Muita
coisa aconteceu no país na última semana, mas pouca tão emblemática como o
assassinato do vendedor ambulante Luiz Carlos Ruas que trabalhava, como
ambulante, no Metrô de São Paulo. Filmados em agressividade descontrolada, os
primos Alípio Rogério e Ricardo Martins não tiveram como negar o assassinato e
ficou ridículo a fantasiosa história dos seus advogados. Triste é destino do
Direito quando cria histórias sem compromisso com valores e a verdade. E quando
se assiste às filmagens da agressão não há como não se perguntar: como é possível
tanta brutalidade? Por que fizeram aquilo? Por que ninguém tentou impedir, mas ao
contrário, correram apavoradas em histérica fuga?
Não
é simples uma resposta. Essa é uma tentativa de alinhavar alguns pontos desse
enrosco. Os jovens adultos de hoje foram criados por uma geração que queria gozar
sem limites. A geração do é proibido proibir, do sexo livre e rock and roll, a geração que confundiu a
necessária repressão à agressividade, sexualidade e desejos, com brutalidade,
com violência contra crianças, com desrespeito à lei e ao estado de direito
típico dos anos da ditadura. Ao contrário, do que acreditou aquela geração não
há educação sem limites, sem contenção dos desejos, o que pode ser feito,
contudo, com carinho e amor. É possível uma sociedade ordeira no estado de
direito. É preciso controlar os impulsos.
Esses
jovens adultos de hoje não aprenderam a dialogar, a usar a razão e a reconhecer
quando os outros a têm. Ao contrário, sendo criados na intolerância do desejo,
não têm limites e nem reconhecem outra autoridade que a força. Por isso usam a
violência nas relações pessoais e se destroem nas drogas. A agressividade nas
ruas e trânsito de nossas cidades maiores, em especial na capital paulista, é
exemplo de como deixamos de usar a razão para resolver problemas e conflitos.
A
geração dos jovens adultos de hoje foi criada numa sociedade absurdamente
desigual, onde as desigualdades se aceleraram e se evidenciaram, não porque os
pobres ficaram mais pobres, mas porque, ao contrário, houve um enriquecimento. Porém,
o paradoxo se esclarece quando se compreende que os benefícios desse
enriquecimento, pelo menos em nosso país, se concentraram numa pequena faixa da
população, enquanto a grossa maioria permaneceu no limite da sobrevivência.
Essa realidade reforçou o comportamento da antiga elite escravocrata. Essa
elite não tem pudor de beber champanhe de 10.000 dólares e comprar prédios
inteiros em Miami, mas não dá uma bolsa de estudos, nunca fez uma doação para uma
universidade ou hospital. Uma elite que não se sente parte dessa nação, que não
se solidariza com a imensa maioria, a critica e ridiculariza. Uma elite que se
faz representar no parlamento e compra os pobres que ali chegam corrompendo-os
com a chance de enriquecer criminosamente. É mais fácil enriquecer meia dúzia
de egoístas que construir uma sociedade mais justa. A atual proposta de reforma
previdenciária é parte disso.
Os
jovens adultos de hoje foram criados no modelo tecnicista de uma educação
positivista, que não o deixou de ser nem quando sofreu o impacto dos princípios
humanistas da escola nova. Ao contrário, logo aderiu aos modismos da instrução
programada, do ensino técnico da 5692/72, como hoje flerta apaixonada com as
metodologias tecnológicas. Tudo sem mudar a qualidade do ensino e sem produzir
cientistas brilhantes e bons matemáticos como parece ser seu objetivo. Trata-se
de sobrevivência tardia do pombalismo, uma espécie de fetiche pela ciência e pela
técnica. Pombal acreditava que o progresso da Inglaterra se devia à prática da
ciência sem se dar conta da estrutura moral em vigência na sociedade britânica.
Pombal reformou a escola portuguesa, trouxe brilhantes cientistas de fora, criou
uma universidade de ponta e não mudou essencialmente a sociedade, nem a
política. O patrimonialismo sobreviveu e Portugal continuou atrás das
sociedades europeias que tinham outra base moral. A nova proposta do ensino é
mais do mesmo.
Esses
jovens adultos confundem estado de direito e pensamento liberal com posições de
direita, sem perceber que nazismo e fascismo, tanto quando o comunismo
soviético e cubano, são inimigos da humanidade porque todo totalitarismo ou
governo ditatorial, transforma o homem numa peça da máquina estatal. Os que
hoje clamam pela ditadura militar apenas manifestam falta de conhecimento da
história e do sentido da política.
Os
jovens adultos de hoje foram criados por pais que confundiram a relação pessoal
com Deus com a prática de ritos e cultos religiosos, que mesmo sendo importantes
para os grupos sociais, são o caminho e não o destino da alma humana. Uma
geração que não buscou o encontro pessoal com Deus e não consegue mudar a vida
pelo lado de dentro porque Deus é apenas a ideia distante que o rito celebra.
Esses
jovens adultos de hoje abandonaram as práticas e ritos dos seus pais, afastaram-se
dos líderes religiosos que usam o nome de Deus para enriquecer e construir
sociedades poderosas que apenas têm o título de igrejas. Esses líderes que
falam em nome do profeta de Nazaré, o menino simples que não viveu em belas
casas, não construiu nenhum templo, não criou nenhuma seita e viveu para
ensinar o amor aos outros e a Deus. Porém, esses jovens não buscam Deus e nem
sabem fazê-lo.
Esses
jovens adultos de hoje são os frutos da uma geração e seus equívocos. Nesses
dias onde aflora o desejo de mudanças, espero que de fato possamos fazê-la,
transformando aquilo que realmente vale a pena, mudando os equívocos de ontem
para termos uma nação melhor no futuro e uma humanidade melhor que nasça em
cada gesto.