conseguirão os militantes do caos se apossar das nossas almas. Saí à rua porque quero um país próspero e digno para os meus filhos: Vitória, já adulta e que luta para sobreviver com dignidade; Pedrinho, com os seus três aninhos e que não abre mão de ser uma criança feliz. A Festa da Liberdade, em todas as cidades onde os brasileiros saíram as ruas, foi um belo testemunho de vida cidadã e de esperança. Quase três milhões de manifestantes pelo país afora não foi um espetáculo pequeno. As ruas e praças cheias de brasileiros exigindo decência na vida pública e defendendo a liberdade encarnaram a vontade do povo brasileiro.
Lamentáveis foram as palavras dos porta-vozes do regime, que tentaram dar a sua interpretação distorcida dos fatos na entrevista coletiva de domingo à noite. Rosseto cometeu a asneira de dizer que os manifestantes pertenciam ao grupo dos que não votaram em Dilma nas eleições passadas. Cardozo, o militante que utiliza o ministério da Justiça para fazer advocacia em prol dos corruptos, enfatizou a "democracia" do regime dilmista, que "tolera" passeatas. Nada de novo, a mesma lenga-lenga de sempre. Panelaço na certa, essa foi a resposta dos que assistimos, pela TV, à medíocre entrevista. Os brasileiros cansaram da mediocridade e das mentiras da Dilma e seu governo de ineptos. A vida ficará difícil para eles ao longo dos próximos meses, com certeza. A multidão acordou e não se acovarda.
Na sua bela crônica intitulada: "Nós, o povo", o meu amigo e jornalista Paulo Briguet escrevia na sua coluna do Jornal de Londrina (pg. 5, edição de 16 de março):  "Durante muitos anos, a palavra povo esteve nas mãos de seus sequestradores. Até bem pouco tempo atrás, só podia usa-la quem era companheiro da esquerda. Mas os escândalos do governo acabaram por destruir esse cativeiro semântico. Hoje as pessoas são livres para dizer: - Nós somos o povo. Não precisam mais mostrar a carteirinha do partido nem a estrelinha no peito. O povo somos nós. Somos nós que trabalhamos, que estudamos, que criamos filhos, que amamos nossas famílias, que pagamos impostos, que fazemos compras no supermercado, que abominamos o roubo, o crime e a chantagem. Somos nós que não temos privilégios, que nunca tivemos milhões ao nosso dispor, que não ajudamos as pessoas só para conquistar os seus votos e as suas consciências. Fazemos o bem sem esperar nada em troca. Somos nós, o povo".
Os Estados se corrompem, já dizia Aristóteles na sua Política(no século IV a.C.), quando os que mandam fazem-no em benefício próprio, excluindo o resto. Não é preciso roubar dinheiro do contribuinte. Basta com colocar o Estado a serviço de uma minoria. Ora, é isto o que o PT faz no Brasil há treze anos, com a maior cara de pau, ousando pousar ainda como paladino da ética e dos excluídos. É contra essa desfaçatez que saímos às ruas no dia 15 de março e é com esse propósito que voltaremos a sair quantas vezes for necessário. Dilma ainda não entendeu o recado. Na sua entrevista de ontem simplesmente repetiu ad nauseam o seu discurso corriqueiro de que está disposta a dialogar. Diálogo estranho esse que começa querendo negar o óbvio ululante. Os petralhas governam para si, roubam e não prestam contas a ninguém. E ficam bravinhos quando as multidões, nas praças e ruas, exigem que os governantes lhes falem a verdade claramente, sem tapujos. Não perdem por esperar!



sábado, 14 de março de 2015

INTERCÂMBIO CULUTRAL BRASIL – PORTUGAL. Selvino Antonio Malfatti.





