sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Aquele Outro que nasceu em Belém. José Mauricio de Carvalho





Há na Bíblia um lindo texto onde Rute fala para Naomi que a seguiria. Onde você estiver aí estarei (Rt. 1,16): "Não insistas comigo que te deixe que não mais te acompanhe. Aonde fores irei, onde ficares ficarei! O teu povo será o meu povo e o teu Deus será o meu Deus!”

O que há de especial nas palavras de Rute é que quem faz a experiência com YHVH e O descobre como um Tu, não encontra outro lugar melhor para estar. A expressão Tu para designar Aquele Outro que contemplo e que me contempla, não por eventuais belezas que eu tenha, virtudes, utilidades ou qualidades que eu possa ter, mas que me sonda como sou e, apesar de meus vazios, me deixa vê-lo em si mesmo é alguém especial, uma pessoa. Se essa Pessoa for Deus, esse será o maior encontro de nossas vidas.

Uma das mais criativas análises e comentários sobre as relações pessoais encontra-se no livro escrito por Martin Buber intitulado Eu – Tu, (1923). A primeira parte da obra descreve as relações humanas, resumindo-as em dois pares de vocábulos. Os dois pares são respectivamente: Eu-Tu e Eu-Isso, sendo o Isso substituível por Ele ou Ela. Para Buber, quando se fala Tu ou Isso, pronunciam-se palavras-princípios, que resumem todas as relações possíveis aos homens.

A expressão Eu - Tu exprime, nessa descrição, o encontro íntimo ou mais estritamente a relação com o inobjetivável. Nesse sentido, nesse encontro é imprescindível a presença e a relação e não sobrevive sem elas. O que permanece sem a presença é o Objeto que não é duração, coisa pensada, fixidez, interrupção, ou ausência de relação. E aqui se manifesta o aspecto nuclear do caráter relacional do homem, as relações Eu - Tu, na ausência do Tu, se mudam em Eu - Isso, o que significa que aquilo que ficou depois da presença foi uma representação de algo que é dinâmico, indizível e inatingível.

Quando a relação perde as características próprias do encontro Eu-Tu, o Outro da relação deixa de ser Tu para tornar-se Isso. Como nem sempre o processo é linear o mundo, às vezes Deus, aparece na duplicidade, ele é Tudo, Ser, o que não se objetiva, mas pode ser objetivado. A totalidade ou Deus é quem (p. 71): "confronta, mas sempre como uma presença e cada coisa Ele a encontra somente como presença, aquilo que está presente se descobre a Ele no acontecimento e o que acontece, se apresenta a Ele como Ser". E, assim, na relação com o Tu surge o amor, pois o amor não se manifesta quando o que se pretende é experimentar, aproveitar, gozar e utilizar, os modos do Isso que é o tipo de relação objetiva, de posse, utilidade ou qualidade. A relação com o Tu tem características únicas e especiais que podemos resumir em: imediatez, reciprocidade, presença, totalidade, estar além do tempo e do espaço, fugacidade, não se tornar objeto.

Assim, nesse tempo de natal, o melhor presente é um encontro com Jesus de Nazaré, descobri-lo num encontro Eu – Tu. O frágil menino do presépio foi Alguém que, mais que qualquer Outro, fez com Deus (Pai) um encontro Eu – Tu. Aquele menino cujo nascimento foi descrito tão singelamente por Lucas Lc. (2, 6-7): “Enquanto estavam lá, chegou o tempo de nascer o bebê, e ela (Maria) deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” é a mesma Pessoa que chamava JHVH de Pai. Pai é o parceiro de um diálogo de eterno amor. Isso fica claro quando a criança do presépio, ao ser batizada, Dele ouviu (Mt. 3,16): “Este é meu Filho amado, em quem muito me agrado”.

E, assim, nesse advento de tempos líquidos e mentiras gerais que povoam as redes sociais, que Deus o livre de transformar Jesus num Isso para Dele se valer em negócios e mentiras. Porque o menino que veio trazer a salvação é causa de condenação para os que mentem sobre Ele e sobre os planos do Espírito Santo de Deus.

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