Causa estupefação a narrativa bíblica sobre os filhos de
Abraão. Diz o texto que os irmãos Isaac e Ismael brigavam muito e por isso
Abraão resolveu pedir para Ismael e Agar irem embora.
Da descendência de Isaac veio a civilização judaico- cristã. Da
descendência de Ismael, a árabe, e dela o islamismo. Os dois irmãos tinham a
mesma identidade, eram filhos de Abraão, mas com certeza tinham as suas
diferenças senão não brigariam. É o paradoxo das duas culturas judaico-cristã e
árabe: conflitam pelas diferenças sem se lembrarem de suas identidades. O mesmo
acontece analogamente entre as civilizações cristã e árabe, especificamente: europeia e complexo árabe.
Alguns salientam as diferenças entre as duas culturas. No
entanto, não se dão conta de que, se existe diferença, é por que existe alguma
identidade. Quando se pensa o Dois e o Múltiplo, no fundo ambos provém de suas
identidades por que estão alicerçados no mesmo princípio: o Um. Da
mesma forma há diferença entre um e outro por que há uma identidade. Somente
posso me referir ao outro se houver algo que os une. Sempre é necessária a
ponte para transitar de um para outro.
Isto vale para o cristianismo e islamismo. Quem será
capaz de negar a importância para o ocidente da tradição árabe na matemática,
arte, ciência, e filosofia? Platão e Aristóteles estavam mortos e sepultados se
não fosse a contribuição da filosofia árabe. Nossos conhecimentos sobre estes
dois pensadores chegaram à Europa através do árabe Averrois, culminando cinco
séculos depois com o Iluminismo e anteriormente com a Renascença, com a volta
às origens.
Contudo a noção de identidade e diferença persiste. A
matéria de uma escultura pode ser a mesma, mas o que diferencia é a forma. A
pedra bruta – matéria – é a mesma daquela da escultura de Davi. A matéria é a
mesma, o que os que diferenciam –pedra e escultura - é a forma.
Da mesma forma as duas culturas, europeia e árabe, podem
ter tido uma origem comum. No entanto, o resultado, a diferença as separa
abissalmente. Somente para ilustrar, o humanismo ocidental, a concepção de
humano, os distancia de tal forma que praticamente não se reconhecem mais. Os mistérios
dos sentimentos e da própria consciência, âmago da civilização europeia,
oriunda de uma vertente grega, a tragédia e a poesia, desprezadas pela cultura
islâmica, relegando-as ao secundário. A afirmativa de que a cultura oriental,
mormente a islâmica, é o coração da ocidental tropeça quando buscamos nela o
direito e o logos. Ou que o peso da teologia islâmica tenha sido tão importante
para Europa como a teologia hebraica e cristã. Embora possa se encontrar traços
da filosofia de Averrois em Dante, não é o essencial em Dante que se apreende,
por que onde está a Comédia em Averrois? Completamente ausente. São duas
realidades de intensidade diversa.
Além disso, onde encontramos no Corão a coexistência dos
distintos, o profundo significado da Trindade cristã? Não é por acaso que toda
cultura ocidental reflete a presença simultânea dos opostos: do cosmos e do
caos, da forma e do disforme, do finito e do infinito.
Nas diversas ramificações do conhecimento europeu como
história, filosofia e política, todas se apoiam na ideia de limite,
distanciando-se do ilimitado, do senso comum de que a decisão nasce do
consenso. Ainda, a possibilidade da convivência civil, calcado sobre a ideia de
limite, mormente no aspecto político. E neste caso a teoria do direito natural
como farol e guia político. Disso nasceram as grandes distinções próprias da
cultura europeia: entre poder, saber e lei, entre teologia, moral e política.
Isto não é nada mais e nada menos que a criação do estado laico, da democracia.
E aqui está o nó górdio: a separação da teologia da política. Confrontando-se
com o islamismo, não só a dita política radical como a moderada, deitam suas
raízes islâmismo.
Por isso, pretendendo-se explicar a cultura europeia por raízes
islâmicas é uma aberração. Temos uma mesma identidade originária, qual seja o
mesmo Pai Abraão, ou a Humanidade, mas a partir daí emergiram as diferenças,
radicais e profundas, que surgiu algo novo: a cultura europeia diferente da
árabe, embora se reconheça os traços de sua presença.
A convivência entre árabes – muçulmanos e europeus –
cristãos – não teve nada de idílico. Sabe-se que a Europa, na península
ibérica, foi ocupada pelos árabes por quinhentos anos. No Levante Mediterrâneo
assistiu-se a um prolongado e sangrento conflito de Veneza com os turcos. As
rapinas sarracenas no início do século XVIII nas costas italianas. A caça às
mulheres, homens e saques. A ocupação otomana semi-milenar nos Bálcãs com opressões
contra os cristãos, obrigados todos os anos entregar parte de seus filhos que
seriam constrangidos a converter-se ao islamismo e educados em Istambul para
servir os sultões.
E Infelizmente continuam os ataques terroristas na Europa
por parte do mundo árabe: Paris, Londres, Roma, Bruxelas, Berlim, Madri entre
outros. Ismael e Isaac continuam se agredindo.
Mas é muita informação, aprendi.
ResponderExcluirAgradeço.
Isto é incrível, a raiz dos ódios familiares, atravessaram seculos.
ResponderExcluirA história bem contada.
ResponderExcluirLi com muito carinho, ódio, inveja e ciúmes, problemas da humanidade.
Irmãos inimigos, perpetuação de ódios, inveja e desamor.
ResponderExcluirMuito bom.
ResponderExcluirNão conhecia está história.
Ismael e Isac, fizeram a divisão e ainda hoje segue
ResponderExcluiro sofrimento de todas as gerações.