As relações entre descobridores e terras descobertas por europeus no século XV passaram por algumas etapas. A primeira se caracteriza pelo domínio do colonizador. Os colonizadores iam incorporando as terras aos seus domínios. O espaço para os nativos diminuía sempre mais e eram empurrados para as periferias quando não dizimados. Isto perdurou praticamente até o século XVII.
Num segundo momento, começa surgir uma população de mescla de nativos com os colonizadores. Eram mestiços, crioulos, cafuzos emergindo os conflitos pelos contínuos atritos com os vindos das metrópoles. Os colonos de segunda geração já não aceitam pura e simplesmente serem dominados e querem participar das decisões sobre suas terras e bens. Boa parte se misceginavam com os nativos emergindo uma população que não era nem européia, nem nativa. Isto perdura até o século XVIII. Desta população nasce um sentimento de pertencimento que gerou um desejo de autonomia e mesmo independência. Esta situação aflorou com toda intensidade no século XIX culminando com a independência das antigas colônias. A partir deste fato cortam-se os laços políticos, culturais, econômicos e mesmo religiosos em alguns casos com as metrópoles. Isto perdura praticamente em todo século XIX, findando no início do próximo século XX.
Inicia-se então uma volta, uma retomada dos laços entre a pátria - mãe e a pátria - filho. De um modo geral foi o padrão seguido pelos anglo-saxões, pelos lusos e castelhanos. Alguns deram mais ênfase aos aspectos econômicos, científicos e tecnológicos, como os anglo-saxões e outros aos humanistas como Portugal e Espanha.
Brasil e Portugal no século XX e XXI desenvolvem um trabalho lento de redescoberta mútua. Portugal começa se enxergar no Brasil e este se espelhar naquele. Neste momento o perfil mais maduro está na cultura. E é por isso que vários projetos contemplam a aproximação para enriquecimento mútuo.
É neste contexto que se realizam encontros, congressos, jornadas e colóquios. Um deles é o colóquio Vicente Barreto e outro Antero de Quental, ora em Portugal, ora no Brasil. O Colóquio Antero de Quental de 2013, realizado no Brasil, enfatizou a ética e a política em Brasil e Portugal, pari passu. O Colóquio Antero de Quental deste ano, também no Brasil, na UFSJ, em São João Del Rei, Minas Gerais, pretende inventariar as mútuas influências na área do direito. Os temas e a programação,bem como os palestrantes constam abaixo. 

Programação Completa do XI Colóquio Antero de Quental –UFSJ
De 11 a 15 de maio de 2015
2ª-feira -11/05/2015 Palestra de abertura
Abertura oficial do evento
Conferência de abertura:

1.      Panorama Geral da Filosofia jurídica luso-brasileira no século XX
Dr. António Braz Teixeira -Universidade Lusófona
Debatedor: Dr. Rogério Medeiros -Desembargador do TJMG

2.      A relação entre moral e direito no anti-positivismo jurídico de Farias Brito
Dr. Selvino Antônio Malfatti -UFSM e Centro Universitário Franciscano
Debatedor: Dr. Fábio Abreu Passos -IPTAN

3.      O pensamento jurídico anti-positivista do jovem Paulo Merêa.
Dr. Ernesto Castro Leal -Universidade de Lisboa
Debatedor: Dr. Selvino Malfatti -UFSM e Centro Universitário Franciscano
Novas formas de positivismo jurídico

4.      O pensamento jurídico de Abel Salazar.
Dr. Noberto Cunha -Universidade do Minho
Debatedor: Dr. Adelmo José da Silva -UFSJ

5.      O pensamento jurídico de Pontes de Miranda
Dr. Adelmo José da Silva -UFSJ
Debatedor: Dr. Julio Aguiar de Oliveira -UFOP

3ª-feira –12/05/2015-

6.      O pensamento jurídico de Djacir de Menezes
Dr. Ricardo Vélez Rodríguez -UFJF
Debatedor: Dr. Thomas da Rosa Bustamante -UFMG

7.      O pensamento jurídico de José Hermano Saraiva
Dr. José Esteves Pereira -Universidade Nova de Lisboa
Debatedor: Dra. Mariah Brochado Ferreira -UFMG

8.      O pensamento jurídico de António Manuel Hespanha
Dr. Thomas da Rosa Bustamante -UFMG
Debatedor: Prof. Paulo Roberto Andrade -UFSJ

Neo-tomismo jurídico

9.      O neo-tomismo jurídico de Tristão de Athayde
Dr. José Luiz de Oliveira -UFSJ
Debatedor: Dr. Fábio Abreu Passos -IPTAN

10.  O pensamento jurídico de Leonardo van Acker
Prof. Paulo Roberto Andrade de Almeida -UFSJ
Debatedor: Dra. Constança Marcondes Cesar -UFS

11.  O pensamento jurídico de Manoel Gomes da Silva
Dr. Pedro Barbas Homem -Universidade de Lisboa
Debatedor: Dr. José Esteves Pereira -Universidade Nova de Lisboa

4ª-feira –13/05/2015 -

12.  O neo-tomismo jurídico de Mário Bigotte Chorão
Prof. Dr. Julio Aguiar de Oliveira -UFOP
Debatedor: Dr. Fernando Armando Ribeiro -TJMG

13.  O neo-tomismo jurídico de José Pedro Galvão de Sousa
Dr. Silvio Firmo do Nascimento -IPTAN
Debatedor: Dr. José Luiz de Oliveira -UFSJ

Culturalismo jurídico

14.  O culturalismo de Alcides Bezerra
Dr. Arsênio Correa -IBF
Debatedor: Antônio Paim -IBF

15.  O tridimensionalismo jurídico de Miguel Reale
Dr. José Mauricio de Carvalho -UFSJ
Debatedor: Antônio Paim -IBF

16.  O pensamento jurídico de Evaristo de Moraes Filho
Dr. Rogério Medeiros -TJMG
Debatedor: Dr. José Carlos Henriques -FUPAC/Itabirito

17.  Ordem e hermenêutica a partir do pensamento de Nelson Saldanha
Dr. Fernando Armando Ribeiro -TJMG
Debatedor: Dr. António Braz Teixeira -Universidade Lusófona

18.  O ecletismo jurídico de Goffredo Telles Júnior
Dr. Fábio Abreu dos Passos –IPTAN
Debatedor: Dr. Selvino Malfatti –UFSM

5ª-feira –14/05/2015 -
Do neo-kantismo à fenomenologia jurídica

19.  O pensamento jurídico de Cabral de Moncada
Prof. Bernardo Gomes Barbosa Nogueira -Centro Universitário Newton Paiva
Debatedor: Dr. Rogério Picoli -UFSJ

20.  O pensamento jurídico de Lourival Vilanova
Profa. Dra. Mariah Brochado Ferreira -UFMG
Debatedor: Dr. Luiz Paulo Rouanet -UFSJ

21.  O pensamento jurídico de Eduardo Abranches de Soveral
Prof. José Carlos Henriques -FUPAC/Itabirito
Debatedor: Dr. José Esteves Pereira -Universidade Nova de Lisboa

6ª-feira –15/05/2015 –

22.  O pensamento jurídico de Aquiles Cortes Guimarães
Dra. Constança Marcondes Cesar -UFS
Debatedor: Dr. Norberto Cunha –Universidade do Minho

Perspectiva existencial e raciovitalista

23.  O pensamento jurídico de Delfim Santos
Dr. Manuel Cândido Pimentel -UCP
Debatedor: Dr. Rodrigo Correa -UFSJ

24.  O pensamento jurídico de António José Brandão
Dra. Ana Paula Loureiro -Universidade de Lisboa
Debatedor: Prof. Bernardo Gomes B. Nogueira -Centro Universitário Newton Paiva

25.  O pensamento jurídico de L. Machado Neto
Dr. Paulo Ferreira da Cunha -Universidade do Porto
Debatedor: Dra. Mariah Brochado Ferreira -UFMG

26.  O pensamento jurídico de Aloysio Ferraz
Dr. António Braz Teixeira -Universidade Lusófona
Debatedor: Dr. Paulo Ferreira da Cunha -Universidade do Porto

16 h -Mesa Redonda de encerramento do XI Colóquio Antero de Quental
Dr. António Braz Teixeira -Universidade Lusófona
Dr. José Esteves Pereira -Universidade Nova de Lisboa
Dr. José Mauricio de Carvalho -Universidade Federal de São João del-Rei


sábado, 7 de março de 2015

Delfim Santos, a vida do espírito e a meditação ética. José Maurício de Carvalho - UFSJ






A crise instaurada no país pelo escândalo da Petrobrás mostra um triste aspecto do patrimonialismo nacional, a relação imoral (além de criminosa) entre funcionários corruptos, incluídos políticos e empresários sem escrúpulo, que se unem no propósito de se apropriar, de modo inadequado, das riquezas públicas. Assegurando o ganho fácil e a prestação inadequada do serviço, prejudicam duas vezes a sociedade a que pertencem. Nesse caso, o fato recentemente divulgado pela imprensa demonstra a falta de controle da empresa estatal, mas também a fragilidade moral de altos funcionários da República, aí incluídos políticos.
Há quem não considere a falta de preparo moral dos funcionários, ou a fragilidade da matriz cultural patrimonialista brasileira, onde os problemas morais não foram e não são devidamente discutidos, para centrar toda a carga na ineficiência dos mecanismos de controle da empresa. Esta perspectiva parece frágil. Primeiro porque desconsidera que em algum momento da vida social o sujeito estará só com sua consciência e tomará decisões. Mesmo em sistemas muito seguros há sempre uma forma de fraudar, em especial se estamos falando da equipe dirigente que não tenha internamente nenhuma restrição a cometer atos imorais.
Por outro lado, não há como consolidar uma boa vida em grupo sem base moral. O filósofo português Delfim Santos lembrava que uma participação qualificada na vida social depende da densidade da vida pessoal. Uma vida social qualificada não significa igualdade entre os indivíduos de uma nação, mas a possibilidade igual de serem eles diferentes uns dos outros na afirmação da própria singularidade. Só nessa desigualdade existencial, ou melhor, na diversidade de vocações encontram os indivíduos humanos um sentido pessoal para a própria vida e só assim ele será capaz de cooperar com os demais membros do grupo e sustentar os legítimos interesses nacionais, porque também desenvolverá elementos morais.
A afirmação da diversidade pessoal e realização de vocações particulares exigia, disse o filósofo português, a superação de dois graves problemas da cultura ocidental contemporânea. O primeiro é o afastamento do homem de si mesmo, o que redunda numa vida infeliz dedicada ao trabalho vazio e à distração sem sentido das horas de descanso. Daí resulta o segundo grave problema a superar que é a sociedade redutora, incapaz de alimentar a vida do espírito, o pensamento, a reflexão, caindo no vazio da existência, mas também na falta de meditação moral. Sem pensar rotineiramente no que é correto e no que não é, sem meditar sobre nossas escolhas diárias, a vida parece se perder em ações irresponsáveis, ou em opções descomprometidas do que é certo.
Quando realçamos, como parte de nossas dificuldades culturais, os problemas que emergem no país por não se discutir as questões morais, não é porque nossa sociedade seja naturalmente imoral. Nenhum povo é naturalmente imoral. É porque parece ineficiente o discurso moralista de ficar condenando os atos imorais quando surgem ou esperar da justiça a punição dos malfeitores. Melhor é a meditação ética que previne e produz efeito em indivíduos habituados a pensar sobre a correção de suas ações. E também se deve considerar que, por mais controle que exista, e deve mesmo existir, em algum momento o indivíduo estará só com sua consciência e fará escolhas de grande repercussão na vida da sociedade a que pertence. Se não tiver esse autocontrole acabará encontrando um caminho para fraudar o sistema, prejudicar alguém ou todo o grupo. Um comportamento mantido apenas com punição, sem recompensas sociais e morais, retornará diante da ausência do agente punidor.

Ao estudar as meditações de Delfim Santos sobre a vida social contemporânea, seus desafios e o futuro da sociedade, entendemos tanto o sentido da moralidade como uma das dimensões da existência, como seu papel na construção de um grupo socialmente bem estruturado. 

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

RAÇAS E COTAS. Selvino Antonio Malfatti.
























A Universidade Federal de Santa Maria –UFSM - reserva cotas para alunos do sistema público e para os autodeclarados: negro, indígena, pardo ,num total de 220 cotas. Além disso, o candidato deve se submeter à entrevista constituída por uma comissão que envolve aluno, professor, técnico e representante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros.
Há algum tempo uma candidata do curso de pedagogia se autodeclarou parda e provisoriamente foi matriculada. Na entrevista a comissão entendeu que ela não podia ser considerada parda e, portanto, perdeu a vaga. Não conformada ingressou na justiça.
Outra candidata ao curso de medicina da mesma universidade também se autodeclarou parda. A comissão entendeu que não se enquadrava nos critérios e negou-lhe a matrícula. Ingressou com uma ação na justiça, recebendo do juiz parecer favorável, alegando que uma comissão não tem competência para julgar a raça.
Aí que está o problema. Raça nunca deveria ter sido critério para nada. É um argumento cientifico falso. Raça não pode ser critério para avaliação nenhuma por que é errôneo. Já vou demonstrar o que afirmo.
O conceito de raça não tem mais nenhum valor científico no estudo do ser humano: nem para a antropologia física ou biologia, apenas pela antropologia cultural. As diferenças físicas mais ou menos evidentes (cor da pele, estatura, forma craniana) não têm relação com a capacidade cognitiva, comportamentos sociais ou qualidades morais.
Há mais de décadas que antropólogos e genealogistas não se cansam de enfatizar que 99,9% do patrimônio genético é comum aos seres humanos e que apenas 0,1% varia discretamente entre as populações e não entre indivíduos. Por isso, o conceito de raça não tem mais direito de cidadania e deve ser banido por motivos científicos.
Não estão na mesma ordem as diferenças culturais e por isso antropológicas, conforme Edward Tylor com as Primitivas Culturas ou Franz Boas e Claude Lévi-Straus em Raça e História e Raça e Cultura. Aqui sim se pode encontrar as diferenças, mas não na raça. As pessoas e os grupos se diferenciam não por que são negros ou pardos mas, por que são diversos culturalmente, como etnia, meio ambiente, oportunidades.
O conceito de raça humana desaparece da ciência, mas reaparece no imaginário coletivo e principalmente na retórica política ou ideologia servindo para estigmatizar a diversidade cultural. Todos conhecem os efeitos nefastos da ideologia de raça que desencadeou as mais cruéis e sangrentas guerras. Inclusive o direito entrou nessa história e a maioria das constituições, ao garantir os direitos do homem, cita a raça.
No caso das cotas da UFSM se o sujeito objeto da ação não existe, não existem também os problemas que se diz inerente a ele. Se Paulo não existe, não existe tampouco a gripe de Paulo. Logo, as ditas ações afirmativas são concessões de privilégios.
No entanto, o que existe é o cultural e as ações afirmativas podem e devem incidir nele. Quais poderiam ser? O cultural diz respeito à educação, ao ambiente social, às oportunidades de trabalho e formação. Se todos são racialmente iguais e as culturas diferentes, deve-se apostar no cultural e não na raça. Apostar na raça é criar ou aprofundar as disparidades. No caso da candidata de medicina – através de normas errôneas – criou uma injustiça. Alguém que disputou pelo critério cultural foi eliminado pelo racial. Devem valer os mesmos critérios para o mesmo objetivo.

Infelizmente ainda tem abrigo na Constituição brasileira o conceito de raça quando invoca a igualdade LEGAL: Todos são iguais perante a LEI, sem distinção de sexo, RAÇA, trabalho...Em outras palavras, reconhece as diferenças de raça, da mesma forma que de sexo...

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A República e os Valores. José Maurício de Carvalho


A República respousa sobre a virtude - Montesquieu

O assalto contra a Petrobras que ocupa diariamente nossos noticiários, envolvendo empresários inescrupulosos, burocratas oportunistas, políticos sem espírito público e partidos convertidos em máquinas de roubar a coisa pública, é um triste capítulo da história da República. Não é o único e provavelmente não será o último. De um lado, há a própria condição humana afeita a benefícios sem esforço, num clima que ganhou força nas últimas décadas. Vivemos um tempo que Ortega y Gasset denominava tempo das massas, isto é, um tempo de direitos sem deveres. E a essa realidade soma-se uma tradição patrimonialista que não diferencia bens públicos de particulares, de modo que o cidadão se apropria para o próprio uso de coisas públicas sem pudor. Tanto a noção de massa quanto o patrimonialismo não possuem base moral sólida, capaz de assegurar o respeito à coisa pública e a democracia liberal.
No entanto, há fatores circunstanciais que agravaram essa base moral frágil na qual nos assentamos. A estrutura partidária, com dezenas de agrupamentos de aluguel que foram constituídos com a única finalidade de favorecer seus criadores, é um exemplo. Sem mexer nela, com governos formados pela coligação de muitos partidos, agremiações sem qualquer afinidade programática, sem sólidos programas, sem fidelidade partidária, teremos um governo que leiloa cargos e oferece benefícios em troca do apoio parlamentar. Chegamos ao absurdo de termos dois representantes dos dois maiores partidos do governo disputando a Presidência da Câmara e falando em autonomia do Congresso. De que autonomia falavam? Se é a independência do Poder Legislativo isso é matéria constitucional sobre a qual não há dúvida. Se  independência é do governo e do seu programa de atuação, como parece ser, isto é completo absurdo, pois os partidos eleitos o foram para cumprir o programa partidário. Os deputados de um partido são solidários aos colegas da administração, pois formam um mesmo grupo ideológico. Um sistema parlamentar talvez corrigisse tais absurdos.
Outro fator que contribuiu para o botim contra a Petrobras é o mal funcionamento do Estado. Quando o Estado funciona mal, suas instituições ficam fragilizadas: as forças militares não protegem as fronteiras, a polícia não prende os bandidos, o judiciário não julga, as leis não são respeitadas, cria-se um clima de insegurança jurídica e sensação de impunidade que favorece toda a sorte de mal feitos. De bandidos armados a bandidos do colarinho branco, todos apostam na fragilidade do Estado. Como entender a ação de bandos que assaltam bancos com fuzis automáticos e dinamites, numa triste rotina que afronta os órgãos de segurança e de inteligência do Estado? Os bandidos do colarinho branco, por sua vez, assaltam como podem, na mesma volúpia do enriquecimento rápido e sem trabalho.
Há ainda a fragilidade da educação, com uma escola mal cuidada e professores desprestigiados. Sem um sério programa cultural, que inclua uma boa escola, sem a educação cidadã, que ensina a respeitar a coisa pública para viabilizar a vida social não vamos corrigir o mal feito e a desesperança.
Finalmente, a falta de ensinamento moral nas escolas e famílias, formação moral muitas vezes associadas às religiões, também contribui para esse estado de coisas. Nossa cultura ocidental está estruturada sobre a moral cristã, mas perdemos essa dimensão. Mesmo nas Repúblicas laicas, o respeito ao cidadão, sua liberdade e dignidade estão respaldas na noção cristã de pessoa, criatura livre, digna e responsável. Quando o outro não é respeitado e o cidadão não age de forma responsável, a vida social torna-se inviável nas democracias liberais.

Para que não se tenha a sensação de que vivemos num país sem solução há de se lembrar que essas dificuldades podem ser superadas pela decidida ação da sociedade. E me lembro de um Prefeito que pagava pequenas contas da Prefeitura com seus próprios recursos e viajava para a capital com o lanche no bolso para não receber diárias. Nem tudo está decididamente perdido. Não vivemos num país sem futuro ou esperança, mas a esperança e o futuro precisam ser construídos com o esforço responsável da sociedade.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

A SOCIEDADE DO IMPULSO. Selvino Antonio Malfatti




Acaba de ser lançado o livro, The Impulse Society, de Paul Roberts, o qual tece críticas à sociedade atual caracterizada pelos impulsos. Para ele, esta situação é tão dramática por que houve uma conjunção entre os impulsos individuais e o mercado. Se alguém manifesta um desejo individual o mercado imediatamente se apresenta para satisfazê-lo.
O impulso a que se refere Roberts é o consumismo. Evidentemente que há diferença entre consumo e consumismo. No primeiro, as pessoas adquirem somente o que é necessário no presente ou no futuro. No segundo, as pessoas gastam excessivamente com produtos supérfluos, levados na maior parte das vezes pela propaganda. Quando as pessoas ou uma sociedade inicia o processo de consumismo entra num estado de compulsão e torna-se patológico. Compra tudo o que vem pela frente, até mesmo o que não precisa. A compulsão altera o caráter das pessoas e muitas vezes furtam ou roubam para exibir que possuem determinados produtos e aparentar status.
A explicação econômica – existem outras – pode ser localizada historicamente na Revolução industrial. Esta possibilitou a fabricação em massa e em série de produtos, popularizando-os e ao mesmo tempo barateando. Mas isto também só foi possível devido à ideologia liberal que individualizou os desejos. Não era mais a Igreja, o senhor ou o Estado que dizia o que cada um precisava, mas cada um individualmente ditava suas próprias ordens e escolhia o que gostava. A Revolução industrial, juntamente com uma sociedade liberal, deu origem a uma economia capitalista que precisa produzir sempre mais, consumir sempre mais, ad infinitum.
Para isso, juntam-se à ciência da informação e propaganda que divulga o que é produzido e mostrando suas vantagens, aumentado e alterando os efeitos. Já não se anuncia mais um carro bonito, potente, seguro, mas um carro com uma mulher ou um artista. A imagem foi alterada e sua visão aumentada. As pessoas humildes, se autoprojetam como gozando de um status de classe elevada. Engalfinham-se, então, na compra, lançando mão do crediário o qual leva ao endividamento.
Isto não é bom por que uma economia reorientada para dar-nos aquilo que queremos se descobre que, aquilo que queremos, nem sempre é melhor do que necessitamos. Para Roberts nem um capitalismo puro, aquele cuja ideologia prega que o melhor o é a maior produção combinada com o mais baixo custo, nem uma estatização plena para se atingir a maior eficiência. Nem uma e nem outra ser mostraram perfeitas. Evidentemente que só na primeira pode florescer o impulso, pois quanto maior for o consumo tanto maior será a produção a qual leva ao menor custo. Numa economia estatizada o poder político controla o consumo e por isso a impulso não tem como ser mantido.
As grandes empresas capitalistas estão agregando outros componentes a seus produtos. Já não se vendem mais produtos puros, mas junto com eles status alimentando os impulsos não só de produtos necessários, mas satisfações de desejos pessoais como, por exemplo, os melhoramentos tecnológicos que evitam que num acidente, não só a pessoa não se fira ou morra, mas outras fiquem livres disso.

O autor sugere que deveria haver uma opção intermediária, isto é, frear um pouco a massagem do ego em busca de status, mas evitar que a liberdade seja tolhida. No entanto, isto seria a morte do capitalismo. Pois este supõe liberdade não só de produzir, como de consumir. Aí caímos novamente no mesmo problema ou círculo vicioso: produzir/consumir – consumir/produzir. O próprio Roberts percebe isto.

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